Sociedade

A biodiversidade de São Tomé e Príncipe ficou mais pobre

As ilhas de São Tomé e Príncipe têm um número tão elevado de espécies de plantas e animais que não existem em mais lado nenhum do mundo – as chamadas espécies endémicas – que são famosas a nível mundial. A sua riqueza natural, ou biodiversidade, é única e motivo de fascínio para muitos investigadores espalhados pelo mundo.

Só neste momento encontram-se no país mais de 10 investigadores internacionais a estudarem esta diversidade – de plantas e cogumelos a pássaros e sapos.

Mas o património natural único de São Tomé e Príncipe não esteve sempre na ribalta. Pelo contrário, as ilhas permaneceram muito tempo desconhecidas da maior parte da comunidade científica do mundo. Só nos finais dos anos 80 é que lentamente a situação começou a mudar. E uma das pessoas que teve um papel central nesta redescoberta e que sempre a acompanhou e apoiou foi o cidadão inglês Angus Gascoigne, residente em São Tomé nos últimos 23 anos.

Angus fez uma licenciatura em estudos chineses que o levou, em 1984, a viver um ano na China onde fez a sua tese de licenciatura em seitas islâmicas marginais desse país. Foi depois dois anos para o Darfur (Sudão) como professor voluntário de língua inglesa, seguindo depois para o Porto (Portugal) onde continuou como professor de inglês durante mais dois anos. É no fim deste período, em 1989, que Angus viaja para São Tomé.

Veio para o País trabalhar como voluntário junto ao Ministério da Educação e Cultura no âmbito da formação de professores e desenvolvimento dos currículos de língua inglesa. Chegou para nunca mais deixar a ilha. Após 3 anos no Ministério, trabalhou 17 anos na Voz da América, mas os seus tempos livres eram quase exclusivamente dedicados ao seu maior interesse: a exploração do meio natural da ilha em que vivia. Foi só nos últimos anos que se pôde dedicar a tempo inteiro à sua paixão –  trabalhando com a Associação de Biólogos Santomenses e apoiando os cursos de biologia do Instituto Superior Politécnico.

Para quase toda a gente que fazia ou tencionava fazer estudos da fauna e flora de São Tomé e Príncipe, o Angus era ‘o nosso homem no terreno’. A organização de qualquer expedição passava por contactar o Angus; qualquer visita às ilhas passava por visitar o Angus e com ele ter longas discussões estimulantes sobre a natureza das ilhas e sobre os primeiros exploradores naturalistas que as visitaram – Angus tinha um saber enciclopédico e era um excelente contador de histórias. Para muitos a sua casa era uma base indispensável. Já regressados aos nossos países, o Angus continuava a ser uma fonte preciosa de informação, conseguindo desencantar estudos científicos importantes mas esquecidos. Quando recentemente investigadores da Academia de Ciências da Califórnia estavam muito entusiasmados com a descoberta de uma aranha que parecia ser uma espécie nova, foi o Angus que lhes veio dizer que essa aranha era de facto uma espécie que só existe em São Tomé mas que já tinha sido descoberta em 1949 por um investigador… dessa mesma Academia e que vários exemplares existiam desde então nas suas colecções!

Para o Angus, o mundo à sua volta era fonte de constante entusiasmo e de perguntas. Do mais pequeno insecto à árvore mais alta, dos peixes aos fetos – tudo era motivo de surpresa, tudo era o ponto de partida para novas teorias, possibilidade de novas descobertas. Os temas para os projectos de estudo dos seus alunos do ISP demonstram isso mesmo: com o Angus a orientar estudos sobre aranhas, peixes, morcegos e muitas outras coisas…

Este interesse levou o Angus a ser um membro fundador e o principal impulsionador do Grupo de Conservação do Golfo da Guiné, criado em 1993, cujas acções consistiram em ligar investigadores dispersos pelos quatro cantos do mundo e sobretudo na criação de uma página na internet (www.ggcg.st), onde qualquer pessoa com algum interesse na natureza da região ia beber… Está página foi uma obra exclusiva do Angus que nela reunia toda a informação sobre o que se sabia sobre a biodiversidade das ilhas e sobre os estudos que aí se faziam. Para além do seu interesse geral, o Angus dedicou-se ao estudo dos moluscos terrestres (caracóis e búzios do mato). Os seus artigos sobre este grupo constituem ainda hoje a referência a nível mundial sobre a diversidade do grupo nas ilhas.

De certa forma poder-se-ia dizer que o Angus adquiriu um estatuto de instituição. Qualquer pessoa interessada na natureza de São Tomé e Príncipe conhece o nome ‘Angus Gascoigne’ mesmo se nunca tenha conhecido o Angus em pessoa. Quem o conheceu testemunhou como a natureza pode constituir uma fonte de inspiração, de espanto – enfim, de alegria e maravilhamento. O próprio Angus assim o admitia no final de uma entrevista quando disse que São Tomé e Príncipe “é um país maravilhoso e que, após todos estes anos em que aqui vivo, continua a oferecer muito para descobrir e apreciar!”

O Angus partiu e com ele a biodiversidade de São Tomé e Príncipe perdeu um dos seus amigos mais entusiásticos. Com ele a própria diversidade que caracteriza São Tomé e Príncipe ficou mais pobre.

Angus Robin Gascoigne – Nasceu no Reino Unido a 21 de Março de1962, faleceu em São Tomé a 12 de Abril de 2012. Deixou Kezia, a sua filha de 8 anos, e a sua mulher Fernanda Soares Lima.

——–

Martim Pinheiro de Melo

CIBIO – Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos

Universidade do Porto, Portugal.

melo.martim@gmail.com

16 Comments

16 Comments

  1. Nós

    4 de Maio de 2012 at 11:23

    Ó Tela Nón, sempre que a morte de alguém se torna notícia, “averba-se” também qual foi a causa.

  2. rapaz de riboque

    4 de Maio de 2012 at 15:37

    para a familia os meus profundos sentimentos e que Deus o tenha em bom lugar

  3. MÉ SOLO

    4 de Maio de 2012 at 17:35

    Se de facto o Angus foi tão importante para a história da Biodiversidade de STP, considero lamentável a notícia chegar ao Tela Non através de alguém q reside no Porto.

    Se de facto o Angus foi um um membro fundador e o principal impulsionador do Grupo de Conservação do Golfo da Guiné algo de mto importante,acho que o seu falecimento deveria ser mais divulgado e até uma homenagem dever-lhe-ia ser prestada.

    Que a sua alma descanse em paz e que alguém possa dar continuidade aos seus feitos para o bem flora e fauna de STP.

    • Hugulay Maia

      4 de Janeiro de 2015 at 18:45

      O Angus era um homem de ciência, um cientista, e como tal não importa de ontem vem a informação o que realmente importa é que venha, um cientista é homem do mundo, ele era Britanico, residiu e faleceu em São Tomé e Príncipe, portanto se a noticia vem do Porto ou de Inglaterra ou mesmo de São Tomé não é isso que vai fazer a diferença.

    • Kezia Gascoigne

      24 de Julho de 2023 at 14:08

      Fiquei muito surpresa em ver essa publicação e sinto me muito orgulhosa em ser filha desse grande homem, Angus Gascoigne. Hoje tenho 19 anos, e já se passaram 11 anos mas a lembrança do meu pai como um homem apaixonado pela natureza de São Tomé e Príncipe e pela fauna nunca saiu da minha memória.
      Agradeço em nome dele a essa linda homenagem e a todos comentários.
      Realmente concordo que São Tomé e Príncipe ficou mais pobre pois o pai foi um homem chave para muitas descobertas do país e ele era uma enciclopédia viva.

  4. Xavier

    4 de Maio de 2012 at 23:13

    É uma notícia triste de mais. Fico muito apenado. Não apenas a biodiversidade ficou mais pobre, senão a ciência tuda. Angus, muito provávelmente, era uma das pessoas que com mais modêstia estudou STP desde as mais diferentes vertentes. Salvem o seu legado, as suas coisas, os seus papeis, as sua biblioteca!

    • Hugulay Maia

      4 de Janeiro de 2015 at 18:58

      Angus tinha algumas vontades que felizmente eu conhecia essas vontades, a maioria dos seus livros foram doados para ISP – Instituto Superior Politécnico de São Tomé e Príncipe actualmente transformada em Universidade de São Tomé e Príncipe. Essa doação foi feita pela esposa através da ABS associação dos biólogos santomense a que fez parte durante os últimos anos da sua vida.
      Angus tem uma colecção de todos os seus pepers no Arquivo Histórico de São Tomé e Príncipe – pois sempre que saia uma publicação sua ele fazia questão de entregar uma copia a instituição.

      havia um livro “Roças de São Tomé e Príncipe” este livro tem mas de 100 anos, sua vontade era que esse livro estivesse num lugar publico onde muitos pudessem consultar, pois fiz o envio para Casa CACAU, caso vocês vejam na casa CACAU o livro pois saibam que foi doação do mesmo.

  5. Frank

    5 de Maio de 2012 at 18:12

    Tomando o conhecimento deste trágico acontecimento, sirvo deste meio para enviar um abraço a família, nesta hora de dor e de luto.

  6. Ôssôbô

    5 de Maio de 2012 at 21:11

    É com profunda consternação que acabo de saber desta triste notícia! Um homem de bem e muito inteligente!Pergunto: Será que em STP há pessoas preparadas para darem segmentos aos trabalhos do malogrado?
    Que deus o tenha e que a terra lhe seja leve!
    Que STP reconheça o valor do homem que nos abandonou!!

  7. Aristides Barros

    7 de Maio de 2012 at 10:11

    Conheci o Angus desde a sua chegada a STP. Durante algum tempo participei nas suas aulas de inglês mas não tinha conhecimento deste lado de investigador.
    Que Deus o Tenha.

  8. Nanana

    8 de Maio de 2012 at 22:14

    Gostava de saber se o Governo de STP prestou alguma homenagem à este Senhor, que eu nunca conheci, mas passo a memorizar e agradecer. Se calhar fez muito mais pelo País e documentou as Ilhas como mais ninguém está interessado em fazer, sem ser nunca agradecido por isso.
    Uma vergonha!!! Não se valoriza nunca, quem realmente tem valor!!!

  9. Hugulay Maia

    22 de Julho de 2012 at 15:49

    Ola Todos!
    De facto foi uma perda lamentável, tanto para família como para os amigos e principalmente para a comunidade cientifica.
    mas claro normalmente os cientistas são mesmo assim, quando nos deixam, o que fica é a admiração e boas referencias, pena que os nossos políticos não reconhecem isso, acredito que se fosse um membro do Governo as coisas poderiam ter outro carácter.
    Eu, fui e ainda sou um grande amigo do Angus, conheci-o tornamos amigos simplesmente pelo facto de eu gostar tanto da natureza e ser fanático dela, ele via em mim a vontade que tinha quando era jovem para descobrir, e assim começamos a nossa jornada de descobrir, pesquisamos muitas coisas juntos, eu até estou a terminar de escrever um artigo cientifico que eu e ele começamos mas infelizmente ele deixou-me sozinho fazer isso, mas acreditam que em breve estava disponível este artigo com uma homenagem bem recomendada para Angus.
    Estava no funeral do Angus, familiares, amigos, Instituições da qual ele prestou serviços e membros do governo não pelo próprio governo mas sim pelo facto ser ser grande amigo.
    Não existe quem mas sabia das vontades do Angus do que eu, até programamos como seria o nosso funeral “Seriamos queimados” mas infelizmente o pais não dispõe desse tipo de cultura por isso ele foi enterrado no cemitério da Trindade onde a sua alma descansa em paz, outra coisa nem Angus nem eu acreditamos muito na vida após a morte, por isso seja ele onde estiver sei que esta melhor do que quando estava em vida meu amigo sofreu muito.

  10. Cheryl

    20 de Agosto de 2012 at 15:52

    God bless, Angus.

    The world is a much sadder place without you x

  11. Sergio Floeter

    24 de Outubro de 2012 at 22:40

    Muito triste notícia. Era uma pessoa muito agradável e importante para STP. Guardem seus papeis e seu escritório com carinho.

  12. s.tome sa d nguê di santome

    4 de Maio de 2013 at 12:28

    Quer dizer que o homem morreu? Não se percebe bem aqui… Era suposto isto ser uma notícia?

  13. Hugulay Maia

    4 de Janeiro de 2015 at 18:42

    Dois anos após a sua morte, finalmente saiu a ultima publicação sobre mas uma contribuição do venerado Angus Robin Gascoigne, “Notes on the breeding ecology and conservation of the Critically Endangered Dwarf Olive Ibis” mesmo depois de morto seu nome continua a fazer sucesso na comunidade cientifica, aqueles que tiverem interessado em saber o resultado das nossas descoberta e como foi feita pode acessar a pagnia http://www.africanbirdclub.org/node/2421?language=fr, o artigo foi publicado em Setembro de 2014.

    É triste porque quando saiu o artigo eu escrevi uma nota de imprensa para editor do jornal Téla Nón para publicação mas atá a data não tive resposta nem para saber se ele recebeu o email, para vocês verem como até para falar de ciência em São Tomé e Príncipe é complicado.

Leave a Reply

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

To Top