Eleições presidenciais

Reescrever a história

Duas voltas após, um novo presidente da república irá, em breve, ser empossado. Trata-se,  nem mais nem menos, de Manuel Pinto da Costa. Por isso, diga-se o que se disser, a primeira ideia que me ocorre neste momento é a de o felicitar, pela sua tenacidade. Enfrentou com estoicismo tudo o que teve de suportar ao longo dos anos e só por isso já seria um justo merecedor desta vitória.

Esta vitória de Pinto da Costa é para o próprio, sobretudo, uma oportunidade legítima para reescrever a história. Dir-me-ão que há coisas no nosso passado que não podem se apagadas. A verdade, contudo, é que se personificou o regime monopartidário na figura de Pinto da Costa como seria de esperar, mas branqueando-se por completo a ação de outros protagonistas do “antigo regime” que foram exageradamente alcandorados ao papel de paladinos da mudança democrática e se instalaram, em situações bastante controversas, no exercício de cargos públicos relevantes. Ora, se foi permitido aos outros a reconciliação com a história adaptando-se aos “novos tempos” não pareceria nada correto que a mesma oportunidade não fosse proporcionada ao Dr. Manuel Pinto da Costa.

É importante que se reconheça que se foi adequada a chamada de novas figuras que inspirassem um novo compromisso com o país para a concretização do processo de mudança do regime, por uma questão de honestidade, tem de se reconhecer também que o ambiente de mudança política foi empreendido por Pinto da Costa, impulsionado, como ficou mais ou menos claro, por um certo setor do MLSTP. Estamos aqui a relembrar, por exemplo, a grande conferência de 1989 aberta à sociedade civil na qual proeminentes e insuspeitas figuras do MLSTP insistiam, contra a corrente, na conservação do monopartidarismo de contornos pluralistas (quem sabe o que é isso?); a reunião que se lhe seguiu com a juventude partidária e não partidária (como eu e tantos outros de que ainda me recordo bem) e durante a qual uma acusação dirigida a um dos dirigentes do partido teria provocado a fúria deste e a ameaça de um procedimento judicial, tendo Pinto da Costa sossegado prontamente os presentes deixando claro que todos se poderiam exprimir livremente sem quaisquer receios de medidas retaliatórias.

Pode-se admitir como sendo aceitável a argumentação sobre o papel pressionante exercido pela sociedade civil o qual terá empurrado o regime para este passo em frente até a iniciativa da revisão constitucional que configuraria uma sociedade multipartidária, mas temos de reconhecer com toda a humildade que o regime não caiu na rua apesar de ter sido precipitado, em certos momentos, pelo curso dos acontecimentos.

Confesso, por conseguinte, que não vejo qualquer possibilidade da futura linha de conduta de Pinto da Costa como Presidente da República se revelar susceptível de sugerir as reservas que continuam a ser manifestadas, conscientemente ou apenas por mera estratégia de combate política ou de pura obsessão de alguns, sendo por isso e no presente, de todo, despropositadas.

A segunda virtude deste empossamento é, como se espera, o resgate da dignidade de estado e o reconhecimento social que a instituição Presidente da República, mais do que qualquer outra, exige e que o último dignatário fez questão nos últimos dez anos de ignorar.

Não dispondo o Presidente da República dos instrumentos para intervir diretamente na gestão corrente das políticas públicas o que se espera é sobretudo a sua capacidade para moderar, aconselhar e apaziguar sem a tentação de cair no populismo fácil. Espera-se do Presidente uma magistratura serena e conciliadora que permita representar com elevação os cidadãos santomenses e ajude a concitar esforços nacionais e internacionais visando enfrentar os muitos problemas do país, em especial, as assimetrias sociais cada vez mais acentuadas. É isso que julgamos estar ao alcance de Pinto d Costa.

Não posso deixar de revelar que perspetivo com muita convicção que o Presidente Pinto da Costa, por tudo o que conhece do país e dos modelos vividos na nossa experiência democrática, venha a realizar um mandato suficientemente interessante para que possa ser lembrado essencialmente pelo seu novo legado, corrigindo grande parte dos erros cometidos pelos seus antecessores começando deste logo por evitar que o país se encarreire pela via dos ciclos sucessivos e injustificados de instabilidade governativa que caracterizaram as práticas anteriores e que se revelaram irresponsáveis, porque centrados nos interesses exclusivos dos protagonistas e das suas contabilidades politicas evidenciaram-se contrários e maléficos aos interesses do país.

João Bonfim

16 Comments

16 Comments

  1. democracia

    29 de Agosto de 2011 at 8:14

    Muito bem dito :”branqueando-se por completo a ação de outros protagonistas do “antigo regime” que foram exageradamente alcandorados ao papel de paladinos da mudança democrática”.!
    Daniel Daio,Miguel Trovoada,Lionel Alva,Fradique,etc ..todos foram membros importantes e ativos do regime monopartidário durante as piores horas da ditadura, antes de tornar-se vitimas do mesmo.Introduçao da pena de morte,presos politicos,ditadura, “golpes de Estado” imaginarios,… : eles apoiaram tudo!( excepto o Dr Graça , unico membro fundador do MLSTP a tomar na epoca, e publicamente, posiçoes divergentes à ditadura).
    Agora, o que precisamos é reconciliação!

  2. Jovem Santola

    29 de Agosto de 2011 at 9:38

    ….é engraçado, eu sou de 87, ñ vivi muito esses momentos cruciais da nossa história política aki mencionados, mas é exactamente tudo isso que eu penso da pessoa e da figura MPDC…concordo com todo o artigo…..

    • Eu também

      29 de Agosto de 2011 at 18:10

      ”Não dispondo o Presidente da República dos instrumentos para intervir diretamente na gestão corrente das políticas públicas o que se espera é sobretudo a sua capacidade para moderar, aconselhar e apaziguar sem a tentação de cair no populismo fácil. Espera-se do Presidente uma magistratura serena e conciliadora que permita representar com elevação os cidadãos santomenses e ajude a concitar esforços nacionais e internacionais visando enfrentar os muitos problemas do país, em especial, as assimetrias sociais cada vez mais acentuadas. É isso que julgamos estar ao alcance de Pinto d Costa.”

  3. Anca

    29 de Agosto de 2011 at 10:31

    Muito bem

    Mas, é altura não diria, de reescrever a história, mas sim de reinventar novo caminho, e escrever uma nova pagina, sobre terra firme, reinventar a história.Pois as circunstâncias nacionais e internacionais são outras, o mundo mudou, e a pessoa, o cidadão,a sociedade, o país que não consegue se adaptar e acompanhar a nova conjuntura perderá o comboio, ficará para trás.

    Pois tal qual a pessoa, o cidadão, que não muda das suas atitudes, não se adapta por e pela pratica do bem, um dia terá que mudar,por e pela necessidade da pratica desse mesmo bem, tanto para si como para o seus próximos,concidadãos.
    Assim sendo a sociedade, o povo,o país os,(governantes)que não mudam de atitudes e comportamentos que não muda de rumo e forma de governação, perante às circunstancias, difíceis de miséria e pobreza, corrupção,injustiça,falta de segurança, em que o país se encontra mergulhado, para fazer e praticar o bem, um dia terão que mudar de atitudes e comportamentos por causa da necessidade dessa pratica do bem social- cultura cívica, bem estar e respeito social, pelo bem do território,população e pelo bem do seu próprio poder – cidadania = soberania = democracia=estado, pela sua própria permanência, existência e sobrevivência enquanto país nação.

    Bem haja

    Pratiquemos o bem

    Pois o bem

    Fica-nos bem Santomenses

    Deus abençoe São Tomé e Príncipe

  4. JOSE TORRES

    29 de Agosto de 2011 at 10:56

    O TEMPO e a chave da verdade. Hao-de saber muito mais coisas. Deixa o tempo correr.
    Coragem e o meu incentivo e desejo ao DR MANUEL PINTO DA COSTA

  5. Zidane

    29 de Agosto de 2011 at 13:22

    Excelente artigo.Por isso gostaria de felicitar o seu autor. Como o prorio Presidente Pinto da Costa diz,”não se deve contar a história com uma borracha na mão”. Infelizmente é o que algumas pessoas andaram a fazer nesses ultimos 20 anos.

  6. Francisco Ambrósio

    29 de Agosto de 2011 at 13:36

    Ante de mais, saúdo o meu primo pela exposição. Quero dizer-lhe que a má interpretação e a consequente má aplicação da palavra” DEMOCRACIA” pelos políticos do País, gerou este tipo de episódio que todos nós assistimos. A falta de lealdade por parte destes, o uso de demagogia como à arma de afirmação, motivo o despertar dos adormecidos que não quizeram saber de mais nada, se não, o alcance da razão.Tenho dúvida que este estado de coisa venha a inverter.Viva STP

  7. Mê Paciência

    29 de Agosto de 2011 at 14:25

    as pessoas que tinham 18 anos após a indepência conhecem bem os srs. Miguel Trovoada, leonel d´Alva, Fradique de Menezes, Evaristo de Carvalho, Amado Vaz e outros, hoje dizem culpado é apenas Pinto da Costa que desavergonhados.

    • democracia

      29 de Agosto de 2011 at 21:52

      Verdade. O Miguel Trovoada era primeiro ministro quando foram presas, por razoes politicas, tantas pessoas;Ele fez muitas coisas baixas. Só virou oponente quando perdeu a confiança do MPC e que veio a vez dele de tambem ficar preso.

    • luis dondoia

      2 de Setembro de 2011 at 4:21

      Caro compatriota.
      Em politica o rosto de qualquer governo ou partido é o seu dirigente maximo .Quando os seus escolhidos falham ou cometem erros cabe-lhe endireitar ou demitir-se .Sei que é duro mas assim para haver responsabilidade direcionada, isto é, alguém a quem pedir contas .

  8. BOLINGOO

    30 de Agosto de 2011 at 8:24

    ja lutamos pela vitoria,agora é a hora da verdade, vamos lutar pelo povo Pai grande.

  9. Paparazi

    30 de Agosto de 2011 at 8:52

    E verdade me paciência cultivaram o ódio a raiva a intolerância com conversas fiadas dos outros pois agora e o momento para poderem sossegar essas magoas afinal o homem não era tão diabo como lhe pintaram

  10. Lucileide Lima ( GIBELA)

    30 de Agosto de 2011 at 15:33

    Grande Artigo do ex Mister de Andorinha Futebol Club. Só pecou pelo atraso. Dito agora pode cheirar algum oporunismo e procura pela oportunidade de regresso. Mas quem conhece o Mister sabe que não é nada disso.Justiça tarda mas não falha. Viva MPC para que viva a Democracia e reconciliação em São Tomé e Príncipe

  11. Digno de Respeito

    31 de Agosto de 2011 at 2:39

    Apenas questiono porque tanta corrida ao aparente oportunismo?!! Não me admira nada que brevemente virão quase todos e de vários quadrantes (que dantes se silenciaram no tempo) surgirão como a rebento da árvore frondosa…..

    Não sei porquê isto cheira-me uma miragem a lupa por um “cantinho no Céu da panela de barro” porque é ai onde se faz a boa comida…..

  12. luis dondoia

    31 de Agosto de 2011 at 6:44

    Não haja duvida que a mestria com que o artigo está escrito faz de todos aqueles que lutaram pela transformação democratica do País um bando de malfeitores branqueados pela história .
    Não meu caro conterraneo.
    muita gente trabalhou no interior e no exterior para que tudo acontecesse a somar a conjuntura internacional(vidé Peretroica).Oregime já não tinha saída .
    Pessoalmente um adolescente vi e sofri(lembra-se da Comuna)coisa de adolescentes que foram repremidas pelo regime .O eleito PR só agora ganhou alguma legitimidade sufragada nas urnas por todos quantos cidadãos o qiuseram fazer.Ele agora é vitma de algo que nunca quis ou pensou . GANHOU com legitimidade.
    Pergunto quantos pais do MUNDO teriam tolerado situação como a nossa ?
    Chegou a altura de o Sr MPC devolvernos a nossa dignidade de cidadãos de STP .
    Já prevejo as moscas rodopiarem-no.
    Não votei no Sr MPC por uma questão estrutural.Aguardo o discurso de tomada de posse para prever como será a sua Magistratura .
    Lutei na CÓDÓ para termos a segunda Republica.Hoje não me revejo neste Partido que deveria ser extinto mal atingiu-se o objectivo (Tal como o MLSTP)que fomos nós todos numa altura qualquer do nosso passado .
    Apenas penso não terá chegado a hora de completarmos a mudança colocando os dinossauros no seu pré histórico lugar?
    As minhas reflexões foram várias vezes discutidas com o próprio PR eleito .
    Talvez ele ainda se lembre .
    Sou democrata mas neste capitulo , como disse anteriormente sou estruturalmente contra o MLSTP ressabiado e PR que ainda é uma grande incognita.
    Não é em vão que nos nossos manuais de História contemporanea não se fale disso.
    Os mentores das diversas revisões constituicionais foram preparando terreno para tudo.
    Deus me perdoe se estou errado.
    Sr MPC que tb o faça mas quero vê-lo .

  13. luis dondoia

    2 de Setembro de 2011 at 4:13

    Desde já agradeço todos aqueles que dignaram avaliar o artigo que escrevi, é sinal que o leram com atenção tiraram as suas conclusões .
    Obrigado .

    VIVA A DEMOCRACIA

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