Análise

O Mandato dos Deputados da Assembleia Nacional – O novo contexto da suspensão

O mandato dos Deputados nada tem que ver com o vínculo contratual de mandato a que se refere o Código Civil: não se estabelece qualquer contrato ou relação jurídica de mandato entre o eleitor e o eleito.

A circunstância de a Lei e a Constituição determinarem que os Deputados exercem livremente  o seu mandato (art. 12.º, n.º 1 do Estatuto dos Deputados – Lei n.º 8/2008 de 10 de Setembro de 2008) e que representam todo o povo e não apenas os círculos eleitorais (ou os partidos) por que são eleitos (art. 93.º, n.º 2 da Constituição da República Democrática de São Tomé e Príncipe – CRDSTP) significa que os Deputados têm um mandato livre ou representativo e não imperativo: procura-se desta forma garantir a dignidade do cargo dos Deputados, que deve ser exercida de forma independente e autónoma.

O mandato dos deputados é, normalmente, de quatro anos, correspondendo à duração de cada legislatura (art. 102.º da CRDSTP), iniciando-se com a primeira reunião da Assembleia Nacional após eleições e cessando com a primeira reunião após eleições subsequentes (art. 2.º, n.º 1 do Estatuto dos Deputados ).

No entanto, o mandato de quatro anos pode ser abreviado, em termos colectivos, pela dissolução da Assembleia Nacional, sem prejuízo de só se verificar o seu termo efectivo com a primeira reunião da nova Assembleia Nacional eleita (art. 103.º, n.º 4 da CRDSTP).

Também poderá haver razões de índole individual que determinam o abreviamento do mandato do Deputado e sucede nas seguintes situações: nos casos previstos no Estatuto dos Deputados (art. 6.º do Estatuto dos Deputados) tais como: renúncia; revogação; doença impeditiva das obrigações do Deputado; morte; outras causas justificadas. Outra situação é o facto do Deputado não ter tomado assento na Assembleia até à quinta reunião ou deixe de comparecer a seis reuniões consecutivas do Plenário (art. 16,º, n.º 1, al. b) do Estatuto dos Deputados). Também temos situações de perda do mandato (art. 8, n.º 1 do Estatuto dos Deputados), tais como: 1) Se o Deputado preencher alguma das incapacidades ou incompatibilidades previstas na Lei; 2) Se o Deputado não tomar assento na Assembleia Nacional; 3) Se o Deputado exceder números de faltas previsto no Regimento; 4) Se o Deputado se inscrever em partido diferente daquele pelo que fora apresentado ao sufrágio; 5) Se o Deputado for judicialmente condenado por participação em organização cujo objectivo seja o de atentar contra a ordem constitucional estabeleci da, através de violência.

Podem ainda suceder, situações de suspensão do mandato de Deputado (objecto da nossa análise), que ocorre em três situações: se houver deferimento do requerimento de substituição temporária por motivo relevante; devido a procedimento criminal; devido à assunção de cargo incompatível com o de deputado.

De acordo com o art. 2.º, n.º 1, in fine, do Estatuto dos Deputados, o mandato de cada deputado, individualmente, pode suspender-se e também pode cessar antes do termo da legislatura. De acordo com o J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (2010; Constituição da República Portuguesa Anotada; Vol. II; 4ª Edição; Coimbra Editora; p. 259) a cessação do mandato implica a abertura de uma vaga e o seu preenchimento definitivo por outro candidato e a suspensão do mandato não abre vaga e implica apenas a substituição do deputado enquanto durar a suspensão.

Nos termos do n.º 2 do artigo citado no paragrafo anterior refere que “O preenchimento das vagas que ocorrerem na Assembleia, bem como a substituição temporária deDeputados por motivo relevante, são reguladas pela Lei eleitoral e pelos presentes Estatutos”. Também convém fazer referência ao artigo 14.º, n.º 1 do Regimento da Assembleia Nacional que diz que O preenchimento das vagas que ocorrem na Assembleia, bem como a substituição temporária dos Deputados por motivo relevante, são regulados pela lei eleitoral”. Na realidade, não cabe à lei eleitoral e sim ao Estatuto dos Deputados regular a matéria de vagas e substituições e isto acaba por ser referenciado no artigo 15.º do Regimento da Assembleia Nacional.

Tanto que a substituição do Deputado, quer por vagatura ou suspensão do mandato, o Estatuto dos Deputados, art.º 9.º, n.º 1, determina que se faça pelo primeiro candidato não eleito da respectiva ordem de precedência da lista que foi submetida a sufrágio.

As substituições de Deputados eleitos pelos círculos eleitorais, e com os quais os eleitores se foram habituando, por outros que não foram eleitos naquela eleição enfraquece as ligações entre eleitores e eleitos.

Não haverá substituições se já não existirem candidatos efectivos ou suplentes não eleitos na lista do Deputado a substituir (Estatuto dos Deputados, art.º 9.º, n.º 5). Uma vez que não haverá eleições parciais e intercalares para nova eleição de um Deputado pelo círculo eleitoral em causa, fica o lugar sem titular, haverá aqui uma situação em que os Deputados em efectividade de funções serão em número inferior aos 55 que compõem a Assembleia Nacional.

Como já mencionamos, as situações ou causas de suspensão do mandato acontece, se houver deferimento do requerimento de substituição temporária por motivo relevante; devido a procedimento criminal; devido à assunção de cargo incompatível com o de deputado.

Qualquer destas situações levanta não poucos problemas. A primeira, suspensão de mandato, verifica-se se houver deferimento do requerimento de substituição temporária por motivo relevante (art. 4.º, n.º 1, al. a)). Por motivo relevante entende-se como sendo: Doença prolongada; Exercício de funções específicas no respectivo partido; Exercício de licença por maternidade (e por paternidade – interpretação extensiva) (art. 5, n.º 2 do Estatuto dos Deputados). Acresce o n.º 3, do artigo citado, que os Deputados podem igualmente solicitar ao Presidente da Assembleia a suspensão temporária, por razões imperiosas e inadiáveis de carácter profissional, nunca por mais de seis meses na mesma legislatura, sendo apenas uma vez consecutivamente ou três intercaladamente. O requerimento de substituição será apresentado directamente pelo próprio Deputado ou através do grupo parlamentar ou do órgão próprio do seu partido, acompanhado, nestes casos de declaração de anuência do Deputado a substituir (art. 5.º, n.º 4 do Estatuto dos Deputados).

Em segundo lugar, a suspensão pode verificar-se em caso do  procedimento criminal e quanto a este assunto convém analisar o n.º 2 do artigo 11.º do Estatuto dos Deputados que diz que Os Deputados não podem, ser peritos, testemunhas, nem ser ouvidos como declarantes, arguidos sem autorização da Assembleia, sendo obrigatória a decisão de autorização, no segundo caso, quando houver fortes indícios de prática de crime punive1com pena maior”; bem como o n.º 4 refere que “Movido procedimento criminal contra algum Deputado, e estando este indiciado definitivamente por despacho de pronúncia ou equivalente, salvo no caso de crime punível com pena maior, a Assembleia Nacional decidirá se o Deputado deve ou não ser suspenso, para efeito de seguimento do processo”.

Como podemos depreender da norma citada no paragrafo anterior, se o Deputado for indiciado de prática de crime punível com pena maior, a Assembleia Nacional decidirá obrigatoriamente pela suspensão (artigo 11.º, n.º 2, in fine, do Estatuto dos Deputados). Não se tratando de crime maior e for movido procedimento criminal contra algum Deputado, a Assembleia Nacional pode deliberar à sua suspensão para efeito de seguimento do processo (artigo 11.º, n.º 4  do Estatuto dos Deputados).

A decisão prevista no n.º 2, in fine, do art. 11.º do Estatuto dos Deputados, é tomada em Plenário precedida de audiência de Deputado com o parecer da Comissão competente em razão da matéria (art. 11.º, n.º 3 do Estatuto dos Deputados).

Enquanto que, a decisão prevista para o n.º 4 do art. 11.º do Estatuto dos Deputados, é tomada no Plenário por escrutínio secreto e maioria absoluta dos Deputados presentes, precedendo a audiência do Deputado com o parecer da Comissão competente em razão da matéria (art. 11.º, n.º 5 do Estatuto dos Deputados).

Em terceiro lugar, o mandato suspende-se  ainda devido à assunção de cargo incompatível com o de deputado, nos termos do Estatuto dos Deputados. Neste sentido, à luz do artigo 19.º, n.º 1 do Estatuto dos Deputados, haverá suspensão do mandato de Deputado o  assumir das seguintes funções ou cargos: a) Presidente da República; b) Membro do Governo; c) Membro do Tribunal Constitucional, do Supremo Tribunal de Justiça, do Tribunal Arbitral, do Tribunal de Contas, Procurador-Geral da República, Magistrados do Ministério Público, Juízes, Provedor da Justiça; d) Embaixador, e) Membros do Governo Regional e Presidente da Assembleia Regional; f) Presidentes de Câmaras Distritais, Presidentes de Assembleias Distritais e Vereadores; h) Membros da Comissão Eleitoral Nacional; g) Governador, Vice-Governador e Administradores do Banco Central; i) Directores de Gabinete e Directores-Gerais; j) Funcionário de Organização Internacional ou de Estado Estrangeiro.

As incompatibilidades impedem que o cargo de deputado seja exercido simultaneamente com determinados outros cargos, ocupação ou funções. Quem estiver numa situação de incompatibilidade não pode exercer o mandato de Deputado, que será substituído até ao termo da incompatibilidade.

O Deputado sendo uma pessoa de bem, encontrando-se numa situação de incompatibilidade, deve ele próprio promover a suspensão do mandato. Caso não promova por si a suspensão, encontrando-se numa situação de incompatibilidade, então incorre na perda do mandato nos termos do art. 8.º, n.º 1 al. a) do Estatuto dos Deputados. A perda do mandato funciona aqui como sanção pela violação da regra da incompatibilidade (sobre este assunto cfr. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (2010, p. 262).

Nos termos do art. 8.º, n.º 2 do Estatuto dos Deputados , a perda do mandato é declarada pela Mesa em face do conhecimento comprovativo de qualquer dos factos referidos no n.º 1 do art. 8.º do Estatuto dos Deputados, procedendo parecer da Comissão competente em razão da matéria.

A Constituição e o Estatuto dos Deputados não definem regras para o Deputado com mandato suspenso. Na esteira do que diz J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (2010, p. 260), entendemos que o Deputado com mandato suspenso deixa de gozar do estatuto de Deputado (poderes extraparlamentares, regalias, imunidades, processamento de remunerações, contagem do tempo de serviço, etc).

A suspensão do mandato cessa (art. 6.º do Estatuto dos Deputados): a) no caso de ter havido deferimento do requerimento de substituição temporária por motivo relevante , por decurso do período de substituição ou pelo regresso antecipado do Deputado, directamente indicado por este, ou através da direcção do grupo parlamentar a que pertença, ou do órgão próprio do seu partido, ao Presidente da Assembleia; b) no caso do procedimento criminal , por decisão absolvitória ou equivalente ou com o cumprimento da pena; c) nos casos daassunção de cargo incompatível com o de deputado, pela cessação da função incompatível com a de Deputado.

Com a retoma pelo Deputado do exercício do mandato, cessam automaticamente todos os poderes do Deputado substituto (art. 6, n.º 2 do Estatuto dos Deputados).

De acordo com tudo aquilo que já falamos acima, sobre a suspensão do mandato de Deputado, vemos que a Assembleia Nacional é regida por regras e muito nos surpreende noticias como O despacho número 3 do Presidente da Assembleia Nacional emitido no passado dia 12 de Abril, suspende a título excepcional o mandato do deputado Amândio Pinheiro da bancada do PCD.

 

(…) O conflito parlamentar, que ameaça lançar o país numa crise institucional, está no centro da preocupação do Presidente do Parlamento, que justifica o seu novo despacho, como necessidade de criação de ambiente favorável à realização de reuniões plenárias da Assembleia Nacional.

 

O Presidente do Parlamento acrescenta que a suspensão do mandato do deputado mantém-se até que seja conhecido o veredicto do Supremo Tribunal de Justiça. O PCD recorreu ao Supremo Tribunal de Justiça nas vestes do Tribunal Constitucional, para apreciar a legalidade das decisões tomadas por Evaristo de Carvalho.

 

Por outro lado, Evaristo Carvalho avisa no seu despacho de Abril, que a bancada do PCD não poderá substituir o deputado Amândio Pinheiro, cujo mandato está suspenso.

 

O despacho do Presidente da Assembleia Nacional que suspende o mandato de Amândio Pinheiro não faz referência a qualquer lei que dê suporte a este expediente. Téla Nón de 24/ 04/2012 (sublinhado nosso).

Convém mais uma vez relembrar que as situações ou causas de suspensão do mandato acontece nos termos do art. 4 e seguintes do Estatuto dos Deputados, 1) se houver deferimento do requerimento de substituição temporária por motivo relevante; 2) devido a procedimento criminal; 3) devido à assunção de cargo incompatível com o de deputado.

 

Com o despacho número 3 do Presidente da Assembleia Nacional emitido no passado dia 12 de Abril, noticiada pelo Téla Nón de 24/04/2012 aventou-se mais uma suspensão do mandato de Deputado que será suspensão a titulo excecional e o requisito justificativo desta causa de suspensão é a necessidade de criação de ambiente favorável à realização de reuniões plenárias da Assembleia Nacional. Por fim, não poderá haver substituição  do deputado cujo mandato está suspenso.

 

Estamos aqui perante uma inexistência jurídica. Os deputados ao aceitarem este tipo de despacho estão a criar um precedente que poderá ter um custo a longo prazo bastante prejudicial para o exercício do mandato de Deputados.

Percebemos a boa  intenção do Presidente da Assembleia Nacional, este quis agradar aos “Gregos e aos Troianos” (digamos, as partes em conflito) e de facto esta forma de resolver o problema é eficaz, mas não é eficiente. Os meios usados estão feridos de ilegalidade. A casa que faz a Lei, deve ser a primeira a dar o exemplo do seu cumprimento. Quando assim não acontece, alguma coisa vai mal.

Odair Baía

7 Comments

7 Comments

  1. mosssad

    3 de Maio de 2012 at 19:01

    Caro Odair Baia, os artigos no nosso pais foram feitos para arquivar, 99% dos nossos deputados nem sabem que foram eleitos para defender o interesse do eleitores que os eleijeram para o dito cargo.

    Estao ali simplesmente para serem chamados de deputados e terem o passaporte diplomatico, que hoje ate analfabetos sao dados .(NINO MONTEIRO)

  2. Frank

    3 de Maio de 2012 at 20:00

    O “Manadato” dos Deputados da Assembleia Nacional – O novo contexto da suspensão.
    O que é isso?
    “Manadato”

    • Odair Baía

      4 de Maio de 2012 at 9:12

      O título do artigo q escrevi no Téla Nón foi alterado e bem pelo jornalista, o texto original continha o seguinte título “O MANDATO DOS DEPUTADOS DA ASSEMBLEIA NACIONAL NO NOVO CONTEXTO DA SUSPENSÃO”. Eu em particular não considero isto um erro e sim um lapso ou gralha.

      Odair Baía

    • Téla Nón

      4 de Maio de 2012 at 10:19

      Nunca o jornalista do Téla Nón alterou uma virgula dos diversos artigos que já publicou aqui. Não seria desta vez que o iria fazer. No momento da publicação do artigo, tarefa delicada, em que muitas vezes o movimento do rato pode acrescentar ou retirar uma letra, terá ocorrido este acréscimo do a na palavra Mandato. É algo involuntário, resultado do processo de publicação. Será corrigido. Feito o esclarecimento, espero que a ideia de que o jornalista alterou o seu texto, tenha dissipada.

  3. mosssad

    4 de Maio de 2012 at 19:07

    Caro O Baia
    No tempo em que entramos para o IDF, se ainda lembras havia coisas que nao poderiamos dizer nos corredores e ate nao nos permitiram comemorar o dia 25 de Maio (dia de Africa) porque estavamos na escola portuguesa. Isso foi so para realcar que os politicos santomenses herdaram muito bem dos portugueses, tais como os jornalistas santomenses o fizeram.
    Desculpas sempre haverao para nao publicarem alguns artigos, principalmente se o mesmo nao for a favor dos politicos ou do senhor Patrice Trovoada.
    Infelizmente essa e a pratica corrente num pais que se diz livre e democratico onde as pessoas podem se espressar de forma livre sem ter medo de represalias.

  4. Ôssôbô

    5 de Maio de 2012 at 21:21

    Não devemos fazer tempestades no copo de água!O erro é humano!Levante a mão aquele que se acha perfeito!!!

  5. Flogá

    8 de Maio de 2012 at 10:02

    O mais correcto é dizer-se “Deputados à Asssembleia Nacional” em vez de “Deputados da Assembleia Nacional”

    Bem haja!

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