Análise

A obstinação silenciosa da Pobreza

A obstinação silenciosa da pobreza, é uma metáfora que vai ao encontro da máxima popular são-tomense que diz literalmente que «homé kú fómi, dá Dêssu kú fáka».[1] Partindo desse pressuposto e tendo em conta que algo silencioso e grave, move-se sorrateiramente, a obstinação poderá levar o ser humano para um estado exacerbado de desespero.

Artigo de opinião

(autor: Lúcio Neto Amado)

A obstinação silenciosa da Pobreza

A obstinação silenciosa da pobreza, é uma metáfora que vai ao encontro da máxima popular são-tomense que diz literalmente que «homé kú fómi, dá Dêssu kú fáka».[1] Partindo desse pressuposto e tendo em conta que algo silencioso e grave, move-se sorrateiramente, a obstinação poderá levar o ser humano para um estado exacerbado de desespero.

A pobreza é um flagelo[2] que martiriza o Homem desde os tempos antigos.

É um flagelo devido aos parâmetros em que assenta essa intrincada realidade social provocada, em grande medida, pelo ser humano.

Duas perspectivas de pobreza, é a proposta que o reputado economista Samuelson[3] (1993), apresenta na sua reflexão sobre o assunto.

Ele diz que “(…) as diferentes abordagens reflectem com frequência perspectivas diferentes sobre as raízes da pobreza. Os proponentes de uma acção governamental forte vêem a pobreza como o resultado das condições sociais e económicas sobre as quais os pobres têm um controlo diminuto. Salientam que a má alimentação, as escolas degradadas, a separação das famílias, a discriminação, a inexistência de oportunidades de emprego e o meio ambiente prejudicial são as determinantes centrais do destino dos pobres.

Uma segunda perspectiva sustenta que a pobreza deriva do comportamento individual mal adaptado, comportamento que é da responsabilidade dos indivíduos e que será apropriadamente alterado por eles mesmos.”

A pobreza[4] pode ser física, mental e de natureza meramente social, tendo em conta o patamar social a que os indivíduos estão escalonados.

A pobreza física pode, eventualmente, passar pela degradação que um indivíduo assume quando a “vida” não lhe corre de feição, nomeadamente quando se envereda pelo consumo excessivo do álcool, ou pelo consumo de drogas.

Esta é, no fundo, uma forma acabada de autoflagelação que pode, levar o indivíduo a uma indigência atroz. O retorno é extremamente difícil, devido a sequelas que esse tipo de dependência parece produzir no ser humano.

A pobreza mental tem várias direcções e alguns sentidos que se podem considerar de tortuosos.

Aquela que se pode considerar de difícil retorno, no âmbito da pobreza mental, é a própria demência. A demência tem, até aos dias de hoje, contornos psíquicos que a própria ciência ainda não conseguiu decifrar. Várias são as tentativas seculares que cientistas de renome experimentaram, mas que ainda não surtiram efeitos concretos e desejados.

A outra faceta da pobreza mental é aquela que parece ter sentido pouco claro, sobretudo, quando se está perante indivíduos que, num determinado país, «assaltam» o poder e utilizam esse poder para enriquecer de forma desmesurada deixando os cofres do Estado praticamente vazios. Essas mentes são tortuosas e imprimem direcções pouco claras e sem qualquer sentido prático para os cidadãos. Alguns desses personagens, embora possuam muito dinheiro, tendem, teimosamente, em manifestarem, quase sempre uma mentalidade de natureza miserável em alguns casos e, de pobretanas, noutros casos.

Nalguns Estados que gravitam na chamada área dos designados países do Terceiro Mundo [países subdesenvolvidos ou países em vias de desenvolvimento] surgem, alguns governantes que se servem dos parcos recursos postos à disposição do país para outros fins, menos claros.

Este obscuro desígnio surge também noutras latitudes, não sendo característico apenas do Terceiro Mundo. Aqui, o problema principal reside no facto de alguns detentores do poder nessas paragens darem a ideia de não usarem a mente para debelar a pobreza que vive, paredes meias, com os “seus” faustosos palácios, herdados dos traços arquitectónicos coloniais.

A pobreza mental parece, também, afectar alguns cidadãos dos vários quadrantes da vida social. O pensar “curto”, com visão limitada a curto, a médio e a longo prazos, bloqueia todo o tipo de iniciativas, quer seja a nível familiar, a nível da amizade, a nível social e principalmente a nível do país.

Nenhuma nação consegue avançar e desenvolver-se, seja a que nível for, tendo governantes que, enquanto «assentam arraiais» no poder, fazem de conta que pensam no país.

Nesse sentido, o fracasso poderá ser, provavelmente, a bandeira da “pobreza” mental.

A pobreza social, por sua vez, parece ser aquela que atinge o maior número de indivíduos, em quase todo o mundo. Os dinheiros que, em princípio, deveriam ser aplicados em políticas sociais, esfumam-se nalguns casos pelo caminho, não chegando, grosso modo, ao seu real destino.

A pobreza de outra natureza encerra categorias como a pobreza moral, a pobreza de carácter, a pobreza de espírito, a ignorância da pobreza, entre outras.

Os economistas e a pobreza

O que é pobreza?

Os economistas como cientistas sociais que são “ definiram a pobreza como o nível de rendimento abaixo do custo de vida estimado do nível de subsistência.” Esta perspectiva de pobreza é, defendida, também pelo conhecido economista Samuelson.

Para Samuelson[5] (1993) “(…) o termo «pobreza» é uma condição em que as pessoas têm rendimentos desadequados, mas é difícil estabelecer uma separação exacta entre o pobre e o não pobre.”

Parece ser, mais que uma evidência, que a fronteira entre o muito pobre, o pobre e o não pobre é deveras ténue.

A desigualdade social parece ditar os parâmetros que regem a pobreza no mundo inteiro. É nesse sentido que o autor[6] proclama que “(…) a redução da desigualdade pelos governos é uma questão normativa que a ciência económica não pode resolver. Mas a análise económica pode ajudar a descobrir os factos, de modo que possam ser tomadas decisões fundamentadas.”

O relatório do Índice do Desenvolvimento Humano [7] (1997) ao abordar a questão de pobreza sublinha que existe uma pobreza absoluta e outra pobreza relativa. Em relação a primeira, [pobreza absoluta] “ refere-se a algum nível absoluto de necessidade mínima”, ao passo que, a outra [pobreza relativa] “refere-se a alguma dificuldade relativamente a maioria do resto da comunidade.”

O mesmo relatório acrescenta mais uma categoria designada de ultra pobreza que surge “ (…) quando um país não pode satisfazer em 80% as exigências mínimas de calorias afixadas pela FAO e a OMS, isto, quando 80% do seu rendimento é para comprar alimentos.”

Se o relatório de 1997 mostra esses números, o de 2011 coloca São Tomé e Príncipe na posição 144ª, e aponta o atendimento na saúde precária e a educação de baixa qualidade como principal problema. Os números apresentados não deixam qualquer margem para dúvidas: 88,5% dos são-tomenses são pobres e «sofrem privação» na saúde, na educação e na renda, acrescenta o relatório.

Referindo-se ao sistema educativo que constitui uma grande «dor de cabeça» da maior parte das nações, o MICS[8] (2006) revela que a taxa de escolarização básica, no país, ronda os 94%. Nada mau.

A insistente pobreza

Dada a transversalidade a que a pobreza está sujeita ao nível global, interrogamo-nos, com uma preocupação estampada na face. Qual é o verdadeiro rosto da pobreza?

Este rosto é, provavelmente, um não rosto, ou seja ele é indefinido.

Quando falamos da obstinação silenciosa da pobreza, estamos, justamente a pensar nas duas ilhas principais [a de São Tomé e a do Príncipe] e a insistente pobreza que continua, de uma forma galopante a grassar, nessa ainda pacata (!) sociedade, plantada nestas tranquilas e serenas águas do oceano Atlântico.

A pobreza extrema[9] continua a «passear»» em todas as artérias do arquipélago que ascendeu à independência no segundo quartel do século XX. Nas cidades[10], nos bairros, nos luchans, no que ainda resta dos kintés, nos sítios mais recônditos de São Tomé e Príncipe, sente-se o cheiro desta pobreza silenciosa e obstinada que continua o seu imparável percurso.

Em termos de auto-estima e a “(…) avaliar pela auto-representação dos são-tomenses, eles não são pobres, são remediados. O pobre é quem está no asilo. Pobre é quem, estando sozinho, não tem força bastante para garantir a si próprio um prato de comida. A pobreza é associada à incapacidade de prover à sua sobrevivência e à debilidade física, de que resulta a incapacidade de se defender de eventuais agressões”[11].

A desordem social não deixa nem ajuda a debelar a pobreza, seja ela extrema, seja ela de natureza miserabilista, ou outra.

As crianças, os idosos são, juntamente com as mulheres, as maiores vítimas de toda essa embrulhada que dá pelo nome de pobreza.

A maior bolsa da pobreza são-tomense

A maior bolsa da pobreza são-tomense parece residir no seio das mulheres. Esta situação não é um fenómeno exclusivo das mulheres do arquipélago.

Lamentavelmente nota-se que na esmagadora maioria de países localizados na África subsaariana esta situação de pobreza efectiva nas mulheres, tem um efeito catastrófico e demolidor.

Contudo, o problema continua a persistir e a existir, quer seja na Europa, quer seja nos Estados Unidos da América, quer seja no Canadá, quer seja na Ásia e na América latina ou noutro local onde exista ser humano.

Neste sentido e de acordo com um estudo publicado em Portugal[12] no ano de 2000, “(…) o fenómeno da pobreza não é neutro, atingindo particularmente as mulheres. Para tal contribui a especificidade da sua participação na vida familiar, económica e social: auferem em média salários mais baixos, são mais afectadas pelo desemprego, têm menos protecção social devido, a uma participação mais irregular na actividade económica; por outro lado, com a maior esperança de vida, comparativamente aos homens, as idosas encontram-se muitas vezes em situações precárias, quer do ponto de vista dos recursos económicos, quer pelo isolamento em que vivem.

Outro grupo que é particularmente afectado por situações de pobreza é o das famílias monoparentais de que são responsáveis, maioritariamente, as mulheres”.

No contexto do arquipélago de São Tomé e Príncipe, este estudo não foge muito à nossa realidade, se, se subtrair uma ou outra passagem.

É de registar que em cada três mulheres são-tomenses, uma é chefe de família, e que a pobreza atinge cerca de 53,8% da população, afectando sobretudo os grupos mais vulneráveis, as crianças e as mulheres, segundo o SITAN[13] (2004).

As mulheres são-tomenses assumem muito cedo o papel de «chefe de família» devido a constrangimentos que se prendem com a própria dinâmica social do país.

Grande parte delas tem que assumir, ainda muito cedo, o ónus de sustentar e educar uma catrefada de filhos sem a ajuda de pai. Este fenómeno remete para a situação de família monoparental, com todas as consequências que advêm dessa complicada situação social.

A figura da «mãe solteira» parece não existir nos cânones da sociedade são-tomense da actualidade. Não há benefícios sociais, nem qualquer tipo de apoio vindo da parte do Estado, ou de outra entidade, nomeadamente os privados.

Uma parte significativa de mães deste país, desprovidas de benefícios sociais, de reconhecimento familiar, estão, à partida, entregues, à sua sorte. Os mecanismos que têm à sua disposição, para efeitos de sobrevivência, são extremamente reduzidos.

Como se lida em São Tomé e Príncipe com a pobreza:

– no seio dos deficientes;

– no seio dos idosos;

– no seio das crianças;

– no seio de outros cidadãos.

A pobreza no seio dos deficientes é uma coisa medonha e incomensurável, a todos os níveis. Alguns indivíduos lidam mal com este problema.

Tomemos como exemplo o caso dos deficientes visuais, que existem no país. Estão monitorizados uns tantos, ligados a uma Associação que procura zelar pelo interesse desses nossos concidadãos. A outra parte desses deficientes não deve constar na estatística devido a problemas que se prendem, provavelmente com a descriminação, com o medo, com a vergonha, com a indiferença, face a este problema.

Algumas famílias, motivadas, provavelmente por crenças, preconceitos, outros valores sociais e a ignorância à mistura, escondem do público, os seus familiares detentores de deficiência.

Esses deficientes vivem estigmatizados e enclausurados, uma eternidade. Parece não haver qualquer programa que beneficie ou ajude pessoas com qualquer tipo de deficiência no nosso país.

Se os cegos circulassem nas ruas das nossas cidades, sozinhos, o resultado seria catastrófico – do ponto de vista de acidentes -– sobretudo, porque os utilizadores de veículos motorizados circulam, alguns deles, revelando desconhecer o código de estrada e o código cívico.

As ruas, as estradas, os caminhos constituem uma autêntica «armadilha» para quem circula e pretende atravessar[14] a rua, quer o indivíduo seja deficiente, quer seja não deficiente. O grau de perigosidade é igual, com maior prejuízo para aqueles que, obviamente, não vêm.

A pobreza no seio dos idosos é observada à vista desarmada em todos os funká funká [os cantos] do território nacional.

A pobreza hoje, afirma Nascimento[15] (2009) “(…) parece estar a suscitar maus-tratos a idosos, justificados com crenças em malefícios advindos de actos de feitiçaria, cuja autoria lhes é imputada. Tais maus-tratos configuram uma negação de propalados valores africanos. A violência sobre idosos é um sinal da trajectória de perda social”.

São Tomé e Príncipe – tal como a maior parte dos países africanos ao sul do grande deserto do Sahara – importou modelos europeus, sobretudo da antiga potência colonizadora.

A existência de lares de idosos é um exemplo acabado dessa estranha realidade. Os africanos, num passado recente acolhiam os seus anciãos, quer na aldeia, quer na sanzala, quer nos kintés, quer noutro local qualquer, seguindo uma tradição antiga.

Hoje essas modernices é que fazem fé, nas nossas novéis sociedades, com laivos e pretensiosismos bacocos de ocidentalizados, no mau sentido.

O princípio segundo o qual «n’guê tâmén sá Dêssu Mundu[16]», vai nesse sentido, pois eles, os anciãos são os guardiões da história colectiva, cabendo-lhes a missão de transmitir essa realidade aos vindouros através da oralidade.

Uma parte dos nossos idosos estão em asilos, carentes de afecto, alguns deles sem autonomia para exprimir as suas emoções, porque são, de certa maneira marginalizados e sem ter ninguém que os ouça.

A pobreza no seio das crianças remete-nos, em primeiro lugar, para um cenário de maus tratos familiares. Esta realidade social já existe há séculos, sendo transversal a todas as sociedades, às diferentes culturas, fazendo parte do desenvolvimento e da evolução do Homem.

A violência que é exercida no seio familiar era noutros tempos exercida pelo poder paternal, sendo aceite socialmente como um método eficaz de educação. Muitas famílias não têm a noção clara, do que é castigar, e do que é violentar, uma criança.

Os maus tratos[17] sobre as crianças tem sido um factor que preocupa investigadores de muitos países, sobretudo na Europa e nos Estados Unidos da América.

Em São Tomé e Príncipe as crianças recebem, nalguns círculos – quer seja familiares ou fora deles – um tratamento pouco consentâneo com o seu estatuto. Existe maus tractos, associados, provavelmente à pobreza, a frustração de quem é suposto velar pelo desenvolvimento da criança. O problema de afecto parece não «morar» em muitos lares da nossa República.

Costuma-se dizer, em alguns círculos da nossa praça, que no arquipélago são-tomense, os dois seres vivos que mais pancada apanham, são as crianças e os cães. Sintomático!

Ocasionalmente, só se lembram das crianças, geralmente no dia 1 de Junho, data consagrada internacionalmente como dia da criança. É uma data que os adultos encenam nas escolas, transformando o dia numa festa dirigida, preferencialmente para os… adultos. Esta não é nenhuma efabulação. É pura realidade que se verifica no país.

Alguns indivíduos só se apresentam como encarregados de educação, nesse dia. Durante todo ano, os professores não vêm o seu rastro. É como se não existissem: os filhos estão entregues durante todo o ano lectivo, à sua sorte. Enfim coisas do nosso tempo.

Em África, muitas são as crianças que são violentadas e maltratadas. Nos vários conflitos belicistas que dilaceram o nosso Continente, as crianças do sexo masculino são transformadas em meninos-soldados, com toda as consequências nefastas para os pais, para o país e para a humanidade. As meninas são, por sua vez, transformadas em escravas sexuais dos senhores de guerra. Uma calamidade sem fim a vista.

A pobreza de outros cidadãos funciona como um “sítio” singular e silencioso de partilha onde o ser humano (inter)age no seu problemático quotidiano, uma mão cheia de «afectos», de «incertezas», de «dúvidas», de «angústias», de «medos», e de alguns «fantasmas», a mistura.

A incidência da gravidez precoce nas Ilhas

A gravidez precoce é um problema que afecta jovens adolescentes em quase todo o mundo. É um fenómeno que trás muitos governos preocupados, sobretudo porque as fórmulas de resolução do problema ainda não foram, nem de longe, nem de perto, descortinadas.

Em São Tomé e Príncipe, nota-se que “a gravidez na adolescência tornou-se lentamente uma tragédia nacional”[18], devido a circunstâncias que fogem, por vezes, ao controlo de várias instituições, a começar pela própria família(?), pela escola e pelo núcleo social a que as jovens estão inseridas.

A gravidez precoce nas ilhas parece constituir um caminho sem retorno para as adolescentes que enveredam por esse complicado e labiríntico processo. A pobreza é o passo seguinte que as jovens dão em direcção a esse precipício, a que alguns continuam teimosamente a chamar de «destino» a que a “mulher” está sujeita.

Um estudo [19] datado de 2011, postula que “(…) em São Tomé e Príncipe existe toda uma cultura que não explica nem fala sobre sexo na pré adolescência por um lado, mas promove sexo, sensualidade, erotismo através das novelas, danças e passagem de modelos, por outro. Neste ambiente as raparigas engravidam, abandonam a escola e em nove meses passam da infância para a fase adulta, muitas vezes num ambiente até então alheio. As raparigas em São Tomé e Príncipe não se sentem merecedoras de carinho, respeito e afectividade por parte dos rapazes, e muitas vezes da família. Quando o corpo desperta para a sexualidade, rapidamente cedem à pressão, sendo sexo um meio de agradar e obter atenção e reconhecimento dos rapazes. Neste processo de agradar, a rapariga não tem capacidade nem conhecimentos de negar ou negociar o sexo seguro. A sociedade não as protege quando ficam grávidas, nem com informação, nem com protecção. A lei é completamente ignorada e desconhecida por parte de agentes sociais de mudança como professores/as e enfermeiros/as. A responsabilidade do número de gravidezes não é partilhada, recaindo sobre a rapariga e sobre a sua família, na maior dos casos.”

A par deste elucidativo postulado, acresce-se que os tabus e as crenças que existem, em São Tomé e Príncipe, à volta da pílula e do próprio preservativo não ajudam muito, a desmistificar toda essa embrulhada.

Diz-se, literalmente, que a pílula “estraga” a mulher e que o preservativo tira o prazer e o gosto ao acto sexual. Afirma-se despudoradamente, que o sexo deve ser consumado “carne com carne” para ser mais «doce».!

Pensamos que se devia incentivar os pais(?) ou à mãe [família monoparental] e, sobretudo, a escola para fazerem descomplexadamente, a abordagem da sexualidade segura e responsável, associada ao afecto e ao respeito, evitando-se, assim a banalização do sexo nessas idades.

O outro grande perigo que espreita a todo o momento, no acto sexual irresponsável e aparentemente sem regras, é a contracção de doenças sexualmente transmissíveis, com destaque pelo SIDA.

Os professores têm, também, um papel fundamental no desencadear desses propósitos educativos.

No mesmo estudo, sublinha-se que “(…) sem uma mudança cultural que valorize a rapariga, não será possível produzir mudanças substanciais e sustentáveis na problemática da gravidez precoce.”

Os políticos e a pobreza

Os políticos estão decididamente no centro de tudo o que se relaciona com a vida do cidadão. São eles quem dirigem o destino de qualquer nação. Esta fórmula não é novidade nenhuma, para os comuns dos mortais.

Este século XXI, é o século do triunfo das tecnologias de informação, o que nos leva, voluntária ou involuntariamente, a viver, todos, numa designada “aldeia global”, expressão e conceito criado pelo canadiano Marshall McLuhan.

Com base neste pressuposto, basta estarmos atentos ao que se passa no mundo inteiro e ao que nos é transmitido, em cima do acontecimento ou em “tempo real”, através dessa caixa negra e mágica, a que se dá o nome de televisão.

A televisão existe para o «bem» e para o «mal», nesse mundo globalizado e das incertezas. Ela transmite e veicula muitas coisas, algumas que se coadunam com a nossa sociedade e outras que representam o “calcanhar de Aquiles”, para um punhado de pacatos cidadãos cuja pretensão é a de imprimir um determinado ritmo ético e moral, na conduta da sociedade em que estão inseridos.

Muitas dessas situações, consideradas menos recomendáveis, por uma certa elite pensante da nossa praça, são subvertidas de acordo com a mensagem que transmitem, fundamentalmente aos adolescentes e a uma parte significativa da população.

O argumento mais simplista, de alguns cidadãos esclarecidos ou não, poderá gravitar no pressuposto de que esses cenários resultam das consequências inevitáveis do propalado Desenvolvimento. As tecnologias podem contribuir de uma forma significativa para esse Desenvolvimento.

Nascimento[20] (2009) o conhecido historiador e crítico de temas relacionados com São Tomé e Príncipe, é da opinião que “(…) os políticos são-tomenses têm menos força moral para veicularem modelos de comportamento por alegadamente estarem envolvidos nas teias da corrupção.”

Esta é uma forma cáustica, subtil, e aparentemente subjectiva que o autor utiliza para apontar o dedo a uma parte da classe política que tem dirigido os destinos do país, provavelmente desde que as ilhas ascenderam à independência nacional.

O famigerado «Banho», associado à «Boca de Urna»[21], parece ser uma criação execrável de uma franja significativa de políticos do nosso burgo. Será que os meios justificam os fins?

Pensamos que, é olhando, provavelmente, nessa tortuosa direcção que Nascimento[22] (2009) continua frisando que “(…) a pobreza e os esquemas de acesso a bens rateados trouxeram a corrupção, o desregramento moral e o acentuar do clientelismo e, com isso, a descrença no tocante à possibilidade do país ultrapassar os crescentes fossos sociais e erradicar a pobreza.”

Mina sá likêsa pobli[23]

Esta crença de que «os filhos são a riqueza dos pobres» parece continuar a fazer fé nalguns círculos da sociedade são-tomense.

Um número considerado de raparigas continua a ter filhos praticamente sozinhas e o destino é a proliferação de crianças que se vêm no quotidiano, a deambularem sem rumo[24]. Ter filhos sozinhas, significa que os homens, os chamados pais biológicos, não assumem em circunstância alguma, a paternidade dessas indefesas crianças, que crescem como “Deus quer”.

Essas mulheres, grande parte delas ainda adolescentes, quando engravidam, deixam para trás, todo um projecto de vida, que era suposto abraçarem, como forma de sobrevivência. Abandonam precocemente a escola, não conseguem arranjar emprego, restando a possibilidade de ter uma mão cheia de … filhos, de pais (?) diferentes.

Nenhum homem tem a responsabilidade, moral ou de outra natureza, para olhar por esses indefesos filhos.

É, aliás frequente ver-se nas ruas das nossas cidades, nos luchans e nos outros locais, uma criança [a mãe] com uma outra criança [filho/a] nas costas.

A pobreza e a miséria bate-lhes, inexoravelmente, à porta, juntamente com a mãe da moça [transformada, precocemente em avó] que, se calhar, também tem filhos de outros “maridos” que, também, não assumiram.

Este figurino acontece de uma forma quase que sistemática no dia-a-dia da sociedade. De manhã à noite, vê-se imensas crianças a circular nos sítios, sem rumo aparente, devido ao facto de algumas dessas mães, andarem à procura de formas expeditas para sustentarem os seus filhotes.

O mercado informal absorve, em certa medida, grande parte dessas mães transformadas em palaiês [vendedeiras ambulantes].

Nascimento[25] (2009) salienta que “(…) parte da precaridade da situação das crianças decorre da deliquescência dos laços familiares em resultado da prevalência da poligamia e da desresponsabilização masculina. Tais dados indiciam o enorme peso que recai sobre as mulheres. Previsivelmente, as crianças destes lares monoparentais são especialmente vulneráveis à pobreza.”

Algumas causas da pobreza no arquipélago

A pobreza em São Tomé e Príncipe visível na década de 1970 e acentuada na década de 80 do século XX parece residir em causas, que se poderá considerar de alheatórias, tais como:

– as políticas mal direccionadas [que geram instabilidade, golpes de Estado, quedas de governo];

– os Programas de Ajustamento, imposto por organismos internacionais;

– o desemprego;

– a baixa escolaridade

– a pouca apetência para o desenvolvimento de formas de trabalhos considerados pouco “nobres” [sequelas herdadas de outras épocas].

Grande parte dos indivíduos que circulam nas cidades [capital -– São Tomé e Santo António – Príncipe] chegou a esses centros vindos integrados num «pacote» que se poderá chamar de êxodo rural. Este autêntico «exército» veio à procura de “espaços”, sobretudo, na cidade e nos seus arredores buscando formas de vida «clássicas» para sobreviver.

Este mar de gente é na sua esmagadora maioria, composta por jovens com e sem escolaridade mínima, sem qualquer tipo de formação profissional, vivendo num turbilhão de incertezas que, recorrem a expedientes de toda a natureza como forma imediata de sobrevivência nesse «meio» -–  que lhes é estranho e hostil – que é a cidade, para se safarem no dia-a-dia.

As aspirações dos são-tomenses?

Em 1998 foram diagnosticadas como sendo “as principais aspirações dos São-tomenses”[26], 16 itens distribuídos pelos domínios Social, Político-Institucional, Económico, Ambiental e de Infraestruturas como a seguir se indicam:

No domínio político-institucional

1 – Um Estado de direito democrático consolidado e estabilidade política.

2 – Aparelho do Estado organizado e bem estruturado.

3 – Boa Governação.

4 – Sistema jurídico e judiciário eficiente e eficaz.

No domínio económico, ambiental e de infraestruturas

1 – Existência de um plano de desenvolvimento a médio/longo prazo.

2 – Crescimento económico e sustentado.

3 – Infraestruturas boas e ajustadas ao processo de desenvolvimento.

4 – Aumento da produtividade e da produção e diversificação dos bens e serviços produzidos.

5 – Privatização das empresas e terras do Estado bem enquadrada no processo de desenvolvimento sócio-económico.

6 – Sustentabilidade da dívida e redução da dependência externa.

7 – Meio ambiente são e equilibrado.

No domínio social

1 – Reforço da identidade cultural e moralização da sociedade.

2 – Boa qualidade de vida.

3 – Cuidados primários de saúde garantidos à população.

4 – Sistema educativo adaptado à realidade dos são-tomenses e às necessidades do desenvolvimento.

5 – Uma política contra a exclusão social.

A identificação destas aspirações decorreu da frequência com que as mesmas aparecem nos ateliers e entrevistas, e da sua implicação e impacto no contexto nacional.

A primeira leitura que se poderá fazer desta espécie de «carta» de intensões reside no facto de que os são-tomenses também têm pretensões [legítimas] a ter uma vida com dignidade e com alguma qualidade, e aspiram ser governados de uma forma equilibrada.

Depois dessa pequena reflexão feita serenamente e com a tranquilidade [quanto baste] pensamos que deve haver em São Tomé e Príncipe, uma plataforma que arraste os políticos de todos os quadrantes, para uma tranquila e objectiva “concertação partidária”.

Há que juntar as forças políticas das Ilhas, dialogar e construir um vasto Programa que tenha como objectivo principal a reforma partidária.

Não se deve perder de vista que os partidos políticos são a “espinha dorsal” dessa democracia que assumimos sem complexos, sem pruridos, nem qualquer tipo de constrangimentos, enquanto povo, enquanto nação. Esse será um dos caminhos, que nos parece viável para mudar o rumo do nosso país.

Há que construir um São Tomé e Príncipe com mais Justiça, mais Dignidade, mais Solidário.


[1] «Homé kú fómi  dá Dêssu kú fáka». Expressão da língua forro, que quer dizer que, a fome é sempre má conselheira, para qualquer ser humano. A tradução a letra dessa expressão, é «um homem com fome é capaz de atacar Deus, utilizando para isso uma faca».

[2] Flagelo de acordo com o dicionário significa, castigo; tormento; calamidade pública, peste; tortura. Pessoa ou coisa que incomoda. “ Novo Dicionário LELLO da Língua Portuguesa” (1996), Lello Editores, 1ª edição, Porto, Portugal, Pág. 864.

[3] SAMUELSON, Paul A., NORDHAUS, William D., (1993) “Economia”, 14ª edição, Editora McGraw – Hill de Portugal, Lda., Lisboa, Portugal., pág. 428.

[4] Realizou-se [na cidade de São Tomé] no dia 7 de Outubro de 2012 (domingo) uma corrida/marcha, veiculada pela RDP-África e consagrada ao Dia Internacional da Erradicação da Pobreza. Essa corrida teve lugar, também em Cascais e Braga (Portugal) em Pemba e na Ilha de Moçambique (Moçambique).

[5] SAMUELSON, Paul A., NORDHAUS, William D., (1993) op. cit., pág. 416.

[6] SAMUELSON, Paul A., NORDHAUS, William D., (1993), op. cit. Pág. 419.

[7] PNUD (1997) “Índice do Desenvolvimento Humano”, pág. 15.

[8] (MICS) Inquéritos de Indicadores Múltiplos, UNICEF, publicado em 2006.

[9] Sobre a pobreza extrema e a corrupção exacerbada, ver AMADO, Lúcio Neto, (2011) “Manifestações Culturais São-Tomenses – apontamentos, comentários, reflexões”, UNEAS, 1ª edição, pág. 192.

[10] A capital do país parece exorcizar de permeio o fantasma [não é o fantasma da ópera] de uma cidade de pobreza [maltratada, esburacada, esventrada] e ao mesmo tempo uma pobreza de cidade [muito lixo nos locais mais emblemáticos como a entrada da cidade, nas praias, nos mercados, etc.]. Enfim, um problema, também de saúde pública.

[11] NASCIMENTO, Augusto (2009) “A difícil luta contra a pobreza em São Tomé e Príncipe”, in Pobreza e Paz nos PALOP, Rodrigues, C., Costa, A. B., (coord.), pág. 232, Sextante Editora, Lda., Lisboa, Portugal, pp. 219 – 246.

[12] Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres (2000) “Portugal, situação das mulheres, 1999”, Presidência do Conselho de Ministros, 15ª edição, Lisboa, pág. 109.

[13] SITAN – Situation Analysis of Children and Women in São Tomé and Príncipe, 2004.

[14] Saltar é a expressão que se utiliza em São Tomé e Príncipe, quando se pretende atravessar a rua.

[15] NASCIMENTO, Augusto (2009) op. cit., pág. 237.

[16] «N’guê tâmén sá Dêssu Mundu». Língua forro cuja tradução a letra é: Os anciãos representam Deus na terra, ou seja eles são os guardiões do Templo.

[17] Existem estudos feitos nessa área, tais como: Berger, A. M. (1983) “The chid abusing family”; Busby, D (1991) “Violence in the family. In Stephen J. Bahr (Ed.) Family research – A sixty-year review, 1930-1990, (vol. 1, p. 335-386) New York: Lexing Books.

[18] Palavras proferidas pelo ex-Presidente da República Fradique de Menezes, em Agosto de 2009, aos órgãos da comunicação social do país.

[19] Médicos do Mundo (2011) “A Gravidez Precoce – Estudo Qualitativo sobre Conhecimentos, Atitudes e Práticas relacionadas com a sexualidade e gravidez entre os adolescentes e jovens em São Tomé e Príncipe”.

[20] NASCIMENTO, Augusto (2009) op. cit., pág. 227.

[21] Sobre o fenómeno do banho e de boca de urna ver a obra de Francisco Silva (2008) “Estórias ao Acaso… da Vida e da Terra – Memórias e Reflexões”, 3ª edição, União dos Escritores e Artistas de São Tomé e Príncipe (UNEAS), São Tomé e Príncipe, pp. 138 -139.

[22] NASCIMENTO, Augusto (2009), op. cit., pág. 222

[23] Expressão da língua do prolongamento social identificado com o forro. A tradução é: os filhos são a riqueza dos pobres.

[24] Essa situação despoletou o conhecido e nefasto, fenómeno de meninos de rua, para o nosso descontentamento. Existe um outro fenómeno que se traduz em crianças que não são registadas por nenhum dos progenitores.

[25] NASCIMENTO, Augusto (2009) op. cit., pág. 238,

[26] “Estudo Nacional de perspectivas a Longo Prazo”, Ministério do Plano e Finanças, Projecto: STP/95/004, Reflexão Estratégica, Setembro/1998, pág. 12.

10 Comments

10 Comments

  1. Deixa governo trabalhar

    16 de Outubro de 2012 at 11:24

    muito grande

  2. peter

    16 de Outubro de 2012 at 11:58

    Para acabar com a pobresa nao e preciso escrever muito assim e so criarem empregos e deixar de dar falsos alarmes dos barcos

  3. Hector Costa

    16 de Outubro de 2012 at 12:00

    Grande reflexão… Epistemologicamente bem sustentado.

    abraço

    • Vila Nova

      16 de Outubro de 2012 at 12:13

      Cada coisa que uma pessoa lê. Epistemologicamente bem sustentada…
      Vindo deste senhor de plágio eu fico desconfiado..
      Xauê…
      Fui

    • Osvaldo Bragança Neto

      16 de Outubro de 2012 at 14:50

      O Senhor Vila Nova demonstra muita ignorância , muita falta de cultura, convido-lhe a se dedicar mais a leitura, sobretudo filosófica,para compreender os termos técnicos que o Hector gosta de utilizar. Dedique-se a leitura do conteúdo do artigo exposto, e não parta para ataque pessoal a uma pessoa que nem está cá para se defender…Que ignorância, Credo!!!

  4. gikitinhonha

    16 de Outubro de 2012 at 12:37

    nao e bom assim

  5. Zumbakuê

    16 de Outubro de 2012 at 12:41

    Está de parabéns, o meu conterrâneo Lúcio, pelo artigo apresentado.Um trabalho que os nossos políticos deveriam ler e interiorizar.
    Muitos parabéns e traga-nos mais trabalhos de pesquisa e reflexão sobre o nosso país.

  6. Zugú-Zugú

    16 de Outubro de 2012 at 16:01

    Obrigado Lúcio Amado. A alcunha do AMADO é para AMAR. prossiga com lições físicas da mentalidade. Força.

  7. Filipe Samba

    17 de Outubro de 2012 at 6:02

    O Grande crime da nossa sociedade é que as crianças tornarem-se baços
    Os pobres são bovinos, mancos, de olhos de chumbo
    Não é que morram de fome, é que morrem de fome sem sonhar
    Não é que semeiem, é que que raramente colhem
    Não é que sirvam , é que não têm deuses a quem servir
    Não é que morram, é que morrem como ovelhas
    Chega-se, assim, a esse terrível período em que o governo nada mais espera dos homens e em que os homens nada mais esperam dos governos, época fatal em que o sopro de uma criança pode derribar um estado
    O mal atinge o auge quando os que mandam perderam a vergonha porque, justamente nesse momento, os que obedecem perdem o respeito.
    Por ser corrupto o seu sistema eleitoral favorece largamente os menos capacitados

  8. Féde ká Dóxi

    17 de Outubro de 2012 at 9:12

    Lúcio, caro amigo.
    Sabes perfeitamente que nem toda a gente tem a paciência de ler artigos extensos nos jornais.
    Deves ser suscinto e muito resumido. Assim a gente pode ler o teu artigo, dar sugestões e incentivar-te a outros.
    Mas assim não dá. A gente tem outyras tarefas.
    Embora não tenha lido na totalidade o teu artigo. Gostaria que fizesses uma pesquiza e escrevesse um artigo sobre: A causa da pobreza em S.Tomé e Príncipe no Sec XXI. No tempo Colocial não havia muitos pobres em S.Tomé e Príncipe. Havia sim Carenciados. Quero ler-te sobrte este tema. Temos que reduzir os ladrões de cabra, galinha, pato e banana. Aí tu passrás a ter carenciados e não pobres, como o temos e a cidade inundada de mendigos a todos os níveis. Um abraço

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