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O TRIBUNAL DE CONTA DE STP

juiz-conselheiro.jpgPerdoem-se-me o excesso de escrever, quase sobre tudo ou nada, para a angustia dos meus “contras”, quando, só por ter estado na inauguração da “Sala de Audiência e Julgamento” do Tribunal de Contas, já fiquei emocionado e inspirado para esta madrugada (dia 2/12/09), brotar esta minha emoção que no fundo é de profunda alegria de ver uma coisa dessa, que se revelou para mim, de importância capital, não obstante a exiguidade da sala e as adversidades com que esse Tribunal se confronta, face ao poder politico, sobretudo no plano orçamental.                         É pequena a Sala, mas a inauguração revestiu-se de um simbolismo emblemático, porque transmite ao cidadão que, aí está um Tribunal sério, embora novo, digno e pronto a fazer accionar os mecanismos de responsabilização daqueles que supostamente sugam este Povo, quando gerem fundos públicos postos a sua disposição para servir este próprio Povo. Não direi perfeição, porque ninguém é perfeito. Trata-se de um grande passo dado. Haverá, quiçá, algumas deficiências, falhas ou coisa parecida. O importante é começar versus impunidade que pairou até então.

                        O acto teve a bênção do Presidente da República que, além de repisar essa importância toda, fez uma espécie de beneplácito da tese que já defendi, neste jornal, segundo o qual o Tribunal de Contas é verdadeiramente um órgão de soberania.

                        Paradoxalmente, deparei-me, no mesmo dia, com uns puritanos que me interrogaram se era necessário inaugurar salas de audiência. Respondi, peremptoriamente, que era importantíssimo. Tudo o que é novo, inédito e importante e, com tão grande relevância na vida do Estado e do Povo, numa instituição como os Tribunais, neste caso, Tribunal de Conta, é para se inaugurar. Inaugura-se coisas novas importantes. Como é que se inauguram chafarizes com pompa e circunstância!?

                        Trata-se de uma sala pequena como já disse, mas bonita, com uma exposição dos lugares dos intervenientes estupenda. Juízes ao centro, lado esquerdo Ministério público e Defesa e ao centro, defronte aos Juízes, ligeiramente afastado destes e numa posição relativamente desnivelado, ficam os chamados “DEMENDADOS”, que correspondem a réus nos tribunais criminais.

                        Ali, os demandados vão enfrentar um verdadeiro julgamento, contrariamente ao que os especialistas da terra, os “contra”, fizeram saber ao Presidente do Tribunal de Contas, conforme ele próprio revelou no seu discurso, que este Tribunal estaria a usurpar funções. Isso é uma ignorância de chicotada. Como disse Filinto Costa Alegre, no Encontro Nacional de Justiça, isso merece “sotchi flimá”, ou pior ainda. Porque o Tribunal de Contas “julga as contas do Estado” e não há julgamento mais típico sem presença de tais autores que acima referi. Porque quem mexeu com os cordelinhos, deve explicar, pessoal e directamente, como mexeu, utilizou, usou, abusou, desviou, etc. os fundos públicos.

                        Isso é uma autêntica pedagogia e dissuasão para os funcionários, os detentores dos poderes públicos e políticos. Penso que, doravante, hão-de pensar duas ou mais vezes, antes de lidarem com os fundos do Estado. Porque, quer se queira quer não, sentar no banco de réus (aliás “demandados”), sobretudo para justificar dinheiro utilizado é estigmatizante. A única diferença que parece haver com os verdadeiros réus em crimes, é que estes podem ir preso, os “demandados” não.

                        Os chamados “DEMANDADOS”  (forma eufemística e quiçá, diplomática ou subtil que a lei encontrou para designar os violadores das leis financeiras do País, para não lhes chamar RÉU ou outro nome pior, salvaguardando sempre, como em sede criminal, o principio da presunção de inocência), vão explicar ao Tribunal como e porquê que utilizaram (para não dizer desviaram) os fundos da maneira contraria ao que está previsto, conforme o M.P. acusou, com base numa investigação supostamente aturada e onde estarão esses fundos.

                        É de supor que o M.P., ao ter procedido ao apuramento da responsabilidade financeira, se tivesse deparado com algum indício criminal, teriam enviado parte do processo (ou certidão) para a jurisdição criminal, onde, no próprio Ministério Público, junto dos Tribunais comuns, se desencadeasse o processo da respectiva responsabilidade criminal. Aí sim, as sanções são normalmente de prisão. As duas responsabilidades coexistem; uma exclui outra.    

                        Não se pense que – talvez seja isso a confusão que paira na cabeça dos que consideram que o T.C. não pode julgar – nesse julgamento as pessoas visadas (DEMANDADOS) podem ir presas. Não! Apurada a sua responsabilidade financeira, eles poderão ser condenados a repor os fundos em causa ou poderão pagar uma multa, por violação de tais normas financeiras, mesmos que não os tenha “comido”. E as decisões ali proferidas (acórdãos, ou sentenças se for um só juiz a julgar), têm força executiva. Força executiva significa que o documento está em condições de poder conduzir à instauração de um processo mais célere e simples que pode culminar com penhora dos bens dos demandados para pagar o que o Tribunal de Contas decidiu, junto dos Tribunais comuns, tanto a reposição dos fundos, como a multa, claro está se os mesmos não pagarem no prazo que, eventualmente, o T.C. vier a fixar no final do Julgamento.

                        As sessões de julgamentos terão o seu inicio no dia 8 deste mês de Dezembro. Oxalá tudo corra bem! Que os Juízes sejam imparciais, objectivos e isentos; que o M.P. cumpra a legalidade e seja também objectivo e não esteja com obsessão de acusar. Aliás, o seu papel é o de, assim como no processo-crime, até retirar a acusação, abster de acusar e finalmente pedir absolvição dos “DEMANDADOS”, no julgamento, se concluir que não há matéria para os condenar. A Defesa fará o seu papel que é já conhecido, ou seja, defender cegamente o seu constituinte, com  toda a legitimidade, tendo sempre em conta que, na justiça, há o dever de colaboração dos próprios visados, sendo esta circunstância um elemento de atenuação da sanção, porque, quem confessa ou confirma a acusação é bem vinda na justiça. Tudo isso, para que a decisão final seja a mais justa possível, no interesse de todos.

                        Este artigo foi escrito no dia seguinte ao da inauguração. Só agora é publicado devido, sobretudo, a “situação que EMAE procura evitar“, como se  diz aqui na terra (falta de energia eléctrica).

                                                                       HILÁRIO GARRIDO

                                                                         Dezembro/2009

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