Análise

“ENCONTRO NACIONAL DE JUSTIÇA”

juiz-conselheiro.jpgHilário Garrido, Juiz Conselheiro do Tribunal Constitucional, realça a importância do Encontro Nacional da Justiça. Uma luz ao fundo do túnel para dignificação da justiça em São Tomé e Príncipe.

“ENCONTRO NACIONAL DE JUSTIÇA”

 

                        Porque mais de 90% de santomense não deve ter tido a mínima ideia do que foi a amplitude e a importância deste encontro que decorreu no Palácio dos Congressos nos dias 24, 25 e 26, deste mês de Novembro, vou permitir-me divulga-lo, devido ao tão alto sucesso que o mesmo teve, e, porque, infelizmente, o documento final provavelmente não vai chegar ao conhecimento de muita gente e até da comunidade internacional, ao menos que quem de direito se faça por isso, na Internet, e que os jornais o publiquem.

                        Foi efectivamente um sucesso. Foi o melhor encontro de Justiça alguma vez realizado no país, tanto pela qualidade dos documentos apresentados, sobretudo os conteúdos temáticos apresentados, como o diagnostico, as propostas e soluções avançadas no documento final, como pela qualidade das intervenções dos profissionais do foro (magistrados, advogados, solicitadores judiciais e  funcionários judiciais), políticos, juristas, estudantes de Direito e até mesmo os leigos na matéria.

                        E agora? Que fazer com essas ideias plasmadas nesse documento final? Pragmática e realisticamente falando, sobretudo de ponto de vista temporal do que financeiro, a exequibilidade dessas ideias poderão não ser uma realidade. Ouso dizer mesmo que não o será para este Governo, por mais que queira.

                        Primeiro,  porque este Governo está quase no fim do seu mandado e já se fala em eleições legislativas para o segundo trimestre, o que leva a dizer que estamos já num período eleitoral que tem as consequências que tem, tanto nas actividades de um Governo, como dos partidos políticos.

                        E o que se deve ter em atenção é que o próximo Governo não tem que se sentir vinculado a este tão importante documento, jurídica e politicamente falando, ao menos que o seja por uma questão moral de ter em consideração que houve essa tão grande e aturada reflexão sobre a Justiça, caso impar em STP, pelo menos com essa amplitude, e que envolveu toda gente, legitimas e vozes autorizadas do ponto de vista politico, como académico ou técnico-jurídico.

                        Isso porque o próximo Governo, com o seu programa, terá toda a legitimidade de dizer “vou fazer melhor;  eu é que estou no poder, e o meu programa foi sufragado pelo Povo; e, acima de tudo, é a ele que devo respeitar e prestar-lhe conta no final do meu mandato”. E até dizer que organizarei um melhor ainda!

                    Porque o melhor seria que, quando um Governo inicia o mandato, ele pudesse fazer esse tipo de reflexão e procurar implementá-lo porque tem, a priori, salvo às nossas vicissitudes e especialidade em derrubar Governos precocemente.

                        Eu lá estive também e não me sentiria bem se não estivesse nesse tão importante fórum de discussão de temas que me são fascinantes e apaixonantes: Politica, Direito  e Justiça. E para acalmar os precipitados quando cito Politica, quero esclarecer que ali também se discutiu – como não politica deixar de ser – politica de justiça para o país. Que justiça queremos? Como?   Mas a minha tristeza foi ter visto lá poucos deputados e políticos não parlamentares.

                        Ora, o que me leva também a aproveitar esta “cumba” de divulgar este Encontro é porque fiquei com  água na boca, na medida em que, tendo que obedecer as regras do debate, não pude falar sobre mais de 50% daquilo que tinha para  dizer.

                        E, não querendo e não podendo desenvolver grandemente tudo o que tinha para dizer lá – o que poderei vir a fazer nesta minha mania de escrever – vou apenas referir-me à ideia de criação de “Provedoria de Justiça” ou, no meu entender, diria mesmo, veleidade dessa criação.

                        Primeiro vou exprimir a ideia do que é um órgão de Estado a que se dá o nome de Provedoria de Justiça. Trata-se de um conceito que surgiu na Noruega com o nome de OMBUDSMAN e que significava advogado ou “defensor do povo” ou “defensor do cidadão”.

                      Trata-se de “uma alta autoridade administrativa, independente do Governo e da Administração, e também independente dos Tribunais, normalmente eleito pelo Parlamento e que tem por função receber queixas dos particulares contra a actuação da Administração Pública e utilizar a sua  autoridade, o seu prestígio, o seu poder de persuasão  para levar  as autoridades administrativas a reparar as injustiças ou ilegalidades que tiverem cometido, ou a alterar as decisões de má administração que por ventura tenham tomado” (Freitas do Amaral – Manuel de Direito Administrativo IV Volume), ou seja uma entidade que protege os administrados (cidadãos/particulares) dos abusos da Administração Pública, sobretudo, dos senhores Ministros, Directores-Gerais, Directores, responsáveis de Câmaras Distritais, todos aqueles que têm o poder de decidir sobre a vida dos cidadãos e, quando o fazem lesam os seus direitos ou interesses legitimamente protegidos. Sem esquecer que mesmo os mais altos responsáveis de soberania praticam actos administrativos, actos esses que constituem, essencialmente, objecto de função do titular dessa tão nobre pasta que é o Provedor de Justiça, actos esses que são também sindicáveis pela jurisdição administrativa, ou seja passível de serem anulados pelo Tribunal Administrativo que no nosso caso é o Supremo Tribunal de Justiça.

                        Referi-me acima a palavra “veleidade”, sabendo que desperta a ira dos hipersensíveis e “afro-democatas”, nacionalistas acérrimos que normalmente acham que são coisas do “ocidente”, porque, tradicionalmente, ou mesmo no caso de Portugal, essa entidade não tem poderes decisórios. Os seus poderes são de RECOMENDAÇÃO. Ora se num país onde as vezes não se cumprem decisões judiciais (os poderes públicos, que quando  não cumprem fazem malabarismos para evitar cumpri-las, como já conheci o caso de uma Ministra das Finanças ter enviado uma sentença, em que o Estado foi condenado a pagar uma indemnização a um cidadão, para o Ministério da Justiça e dali chegou a ir de novo para o M.P. para parecer!), como conceber que eles lidem com recomendações, que mais não são do que aconselhar, sugerir, apelar para que se respeite os cidadãos? E são entidades tidas como contrapoderes, para usar a expressão de um politico/jurista português, assim como entidades reguladoras de comunicação social, ou seja entidades que podem contrariar ou imiscuir na administração e levá-la a alterar a sua vontade. Mas neste caso da Provedoria, é de recomendação. Recomendação às entidades que praticam actos em violação dos direitos e interesses dos cidadãos, para que elas reflictam sobre essa violação e, eventualmente, atendendo a recomendação, a corrijam, sem descurar o poder do Tribunal Administrativo, que, esse sim, pode de anular as decisões dos responsáveis administrativos acima referido e com força constitucional de ninguém poder contrariar (como hei-de abordar nos meus próximos artigos sobre o título “Administração Pública, Direito Administrativo e a Jurisdição Administrativa”).

                        Devo precisar que, a Provedoria da Justiça – que foi a designação que  tristemente (ou talvez, ingenuamente) deram ao Ministério Público na I República – não é Tribunal nem muito menos um órgão de soberania. É um órgão que se situa na esfera da administração pública do Estado, assim como entidades reguladoras da comunicação social (Conselho Superior de Superior de Imprensa – S.T.P; E.R.C. – Portugal,  Entidade Reguladora de Comunicação (ex-Alta Autoridade para a Comunicação Social). Ou melhor, a Provedoria funciona dentro na esfera da Administração Pública, mas com função especial e diferente de proteger os cidadãos (particulares) dos abusos e atrocidades da Administração.

                        Como é que se processa essa protecção dos cidadãos? Alguém contra a qual foi tomada uma decisão que ela considera injusta ou ilegal, dirige-se a Provedoria da Justiça e esta analisando a situação decide, de duas uma: reconhece a pretensão do cidadão e encaminha-a para a entidade que supostamente lesou o cidadão, com recomendação de que a situação seja  corrigida ou ela própria, a Provedoria, se achar que o pedido do cidadão não pode proceder (obviamente num processo interno em que se recolhe elementos necessários para uma boa ponderação do caso, assim como se faz nos Tribunais, rejeita tal pretensão por não ter cabimento ou fundamento, ou ainda não ter razão de ser. Porque às vezes há pessoas que sem razão ou por tudo ou nada, reclamam, queixam, entulhando os serviços de Estado com trabalhos fúteis.                 

                        Finalmente, quero afirmar a minha paixão por esta tão prestigiosa instituição que é a Provedoria da Justiça. Oxalá isso se concretize. Mas, antes ainda, que nós santomenses nos sensibilizamos e ganhemos consciência das  suas virtudes, da sua importância e do seu valor na satisfação das necessidades das pessoas. Refiro-me mais ao poder politico e aos políticos em geral, porque sem a chamada vontade politica, nem isso, nem nada, que esta plasmado no documento final do “Encontro Nacional de Justiça” conhecerá a luz do dia  como é o nosso timbre.

                        Vejam só o que se passa com o Conselho Superior de Imprensa, que eu já tive a  honra de presidir, no período de 1997 a 2003  e, modéstia à parte, naquela altura, começamos a fazer alguma coisa, mas o Governo da então decapitou-nos, silenciou-nos, com cumplicidade de todos os outros órgãos de soberania de então . Um órgão que devia estar a velar pelo cumprimento da liberdade de imprensa, do pluralismo na comunicação social, e defender a independência dos órgãos de comunicação social, sobretudo públicos, nomeadamente RNSTP e a TVS, está hoje moribunda, intencionalmente pelo poder politico que nem lhes dá condições para funcionar; nem há um espaço físico onde pode reunir e demais situações tristes. Só que não têm a coragem de extinguir esse órgão e pensa-se criar PROVEDORIA DA JUSTIÇA. Como dizia o outro, “tem dó”!  Digamos que há a intenção de convencer a comunidade internacional que temos muitas das chamadas instituições democráticas.

 

 

 

 

 

 

 

                       

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

    

To Top