Análise

Código de Processo Administrativo e Código de Procedimento Administrativo

Os principais ramos de Direito, os que regulam as situações jurídicas que têm a ver mais directamente com a vida das pessoas, sobretudo nas relações entre elas, carecem de outra regulação que é a forma, o meio, o mecanismo através do qual, havendo conflitos entre as pessoas, se resolve esse conflito nos tribunais.
CÓDIGO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO E
CODIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO

Os principais ramos de Direito, os que regulam as situações jurídicas que têm a ver mais directamente com a vida das pessoas, sobretudo nas relações entre elas, carecem de outra regulação que é a forma, o meio, o mecanismo através do qual, havendo conflitos entre as pessoas, se resolve esse conflito nos tribunais.

Diz-se que a regulação de relações jurídicas das pessoas ou das suas vidas, tais como família, obrigações, ou melhor, todos os ramos de direito que estão contidos no Código Civil, por exemplo, são direitos substantivos; e a regulação da forma como se chega a resolver os conflitos nos tribunais, diz-se direito adjectivo ou instrumental, ou melhor ainda, direito processual. É o processo que um litígio deve seguir até a sua composição ou resolução.

Temos por exemplo, o Direito Constitucional (direito substantivo) que tem como instrumento da sua concretização nos tribunais  em caso de conflito, o Direito Processual Constitucional (direito adjectivo). Todos os ramos de direitos contidos no Código Civil (os 5 livros) são regidos, em caso de conflito, pelo Direito Processual Civil que é uma  espécie de mãe de todos os direitos processuais, porque em tudo o que não houver nos noutros processos, recorre-se ao Código de Processo Civil para colmatar lacunas, e utilizar como onde se pode aferir princípios gerais, etc.

Falando do tema em apreço, temos o Direito Administrativo que tem como instrumento o Direito Processual Administrativo cujas normas estão condensadas no CODIGO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO (ainda não temos, em bom rigor, pelo menos o nosso; o que existe é o chamado RAU (Regulamento Administrativo de Ultramar) que é uma lei colonial que ainda se aplica em STP por nunca se ter legislado sobre essa matéria.

Portanto, CODIGO DE PROCESSO ADMINISRATIVO é o meio através do qual se resolvem os litígios gerados nas relações que a Administração Pública estabelece com os particulares (cidadãos nacionais ou estrangeiros e empresas privadas e até mesmo públicas); é, portanto, o conjunto de regras que regulam esse processo; usa-se mais o conceito “particulares” para exprimir a ideia de que tais relações se estabelecem entre o Estado/Administração e as pessoas (singulares ou colectivas).

Como é comum, inclusive para os leigos, o Estado-Administração, é o Estado na sua veste de entidade que tem obrigação de satisfazer as necessidades das pessoas, ou seja, executar as funções que o Estado no sentido global político tem como programa constitucional, essencialmente, bem-estar e segurança.

Neste sentido, temos que é o Estado que cria condições para que haja saúde, habitação, educação, segurança etc., etc., e, neste emaranhado de atribuições, ele pratica vários actos relacionados com a vida das pessoas. São os ministérios e as suas direcções que decidem sobre a situação das pessoas, por exemplo, dando e retirando terreno que concede a título provisório etc.; são as expropriações das propriedades das pessoas que o Estado pode fazer; é o Estado a querer invadir terreno de  particular sem seu consentimento para fazer o que quer que seja, entenda-se no interesse público; é a direcção de urbanismo que pode impedir construções, aprovar ou não, e até demolir construções já erguidas por suposta ilegalidade.

É neste relacionamento intenso, natural e permanente entre a Administração Pública e os particulares que podem surgir conflitos. Conflitos que podem resultar de violações de direitos dos particulares por parte da  Administração Pública se ela não proceder dentro da conformidade legal e até constitucional que estipulam a sua atribuição e competência, podendo cair numa situação de abuso e usurpação de poder que consubstanciam uma ilegalidade, inclusive com grave violação dos direitos fundamentais das pessoas, sendo certo que a Administração Pública tem poderes para fazer e desfazer, mas dentro dos parâmetros legais.

Assim, como todo e qualquer órgão do Estado, mesmo os de soberania (Presidente da República, Assembleia Nacional, Governo e Tribunais) a Administração Pública, superiormente dirigido pelo Governo como seu órgão máximo, só pode exercer os poderes que a Constituição e as leis permitem.

Não há poderes sem que haja competência constitucional ou legal que lhes dê cobertura. Aliás, o parâmetro orientador de toda a actuação da Administração Pública é o que está estipulado no artigo 135.º da Constituição da República que diz: “A Administração Pública visa a prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos e pelas instituições constitucionais”. Neste âmbito, os direitos fundamentais das pessoas são ai  chamados e bem protegidos.

Se um cidadão/particular verificar que a Administração Pública nas suas decisões violou a Constituição e as leis, prejudicando os seus direitos e interesses legitimamente protegidos, pode leva-la ao tribunal, neste caso, Tribunal Administrativo (que ainda não temos autonomamente, pois as suas funções são exercidas pelo Supremo Tribunal de Justiça).

E na resolução desse conflito entre o particular e a Administração, se o Tribunal Administrativo der razão a aquele (o cidadão), anula a sua decisão, mantendo a situação tal como estava antes, pois o Tribunal embora possa anular a decisão da Administração, não pode substitui-la, dizendo o que deve ou não ser feito. Eis porque se diz que o contencioso administrativo é um contencioso de simples anulação.

Já vimos que o Processo Administrativo é o instrumento através do qual se conduz o conflito entre o particular e a administração ao tribunal para ser resolvido.

Diferentemente, o CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO, é um conjunto de regras que regulam a forma como a administração pública pratica os seus actos. Ou seja, é um conjunto de regras internas que regulam a forma como é formulada a vontade da administração quando pratica qualquer dos seus actos. São regras internas enquanto que as regras do processo administrativo são regras externas que vinculam tanto a administração, em como responde perante o tribunal, como o particular que tem que cumprir determinadas formalidades para que possa ver o seu problema resolvido.

O preâmbulo do Código de Procedimento Administrativo de Portugal de onde terá inspirado o nosso, reforça a ideia de que essas regras são internas da Administração quando diz que “Trata-se no fundo, de regular juridicamente o modo de proceder da Administração Pública perante os particulares daí a designação de Código de Procedimento Administrativo”.
E, resumindo o que esse preâmbulo diz sobre os objectivos que esse Código visa alcançar, destaco:
– Disciplina da organização e funcionamento da Administração;
– Regular a formação da vontade para que as decisões sejam justas, legais, úteis e oportunas;
– Assegurar a informação dos interessados e a sua participação na formação das decisões que lhes digam directamente respeito:
– Salvaguardar a transparência da acção administrativa e o respeito pelos direitos e interesses legítimos dos cidadãos; e
– Evitar a burocratização e aproximar os serviços públicos das populações.
Referi-me acima que não temos um nosso Código de Processo Administrativo, pelo que socorremos de legislações já acima referida que é a RAU.

Se temos ou não um CÓDIGO DE PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO, isso é outra controvérsia que vamos ver a seguir:
Desde logo temos. Só que temo-lo sem expressão, sem publicidade devida no sentido em que os funcionários públicos o tenham em mãos suficientemente, ou seja, é de acesso quase difícil. Para não devagar mais não tem tido aplicabilidade na nossa Administração, não só por isso, mas também porque a sua génese é caricata ou um pouco ajurídica.
Como é nossa prática, “adaptamos” as legislações estrangeiras ao nosso país de forma pouco ortodoxa e enfim….

Com certeza que fizemo-lo com o CPA português, eventualmente, com algumas adaptações.
Só que, a ajuridicidade que ressalta à vista com a nossa má cópia neste caso, é o facto de o CPA português ter sido adoptado por via de uma autorização legislativa da Assembleia da República e o nosso, não sei por que “carga d’água”, o Código de Procedimento Administrativo de S.Tomé e Príncipe foi tão simplesmente aprovado pelo Governo e promulgado (incrivelmente, sem que ao menos se suscitasse a fiscalização preventiva da sua constitucionalidade).

Resultado disso tudo: para além de não ter aplicabilidade por falta de publicidade e acessibilidade e disponibilidade aos funcionário públicos, o nosso CPA peca por inconstitucionalidade, por sido aprovado pelo Governo que não tem competência legislativa para tal. É a Assembleia que tem competência para legislar sobre essa matéria. E isso complicou ainda mais a sua aplicação, pois até os cidadãos comuns sabem que esse CPA não tem dignidade de existir. Existe  e está em vigor. Mas é mesmo que nada, pelo que quem de direito devia tratar de regularizar esta questão.

E porquê que se apressou fazer Código de Procedimento Administrativo e não se preocupou com o Código de Processo Administrativo. Penso que queríamos ser mais avançados do que outros países. Portugal só em 1991 com o Decreto Lei 442/91, de 15 de Novembro é que introduziu esta legislação. Alemanha, um país laboratório de Ciência Política onde Portugal faz também o seu quase copy-past, citado naquele preambulo, só em 1976 é que adoptou um Código de Procedimento Administrativo. Que pressa foi a nossa!

Em bom rigor e pela lógica jurídica, é prioritário cuidar do Código de Processo Administrativo só depois é que se deve ocupar do Código de Procedimento Administrativo, porque o processo é o meio de resolver conflitos de direito entre as pessoas.

Como diz ainda o preambulo do CPA de Portugal as suas regras por serem de vocação interna, até foi qualificado de Código de Processo Gracioso. Isso porque quando a Administração Pública pratica um acto sem obedecer as formalidades do Código de Procedimento Administrativo, qualquer pessoa o que faz, normalmente, é recorrer para o superior hierárquico daquele que praticou o acto recorrido.

Hilário Garrido

(Artigo partilhado com os leitores on line, após publicação original no Jornal Kêkua)

6 Comments

6 Comments

  1. caboverdiano

    20 de Janeiro de 2012 at 21:59

    senhor garido tu es um juz ca pra mim de meia tigela este de vir ka izibindo k ta no gabinete com livros de codigo das leis meu irmao todo tambem podem fazer as tuas decisoes sao meramente lamentaveis, se no caso o senhor estaria ka em cabo verde ja estarias no meio da rua bando de gente sem amor a patria,

    • Galinha

      22 de Janeiro de 2012 at 10:38

      Ora bem,

      Este sr.Garrido, so e juiz porque se trata de S.tome onde so os maus tem merito e quem trabalha de verdade e visto com maus olhos.
      Bem, o sitema esta todo estragado, desde o Pinto da costa, quanto a mim um dos piores.

  2. Luis Dondoia

    23 de Janeiro de 2012 at 6:10

    Sr Dr Juiz …Acho que está enganado num ponto importante . O Governo não é um Orgão de soberania de “per si ” é uma emanação da Assembleia da República .
    Esta sim emena da vontade politica das populações que os ideis propalados por uma organização politica num dado momento seja levado a pratica .Quem escolhe o PM é o PR após cada escrutinio eleitoral e cabe ao PM indigitado forma a sua equipa governativa .Daí não compreender-se que para ser-se diretor geral deve ter exercido como médico 3 anos no País.
    Sendo a natureza do cargo eminentemente de confiança politica .
    Como tal os Orgãos de Soberania não são de confiança politica . Devem ser isentos .
    Concordo consigo que se deva rever os códigos e prcessos com a sua regulamentação .Mas para que tal aconteça é preciso rever a constituição e só depois falar – se em leis de Valor Reforçado .
    Um exemplo de falta de isenção ” o mesmo tribunal ordenou a libertação de um individuo que colcara em prisão preventiva sem que houvesse da parte de um tribunal superior , em sede de recurso, tal ordem ”
    Como pode imaginar ninguém pode ser juiz em causa própria .
    A chave da gazua está inquinada desde a constituição que não trata os cidadãos de forma igualitária .
    Outro exemplo – Como aceitar para mais alto Magistrado da nação candidaturas de individuos cadastrados ? Sendo esse mesmo individuo não pode fazer parte da função pública ? ( Quadro Actual)
    Se quizermos ser honestos e cumprir a constituição deveriamos partir da presunção da inocencia .Em STP faz por presunção da culpa se for cidadão comum ,mas se for dos Orgãos do poder do estado não …
    Pense bem antes de escrever tudo o escreveu … Debaixo dessa logorreia de palavras técnicas estão coisas que o Sr sabe serem mais compridas que a sua vontade ou bondade .

    ém pode ser juiz em causa própria .

  3. maria soares costa lazaro

    6 de Agosto de 2012 at 15:07

    Conheci, ha muitos anos Hilário Garrido. Há cerca de 30 anos.Este jovem na altura veio para Portugal com um sonho.Trabalhador, serio,honesto.Lutador, amigo. Eu nao acredito quesja o mesmo Hilario que nos meus tempos de menina passava a tarde a estudar os Livros de Direito.

  4. maria soares costa lazaro

    6 de Agosto de 2012 at 15:11

    Fico muito feiz por ter chegado onde chegou. Lutou e muitopara aqueles que nao sabem, ele lutou e sofreu muito, passou muitas necessidades.Mas era srio Honesto. O sonho dele era ser Advogado e ir para o Pais dele ao contario de muitos que fizeram o curso e esqueceram o Pais. Hilario, nao esqueço aquele sorriso maroto, aquela gargalhada dada com gosto. Para si Amigo Felicidades

  5. Eurico Pinto Monteiro

    14 de Agosto de 2016 at 10:28

    Senhor Hilário

    A Sigla RAU não se refere, no contexto da Administração Colonial, Regulamento Administrativo de Ultramar, mas, sim, Reforma Administrativa do Ultramar.

    Praia, 13 de Agosto de 2016

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