Opinião

MANO, ROUBARAM O NOSSO SONHO?

É minha opinião que somos um país pobre, do terceiro mundo. E já perdi as esperanças com a venda aos americanos do nosso petróleo, e por isso, há mais de 10 anos que não acreditava que o papai Noel viria algum dia. Essa realidade, em STP, sempre foi para poucos. Nós pulamos a fase do encanto do Natal, com o desaparecimento do sonho petro-dólar! A plenitude da burguesia do gosto atingiu muito poucos em Africa. E ver glamour no Natal é como gostar de jazz, de futebol americano. Empolga alguns, mas não a maioria…

O nosso Natal é quente, não tem neve nem roupa pesada. Por isso mais vale irmos descobrindo o nosso jeito de ver o Natal além do glamour do ideário burguês- como é tão forte nos países do norte europeu. O nosso Natal parece mais o retratado no programa do Chavez. Muito pobre e cheio de esperança no futuro..!

Pela tristeza minha há muito tempo não tenho Natal na minha terra… E não foram as pessoas que afastaram-se de mim… Eu fui me recolhendo, como se não quisesse ver mais ninguém. Entrei na casca como um búzio. Minhas amizades foram se acabando, sentia uma certa frieza em cada acto humano.  Uns preocupados com assuntos económicos  diziam-me que a sua vida estava à deriva, outros que o seu lucro aumentava assustadoramente, que não se importava com os meios e o que interessava era ficar rico, mastigavam mesmo com dissabores  da vida novos momentos repleto de maravilhas! Continuei me isolando até que sobrara somente minha família que diariamente me consolava sobre a verdadeira amizade: aquela que não tem apego aos bens materiais, são solidárias,  lembram-se da gente quando estamos ausentes e que em nossa curta existência nós ainda iríamos encontrar muitos e muitos amigos de verdade.

Não posso negar que a tristeza tomou conta de mim, num determinado momento, não conseguia de forma alguma terminar meus projectos, tudo ficava por fazer e nas minhas  viagens, e no meio do caminho, algo me aconselhava que não voltasse. Me sentia culpado por ter acreditado naquelas pessoas e  que, de certa forma,  elas teriam  contribuído para arruinar meus planos e conquistas. E que elas teriam roubado meu tempo e minha fé nos homens. Assim, minha autoestima foi caindo, caindo… e quando eu as procurava, diziam sempre ocupadas em seus nobres afazeres, não atendiam meus telefonemas e deixavam-me numa espera interminável ausente de claridade que me levava ao desespero. Mesmo que politicamente correcto (!?!), elas me faziam pensar que era eu quem incomodava e diziam para voltar outra hora, outro dia e quem sabe nunca mais!

Quanta humilhação eu sofri e quantas e quantas vezes me expuseram ao ridículo, somente porque me sentia só e com dificuldades para construir alguma coisa que de tão grande pudesse repartir, dividir, compartilhar com meus semelhantes – com meus iguais! Queria caminhar lado a lado com a multidão e não com eles  sem perspectiva, sem direcção – estes poucos amigos de sonhos impossíveis, das acções desmedidas, dos conceitos absurdos..!

No entanto eles me tornaram indesejável, intolerante, com minha presença fui me afastando e ainda mais ficava desiludido;  para mim   as pessoas foram perdendo aquele  mais simples significado de que  “ninguém é melhor do que ninguém”. E quando tudo parecia não ter  solução, numa noite de insónia um velho amigo que sofreu todo tipo de atrocidades me disse: “tenha fé e não tenha medo, eu estou contigo”.  Por isso, aconselho-vos, amigos, não deixe que nada e ninguém destrua seu Natal, no dia de  nascimento de Jesus Cristo, segundo as sagradas escrituras,  pois há um Homem que põe fim a nossa angústia e renova nossa esperança de que ainda há muitas pessoas em que podemos confiar!

Essa concepção de política, tão presente na propaganda difundida pela insignificante indústria cultural dos nossos partidos, alimenta uma série de ilusões e faz parte de uma campanha permanente das classes para impedir a auto-organização dos sectores mais explorados da sociedade, pois vendem a ideia de que o momento privilegiado para que o povo interfira no rumo do país é com o processo eleitoral. Não pretendo estimular o boicote ao processo eleitoral, nem mesmo concordar com ideias que defendem que o processo eleitoral não tem nenhuma importância numa luta pela transformação social. Mas acredito, piamente que, apesar da importância que pode ter uma eleição, ela jamais será o factor determinante para alterar a correlação de forças nas lutas económicas, políticas, culturais e sociais. A política em STP, tal como tem sido apresentada, alimenta a perversa ilusão de que somos todos iguais, temos os mesmos direitos e somos todos livres para determinar o nosso destino. Mas será realística?

Rezemos para que a política sãotomense, neste próximo ano 2014, seja apresentada como garantia e meio para conseguirmos construir um mundo de paz, harmonia e desenvolvimento para todos.  Analisei os vários cenários da realidade sócio-politica como ela se manifesta, posso afirmar que a política  no nosso país tem sido sinónimo de conflito, de confronto, de disputa, de luta entre adversários, muitas vezes desiguais, de luta entre as classes sociais e organizações partidárias. Afirmar isto não é nenhuma novidade, mas reconhecer isto é uma necessidade para aqueles que querem fazer da luta política um instrumento subordinado à luta pela transformação social, uma ferramenta que pode contribuir para a construção de uma nova forma de organização socioeconomica, cultural e financeira de São Tomé e Príncipe.

Sendo assim, fica claro que toda acção política tem um conteúdo e uma finalidade, um objetivo, e que pode trazer melhorias ou prejuízos para a vida de determinados sectores da sociedade e vale a pena lembrar que São Tomé e Príncipe é  propriedade de todos os sãotomenses, e aqueles que tem o poder económico concentrado em suas  mãos, não usem os meios à sua disposicão como políticos para desenvolver mecanismos internos com os seus membros para lograr interesse de grupo, em prejuízo de muitos. Não desvalorizemos este processo, no contrário teremos muita dificuldade em explicar as cíclicas contradições presentes no dia-a-dia dos conflitos sociais em África, com alguns exemplos no nosso pequeno país. O Estado sempre foi  “a forma na qual os indivíduos de uma classe  fazem valer seus interesses comuns”  ou seja, um instrumento de dominação dos “zés-povinhos”. E este filme, é quase constante, últimamente,  ver passar na nossa Assembleia Nacional, pela perspectiva negativa do exercício do poder.

Se é correcto afirmar que a política é a forma como se expressa a desigualdade económica e social criada pela separação da sociedade de senhores e chefes, ricos e pobres, homens e mulheres, separação que tem origem no surgimento de riqueza, podemos chegar à conclusão de que por trás de toda luta política existem interesses contraditórios, antagónicos, ou seja, interesses que defendem os mais ricos ou os mais pobres. Portanto, Senhores Deputados, quando debatemos questões políticas precisamos ter clareza de quais interesses estamos defendendo.

Pessoalmente, já não gostaria ver Deputados da nação vorticoso em coisas sem fundamento, mas sim falar do que de mais importante é para São Tomé e Príncipe. E, muitas vezes, ficam cegos e incapazes de interferir nos conflitos sociais, nos problemas fundamentais das populações, das necessidades dos cidadãos e das famílias nas mais diversas comunidades que acontecem todos os dias. Esta participação ou interferência ocorre de maneira consciente e organizada ou de maneira passiva. Mas hoje assistimos que esta última faz com que o indivíduo seja manipulado por forças políticas, sociais e culturais que não representam os interesses de sua classe. E é preciso que os nossos politicos entendam que nem sempre um indivíduo defende os interesses da classe que pertence, pois uma coisa é a situação de classe, a posição que o indivíduo ocupa no processo de desenvolvimento social, a situação objectiva do mesmo na economia e na sociedade; outra coisa é a posição de classe, que é a iniciativa tomada pelo indivíduo com o objectivo de defender interesses de outra classe, e não os de sua classe originária.

Por isso, é possível encontrar trabalhadores, activistas, militantes partidários e pessoas dos sectores mais pobres da população que defendem ideias e opiniões que estão mais ligadas aos interesses da classe dominante do que aos interesses de sua própria classe. Isto é muito comum durante os processos eleitorais, onde muitos pobres do campo e da cidade votam em candidatos que defendem somente os interesses dos mais ricos.  No entretanto, também é possível acontecer o contrário, onde pessoas que tem origem na classe dominante começam a defender os interesses dos mais pobres, por acreditarem que a actual forma de organização económica e social é injusta e, portanto, precisa ser substituída por uma nova sociedade, com novas relações sociais, de produção e de distribuição de riquezas. Esse facto acontece com menor intensidade, pois sabemos que “as idéias da classe dominante são, em cada época a força material dominante da sociedade e é, ao mesmo tempo, sua força espiritual dominante. A classe que tem à sua disposição os meios de produção material dispõe, ao mesmo tempo, dos meios de produção espiritual”.

Esta afirmação tem algum vínculo com a realidade actual, basta analisarmos os meios de comunicação de massa e o vigor cultural existente, que são instrumentos de difusão das ideias e do modo de vida da classe dominante. Essa lógica perversa de riqueza  – entendido aqui como uma relação social que divide e separa os sãotomenses – criou uma falsa ilusão na sociedade onde todos são estimulados a consumir, mas só uma minoria da população tem condições de satisfazer as suas necessidades. E, estamos perante um grande dilema, infelizmente.

A nossa sociedade é marcada pela desigualdade e pela injustiça, é impossível não haver indiferença. E é impossível ficar sem se posicionar diante dos grandes dilemas que nos afectaram  neste país, durante o ano 2013. Há, necessariamente, uma razão para que 2014 seja diferente. Os indiferentes e os que se auto-intitulam “neutros” estão, na verdade, se posicionado a favor dos que tem o poder económico e político. Sou defensor de criação de uma plataforma de diálogo nacional, e felicito a iniciativa do Presidente da República. É um marco histórico.

Nesta recta final do ano, as minhas palavras são de humildade, compreensão, unidade na diversidade, perseverança, mais trabalho na construção de uma pátria renovada. Aos políticos, aos parlamentares, à toda sociedade civil organizada, a todos, imploro para que tenhamos o dever e a obrigação de deixar um país que seja referência aos futuros filhos de São Tomé e Príncipe, como sonharam os nossos antepassados. A todos, homens e mulheres sãotomenses, jovens e crianças, no país e na diáspora, desejo Festas Felizes e Ano Novo 2014, com muitas renovacões.

Maastricht, Holanda, 23 de Dezembro de 2013.

Júlio Neto

15 Comments

15 Comments

  1. Carlos Moreno-Rádio Nacional

    30 de Dezembro de 2013 at 11:55

    Boa contribuiçao. Li de principio ao fim e gostei imenso. Força irmão e um ano novo repleto de inergias.

  2. Fhia ploco som

    30 de Dezembro de 2013 at 13:24

    Quanto mais distante, menos importante sao as festas do fim do ano. Tudo reduz as quatro paredes, e a solidao.
    Esta e a consequencia daquilo que se vem perguntando: que mal nos fez a Terra?

  3. B-13

    30 de Dezembro de 2013 at 14:48

    Manda-me a consciencia parabeniza-lo meu caro pela brilhante linha de raciocinio,passamos mais tempos a ler coisas futeis e desprovidadas de incentivos e moral neste espaco – pessoas como estas devem escrever mais vezes.

  4. Vane

    30 de Dezembro de 2013 at 15:56

    O Natal é uma farça, assista no youtube a Verdade sobre o Natal e ai n perderás tempo c isso…sobre o desenvolvimento de STP depende de tds, e tb é necessário investimentos pesados em educação e empreendedorismo, caso contrário ficará na mesma!

  5. Sergio Mendes

    30 de Dezembro de 2013 at 21:52

    Compatriota, és um homem de merecido respeito. Tens uma vida completa de experiências e de simplicidade. Não há dúvidas. É sempre muito triste que pessoas como você nunca tenha oportunidade de mostrar as imensas habilidades que tens, um potencial que é muito valorizado noutros horizontes. Até quando que São Tomé poderoso há-de abrir a mente destes politicos sao-tomenses para darem a este cidadão responsabilidades acrescidas? Júlio tenho lido os teus textos, há mais de um ano, vês a realidade de STP por dentro e vês com os olhos de profundo conhecimento. Não perca as esperanças, e não abandone STP, o país precisa de ti. Eu tenho fé que chegará um dia que serás chamado… Você é um quadro competente que o país, infelizmente, não deu oportunidades… Força e vai adiante, feliz ano novo para você também e igualmente a sua família.
    Abraços

    Sergio Mendes

  6. Yure Ramos Pereira

    30 de Dezembro de 2013 at 22:34

    Começaste muito bem, mas acabaste muito mau, quando tu dizes que gostaste da iniciativa do PR, pergunto para te quando mais o país precisou dessa iniciativa ele não o fez, porque não queria Patrice Trovoada no poder,presta atenção não sou patriotico maas sou nacionalista, por amor de Deis não fale dessa figura, foi a pior coisa k nos santomense fizemos

    • S.Tomé Poderoso

      31 de Dezembro de 2013 at 8:34

      concordo plenamente, estou desiludido com a figura de PR!

    • Tome

      31 de Dezembro de 2013 at 21:25

      desculpa, os meus pais sempre disseram-me que a criança que o pai rouba para lhe dar de comer também será um autentico ladrão, portanto tenha mais consciência consigo mesmo os negócios que beneficia o povo ele tem que ser limpo e claro como água da fonte, e um primeiro Ministro tem que prestar contas ao parlamento. Não sei qual é a sua idade, por isso peço-lhe a seus avós no que resultou os rebocados que Carlos Gurgulho espalhava desde cidade até sanatório(pousada macambrala) em Monte café?

      podamo confiença?!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

  7. fg-RESUMO

    31 de Dezembro de 2013 at 9:13

    Artigo revelador de simplicidad lógica e humanismo.

    Onde pecaste apenas a meu ver, foi nesta passagem: ” aconselho-vos, amigos, não deixe que nada e ninguém destrua seu Natal, no dia de nascimento de Jesus Cristo, segundo as sagradas escrituras,”.

    -Pois em 33 anos e meio que Jesus viveu na terra as Escrituras Sagradas, a Bíblia, se quer menciona uma das ocasioes que ela comemorara seu aniversário.Ele só instou as pessoas a transformarem a celebracao da Pascóa, institundo um novo marco pra se comemorar, e se tratou sim da sua MORTE, porque havia de entregar sua vida em favor da humanidade. Lucas 22: 19 em diante.

    Os primeiros cristaos segundo enciclopédias antigas, nao celebravam aniversários natalicios, e o Natal comemorado a 25 de Dezembro, realmente é uma grande actividade pagan mundial.

  8. Lucio Xavier Ceita

    31 de Dezembro de 2013 at 10:19

    muito bem,senhor Júlio Neto pelas considerações, retiro na tua cronica uma parte que achei muito importante depois pra comentar. “Não pretendo estimular o boicote ao processo eleitoral, nem mesmo concordar com ideias que defendem que o processo eleitoral não tem nenhuma importância numa luta pela transformação social. Mas acredito, piamente que, apesar da importância que pode ter uma eleição, ela jamais será o factor determinante para alterar a correlação de forças nas lutas económicas, políticas, culturais e sociais.” fim da citação, quero eu dizer que na porta da modernidade/desenvolvimento existem alguns sapatos sujo que temos que deixar na soalheira antes de entrarmos, não vou ai mencionar todos porque são muitos: 1º temos que mudar de atitudes, 2ºachar que nós somos vitimas e outros são culpados pela nossa desgraça,3ºachar que quem critica é inimigo, 4º para sermos moderno temos que imitar o ocidente,etc, quando fizermos isso estaremos em condições continuar rumo a desenvolvimento

  9. armando

    31 de Dezembro de 2013 at 22:52

    Fica o registo. VALEU!!!

  10. Paulo Santos

    1 de Janeiro de 2014 at 1:03

    Grande reflexao, sim senhor. Julio, espero que os saotomenses compreendam este recado dirigido a todos. Pena o senhor Julio nao estar representando o nosso pais no estrangeiro, as experiencias internacionais que tem, e o seu conhecimento alem fronteiras, seria bom para STP aproveitar. Mas o senhor nao esta ligado ao poder instalado no pais por isso a sua voz nao chegara a estes donos da terra. Felicito-lhe, e tenho muito respeito e consideracao por si. Bom Ano 2014, e nao deixa a terra por avor, porque o senhor e preciso.

  11. J. Pereira

    1 de Janeiro de 2014 at 22:26

    Merece mesmo repeito este cidadão,pela sua simplicidade e abordagem da realidade politica e socioeconomica do nosso país. Não lhe conheco pessoalmente, mas mesmo assim quero dar-lhe os meus parabéns. Estou convicto que um dia hão-de lembrar de si. E o país só vai ganhar; pelo que me parece é uma pessoa com experiencia de administracão publica. Continua assim e está no caminho certo. Um ano Novo melhor para ti.

    Jorge Pereira
    Angola

  12. Barão de Água Izé

    2 de Janeiro de 2014 at 16:05

    Não há sonho que seja realizável se ele tiver por base politicas de Estado e Económicas erradas, alheadas da realidade.

  13. Carlos Francisco

    3 de Janeiro de 2014 at 0:44

    Parabéns, li este artigo e tem mesmo sentimento de nacionalidade e interessado no desenvolvimento do país. Vá em frente companheiro.Seja forte e nao fica com medo de escrever para melhorar nosso país.

    Carlos Francisco

Leave a Reply

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

To Top