Análise

“Corporate Governance e Desenvolvimento local”

A «Corporate Governance» tem sido objecto de um forte interesse público devido à sua aparente importância para a saúde económica das empresas, da sociedade em geral bem como do desenvolvimento local. A terminologia anglo-saxónica «corporate governance», cuja tradução adoptada pela CMVM (1999) é «governo da sociedade», será aquela que passarei a usar ao longo desta reflexão. Uma reflexão que não pretende focar-se nos mercados de capitais mas sim na conduta dos agentes.

Por: Andersone da Silva

“CORPORATE GOVERNANCE E DESENVOLVIMENTO LOCAL”

O governo da sociedade tem a sua génese na discussão da relação entre a propriedade e o controlo das empresas. Desta forma, procura-se identificar mecanismos para resolver  conflitos de interesse, denominado problema de agenciamento, resultante do benefício ilícito que o agente (contratado) busca para si, quando lhe é delegado determinado poder, para em função deste, produzir benefícios para o principal (quem contrata).

Introdução

A «Corporate Governance» tem sido objecto de um forte interesse público devido à sua aparente importância para a saúde económica das empresas, da sociedade em geral bem como do desenvolvimento local. A terminologia anglo-saxónica «corporate governance», cuja tradução adoptada pela CMVM (1999) é «governo da sociedade», será aquela que passarei a usar ao longo desta reflexão. Uma reflexão que não pretende focar-se nos mercados de capitais mas sim na conduta dos agentes.

O Governo da Sociedade é um conceito que abraça um vasto número de fenómenos económicos distintos; não existe uma definição exacta para o conceito, como facilmente se percebe nas definições a seguir: a) Para J. Wolfensohn o governo da sociedade tem a ver com a promoção da justiça, da transparência e da responsabilidade das empresas. b) Para Manuel Monteiro é o conjunto de mecanismos através dos quais se materializa a gestão e o controlo das sociedades de capital aberto, onde se incluem instrumentos que permitem avaliar e responsabilizar os administradores da sociedade pela sua gestão e performance. c) Para Gabrielle O’Donovan é um conjunto de processos, costumes, políticas, leis, regulamentos e instituições que regulam a maneira como uma empresa é dirigida, administrada ou controlada. O autor acrescenta que o termo inclui também o estudo sobre as relações entre os diversos actores envolvidos (stakeholders) e os objectivos pelos quais a empresa se orienta.

Não havendo espaço abordar sobre as tipologias, avanço para os vários princípios do governo da sociedade: Interesses dos stakeholders (i.e. obrigações da empresa com os Stakeholders); Papel e responsabilidade do Conselho de Administração (dimensão do CA, nível de responsabilidade social, composição do CA –  Executivos e não executivos); Integridade e comportamento ético (Código de conduta para os membros do CA). É sobre este último que se pretende reflectir e chamar atenção para efeitos decorrentes de tal postura.

Da importância do conceito destaca-se, dentre outros aspectos, o facto de ser uma ferramenta para o desenvolvimento socio-económico; ser o garante o desenvolvimento sustentável; garantir a saúde das empresas e da sociedade; garantir a transparência nas práticas da governação; facilitar informação sobre a gestão e prestação de contas; atracção de investimentos, etc.

Contudo, a importância decorrente do conceito, depara-se com alguns obstáculos como a seguir se indica: Qualidade da informação financeira (Demonstrações financeiras Vs Auditores); Necessidade informativa (recolha de informação Vs custo do seu processamento – sobretudo para pequenos accionistas); Custo de monitoria (accionistas Vs nomeação de administradores – CA).

A génese do mal

O chamado governo da sociedade deve a sua génese à discussão da relação entre a propriedade e o controlo das empresas.

(Adolf A. Berle e Gardiner C. Means, 1930) apud (Monteiro, SD) enfatiza os aspectos relacionais da propriedade e do controlo, num cenário de transformação das pequenas empresas privadas e familiares, cuja propriedade era tida como individual, em grandes organizações, do tipo sociedade anónima, cuja propriedade é plural, dispersa e total ou parcialmente desligada do controlo. A separação entre a propriedade e o controlo das sociedades anónimas, documentada por Berle e Means, constitui-se na essência fundamental dos problemas a que o fenómeno organizacional, divulgado sob a designação de governo da sociedade, procura responder.

Segundo o autor tal separação – entre a propriedade e o controlo – é potenciadora de situações nas quais os interesses dos proprietários e dos executivos podem divergir, originando lesão grave dos interesses das empresas ou dos accionistas, e neste contexto, desperta-se para a acção dos administradores, sendo fundamental definir correctamente os seus limites, os seus papéis e as suas responsabilidades.

“A título de exemplo, a crise mais conhecida, ocorreu entre 2000 e 2002, caracterizada por uma queda abrupta do preço das acções, de que a “Enron” foi o caso mais sintomático, bem como da Worldcom em 2002. A “Enron” era a sétima maior empresa dos Estados Unidos e uma das maiores empresas de energia do mundo, a crise em que se mergulhou deveu-se a falta de confiança, ao Papel dos administradores e auditoria e a consultoria” (Carvalho 2004).

“Dos directores destas companhias [sociedade da capital solidário na tradução, “joint stock company”, no original], (…) sendo administradores, mais do dinheiro de terceiros do que do seu próprio dinheiro, não se pode esperar que cuidem dele com a mesma vigilância aturada com que frequentemente os membros de uma sociedade privada cuidam do seu. (…) Deste modo, a negligência e o esbanjamento têm sempre, mais ou menos, que prevalecer na administração dos negócios de uma companhia deste tipo.” (Adam Smith, 1775).

Transportando o conceito subjacente para a nossa realidade, ao nível das empresas públicas, podemos questionar a conduta dos seus agentes, ao fim de sabermos até que ponto cuidam do negócio do outro como se fosse seu próprio negócio.

O conjunto de mecanismos tendentes a harmonizar a relação entre gestores e accionistas decorre da resolução do problema de agência.

A teoria da agência resulta da aplicação de teorias económicas no âmbito dos estudos organizacionais, referindo-se ao relacionamento existente entre a agência, ou contrato, no qual uma ou mais pessoas (o principal) contrata uma outra pessoa (o agente) para executar algum serviço que envolva a delegação de tomada de decisão e autoridade para o agente. O problema reside na circunstância de, por vezes, os agentes decidirem de modo favorável aos seus próprios interesses, mas contrário aos interesses dos principais, originando os chamados custos de agência, como exemplo: diversificação excessiva, resistência a fusão vantajosa para accionistas, fixação de gastos pessoais excessivos (salários, benefícios corporativos, etc), roubo dos lucros, vendas de activos a baixo do preço de mercado, designação de membros da família desqualificados para posição de gerência, etc.

O Conselho de Administração é um dos principais mecanismos de alinhamento de interesses entre accionistas e gestores quando se fala do Governo das Sociedades. Mas não devemos por de parte aqueles à aquém é delegada determinadas competências.

A título de exemplo, se pago um milhão mensalmente ao guarda florestal, e num dado momento aparece alguém que lhe oferece cinco milhões para conseguir o que pretende, qual será a atitude do guarda? O mesmo acontece por exemplo com um fiscalizador de grandes obras públicas, às pessoas que por exemplo emitem passaportes, etc*.

Nestas circunstâncias o que significa a integridade e princípios éticos para o agente, numa sociedade que busca uma felicidade não inteligente? (para mais pormenor sobre felicidade não inteligente, consultar artigo São Tomé e Príncipe: é possível estar assente numa felicidade inteligente?). Partindo do princípio de que o agente não agirá em benefício do “principal”, questiona-se, sobre o momento a partir do qual, teremos nas nossas organizações, atitudes que vão de encontro aos interesses do “principal”, contribuindo para garantir a transparência nas práticas da “governação”, prestação de contas, atracção de investimentos, desenvolvimento sustentável, etc.

Além do Conselho de Administração, mecanismos internos como: o sistema de remuneração de gestores e a posse de acções por parte dos executivos, e, mecanismos externos como: a obrigatoriedade da divulgação de informações periódicas sobre a companhia e a existência de um mercado de trabalho competitivo, constituem elementos importantes para a redução dos custos de agência resultantes de tomadas de decisão não maximizadoras da riqueza dos accionistas/principal por parte dos executivos. (Silveira et al. (2003).

Conclusão

Falar em governo das sociedades significa discutir e identificar os mecanismos que minimizem assimetria de informação existente entre as sociedades e os diversos agentes envolvidos. A maior transparência proposta pelo governo das sociedades tenderá a induzir a redução do custo de capital, uma vez que os credores têm maior credibilidade nos dados da empresa e os accionistas estarão dispostos a investir, se acreditarem que o grupo controlador ou gestor não poderá manipular as informações em proveito próprio.

Estudos realizados indicam que uma significativa maioria dos investidores estão dispostos a pagar um prémio (ou seja, aceitar pagar um preço mais elevado e exigir um menor retorno) pela boa governação das empresas.

Resulta, assim, que o conceito está intimamente vinculado à estrutura de propriedade, às características do sistema financeiro, à profundidade e grau de desenvolvimento do mercado de capitais e ao contexto legal e regulamentar de cada economia, bem como, às condutas dos agentes.

Em forma de conclusão, o Governo das Sociedades vem desta forma estabelecer mecanismos que, não só permite uma mensuração exacta de desempenho, como induz a que comportamentos desviantes sejam efectivamente penalizados, ao passo que comportamentos conformes com esse desiderato sejam efectivamente premiados.

Por fim, importa acrescer que pretende-se com as teorias subjacentes ao conceito, convidar a uma reflexão sobre o comportamento/conduta dos nossos agentes, i.e. dos directores, dos Conselhos de Administração, dos Ministros, que quando lhes é delegada certa competência, acabam por agir, certas vezes, em seu próprio benefício e não no benefício daquele que representa.

A reflexão não se esgota na conduta, se não, nas medidas, na identificação de soluções que possam minimizar os custos de agenciamento.

Na verdade o que leva alguém, que ganha bem e tem tantas regalias, a não agir de forma íntegra?

Como motivar a um funcionário que ganha mal, para evitar que não use a posição que ocupa para tirar proveitos próprios de forma ilícita?

* NOTA: Estes são meramente exemplos, apenas para ajudar na compreensão do conceito.

Referência bibliográfica

J. Wolfensohn, presidente do Banco Mundial, citado num artigo do Financial Times [21 de Junho, 1999].Financial Times, 21 de Junho, 1999

Manuel Monteiro, Ex-Presidente da Euronext Lisbon, ex-Presidente da Direcção do Instituto Português de Corporate Governance

Gabrielle O’Donovan, The Corporate Culture Handbook: How to Plan, Implement, and Measure a Successful Culture Change, 2007

Adolf A. Berle e Gardiner C. Means, 1930. The Modern Corporation and Private Property

CARVALHO, William Eustaquio de. Caso Enron: breve análise da empresa em crise. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 526, 15 dez. 2004. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/6045>. Acesso em: 22 ago. 2011.

3 Comments

3 Comments

  1. E.Santos

    20 de Outubro de 2011 at 14:51

    “A reflexão não se esgota na conduta, se não, nas medidas, na identificação de soluções que possam minimizar os custos de agenciamento.”

    Relativamente a este tema, é preciso referir que em 2002 foi assinado pelo presidente G.W.Bush a Lei Sarbanes-Oxley visando a melhoria da Governança Corporativa através de melhores medidas de controlo interno. Outras questões como, a integridade, os valores éticos, uma estrutura organizacional bem definida, a descrição e conhecimento das responsabilidades quer dos gestores quer dos funcionários em geral, o compromisso de todos com o fazer melhor e atingir a excelência são também realçados.

    A problemática da remuneração dos gestores nunca será bem resolvida se não aliada a um eficaz sistema de controle inteno.

    Julgo que o que nos falta, logo a partida, são os mecanismos de controle e rigor na sua execução.

  2. Grenger Causality

    20 de Outubro de 2011 at 17:18

    Primeiramente, gostaria de saudar o autor pelo excelente trabalho.

    Este, e um exclente artigo para os dicisores do pais, reflectirem sobre o impacto do tal chamado “Good Corprate Governance” no desenvolvimeto economico e financiero do pais.

    Sir Adrian Cadbury, definiu “Corporate Governance” como um sistema segundo a qual as empresas sao direcionadas e controladas,(Cadbury 1992,p.15). De accord com o Center for International Private Enterprise,o “Corparate Governance” e visto como um meio eficaz de construir uma economia competitiva, reduzir a corrupcao,atrair investimento, e crair emprego e a riqueza (CIPE,2009). Portanto,o “Corporate Governance” e visto como um componente chave para solucionar o problema da pobreza de uma maneira sustentavel.

    Actualmente, o termo Corparte Governance tornou-se como um indicador chave macroeconomico e financeiro.Pois,a boa governacao no seio das intituicoes quer privadas ou publicas, estimula crescimento economico, atrai o investimento directo externo(FDI)e gera emprego.Os investidores antes de tomar a decisao sobre um investimento, tem tendencia de avaliar o nivel do “Corparate Governace” dentro das
    empresas onde eles pretendem investir.Tambem existe uma associacao entre o nivel do “Corporate Governace” e a taxa de inflcao e a taxa de cambio.

    Um abraco!

    • Adelino Gina da Silva

      21 de Outubro de 2011 at 12:29

      O tema foi bem orientado e escrito num momento em que o que nos assola é a problemática da crise financeira e a constante e generalizada manifestãção ao torno do greed do sector financeiro.
      Certo que, o que deveria ser incluido no tema e reflectido sobre é o factor compensação, reconhecimento pelo esforços dos subordinados directa e/ou indirectmente nas empresas como forma de tornar o corporate finance mais adequado para o estilo de executivo desse século.
      O coporate finance pode tornar um elemento para neutralizar claims e greed nas empresas e no sector financeiro se de facto constituir uma alavanca exemplar a ser seguida por outros. O que quer dizer os executivos devem utilizar os modelos de gestão de negocio da corporate finance para incentivar, capacitar os seus staff e dar – lhes maiores oportunidades e melhores opções a condições laborais e pessoais.
      O corporate finance sempre serviu de exemplo para disciplinar as finanças das empresas e sempre e espero que sempre encontrará modelos para tornar – lo cada vez mais sofisticados a beneficio das empresas, sector financeiro e a sociedade.
      Um abraço.

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