Entrevista

A QUADRA NEGRA

Não sei combelinda1.jpgo não esquecer da nuvem que paira sobre as nossas vidas nos últimos tempos, sabendo que as consequências da crise mundial são sentidas em todos os sectores da vida social e sabe-se de antemão, segundo os analistas económicos, que a crise veio para ficar. Esta nuvem negra tem assombrado os nossos pensamentos todos os dias, as nossas vidas foram ficando cada vez mais pretas, com consequências imediatas na Quadra Festiva que se avizinhava.

Todos os cidadãos de classe média e baixa, que auferem um rendimento abaixo do considerado pelos indicadores económicos como valor mínimo para o custo de vida médio de uma família durante um mês, têm sentido na pele o crescente encarecimento dos produtos de primeira necessidade. Cansados de falsas promessas de sucessivos governos, o povo são-tomense também se vem manifestando o seu desagrado para o agravar da crise, particularmente nas famílias mais desprovidas de meios de subsistência.

Cada vez mais é notória a falta de capacidade de resposta do poder político para criar uma auto-suficiência alimentar em São Tomé e Príncipe. Um país como nosso com terra fértil, e boas condições de produtividade, em pequena e média escala para o mercado interno e não só, vem padecendo de gravíssimas lacunas no que diz respeito às garantias de fracções básicas de abastecimento de mercado com produtos agrícolas. O povo deixou de trabalhar e o estado nada faz e nada tem feito para contrariar essa tendência caótica.

Com a chegada do Natal, imensa gente desembolsou aquilo que não tinha para poder passar o dia da família, conforme os hábitos e costumes cristãos. O povo, na sua maioria pobre, acabou por ser penalizado com as desculpas de que a crise que se abateu no mundo afectou tanto os grandes como os pequenos, daí que se contenta com a falta de pão, enquanto vai vendo carros importados (a preço de pecado) nas mãos de alguns iluminados pela luz divina. Afinal, o diabo tanto rezou que acabou compensado com uma máquina daquelas. Vale sempre a pena rezar e pedir que todos os seus desejos sejam satisfeitos após o atravessar do Ano Velho.

Rios de dinheiro são esbanjados pelos pobres em compras fúteis e desinteressantes aliadas a uma forte campanha de sedução empresarial, com o conluio de membros do governo e os demais comerciantes que pensam no lucro. Nada de nada vale guardar tanto dinheiro para se gastar em festas que vão desde a véspera do dia de Natal (nascimento do menino Jesus Cristo!) até bem depois dos primeiros dias do Novo Ano.

São somas avultadas que, ardidas em grades de cervejas, garrafões de vinho, canecas de aguardente e algumas prendas, por vezes de luxo, os enfeites, as roupas para a Quadra, não sendo aproveitadas em algo que garanta o retorno do investimento, de forma inconsciente, conduzem ao forte empobrecimento da população (nos termos em que se encontra a economia do nosso país) que pouco ou nada tem. Durante todo o ano, o pobre diabo trabalha apenas para que o fruto do seu suor seja destruído em menos de quinze dias. Qual é a piada que tem seguir-se esse tipo de comiseração religiosa e política que só trazem benefícios aos ricos?

No meio da crise, quem sempre acaba por lucrar mais são os chamados mais ricos. Porquê? A emoção carregada nas almas do povo fica no seu auge quando se aproxima a época em que ficará mais pobre. O povo fica mais alegre e pronto para comprar o que não pode, para gastar porque se disse que é a altura de gastar. Não se olham aos meios para que se possa tomar uma valente bebedeira de fim de ano. Mesmo que a ceia seja à luz das velas, não há qualquer problema. O povo já se foi habituando com o “carbureto” dos senhores ministros que se fartam de fazer promessas! A ceia às escuras?! Não será um mau presságio para o governo? Oxalá que sim!

A ocasião é aguardada com enorme expectativa, que os pobres ficam inquietos pelo facto de terem acumulado um pouco das suas economias sem poderem ter dado um destino melhor. Destino esse que seria o gastar por impulso, sem medir as consequências, porque é Natal. É Natal, ninguém leva a mal!

A igreja católica, ao longo de séculos, manipulou com todas as suas armas a pregação desse tipo de mal sobre os mais fracos e desfavorecidos, promovendo uma dependência implícita dos pecadores para com o seu Senhor. Devendo os primeiros tudo fazerem para pagarem pelo mal que cometiam involuntariamente todos os dias contra a coisa do Criador e os seus próximos. Deduzindo, a igreja enriqueceu-se e fortaleceu-se de tal modo que o seu poder de camuflar os desvarios dos padres e os membros da classe doutrinária é imbatível. Os mais incultos e idosos são os seus mais fervorosos seguidores e pregadores. Mesmo que morram pobres de alma e de espírito, nada lhes demove da luta pela tarefa incumbida pelos verdadeiros “pecadores” da humanidade.

Assim, foi a forma em que abrimos os olhos e vimos o mundo. Um mundo que foi mudando consoante os caprichos do Homem. Foram criados símbolos que representam o mais profundo sentimento humano. Um deles é o símbolo da fé, que tem muito que se lhe diga. Mas quem conseguirá sozinho mudar o mundo da forma se encontra? Julgo que o tomarão por louco…

O espírito natalício proporciona harmonia, paz e alegria entre os homens, especialmente no seio de uma família. A reunião de diversos membros da família, muitas vezes residentes em pontos distantes uns dos outros, encontra lugar nesta época festiva. No entanto, visto que o poder político instalado (com base no consagrado na Constituição da república) concede longas férias, próprias para o ócio e o consumismo doentio, ao seu pobre povo, este contribui em grande medida para a perpetuação do poder capitalista mesquinho e monopolização estrangeira da economia de mercado sem retornos financeiros aos nossos próprios cofres. No fim, quem perde são os coitados dos trabalhadores que pagarão caro a vida boémia em que se atreveram a viver em pleno tempo de vacas magras.

Chegado o Reveillon, lá está o povo idiota a lançar as passas e pedir aos céus tudo e mais alguma coisa. A felicidade e a saúde normalmente são os últimos da lista. O primeiro que aparece é o dinheiro. São seguidos de bens materiais de todo o género e feitio e, pelo meio, o amor. Passa o dia 31 de Dezembro e todos querem esquecer a desgraça que fora o ano anterior, como se tivessem vivido uma vida numa outra encarnação. As crianças gritam e pulam de alegria, os jovens lançam foguetes, os idosos vão gemendo de dor (sussurrando “awo…”), os cães ladram e o ano já é outro (Novo, o 2009). Porém, a vida continua e os problemas se sempre continuam nos perseguindo como a cauda que segue o macaco. Até quando, meu Deus?!

De uma forma mais séria, poderei dizer que os 365 dias e algumas horas foram muito duros e vividos de forma tão sofrida e dolorosa por milhões de negros pobres que habitam o nosso continente. Para todos esses africanos, que comeram o pão que o diabo amassou, desejo-lhes força, coragem e amor para lutarem por aquilo que é lhes pertence. O amor, sim, porque é o que move o ser humano. Que tenham saúde, alimentação, e, principalmente, que os governantes de todos os países que sofrem com males de toda a ordem recebam a bênção de Deus, para que as suas consciências possam mudar o rumo da história. Ou, que, pelo menos, minimize os danos provocados pelos assaltantes mercenários que sistematicamente destroem os nossos lares.

Para finalizar o Ano de 2008, nada mais tenho a adiantar, senão o facto de mais mulheres exprimirem as suas ideias aos meios de comunicação social, mostrando que as mulheres também podem pegar em armas e lutar pela sobrevivência dos seus filhos. A crise que me fez escrever estas linhas poderá ser apenas um objecto observável que retrata a realidade abstracta do futuro traçado pela mão dos homens. Apelemos juntos para que jamais tenhamos uma nova Quadra Negra!

Compatriotas, compadres e comadres, visitem por favor o sítio http://santomense.blogspot.com, do Jykiti, que tem algumas novidades. Termino, desejando-vos

Boas Festas e Um Próspero Ano Novo!

Dra. Belinda Wakongo

Amsterdam, Tuesday, December 30, 2008

belindawakongo@hotmail.com

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