Opinião

Provedor de Justiça

Como já referi várias vezes, o Estado, no âmbito das suas funções, realiza prestações em diversas áreas, procurando satisfazer as necessidades das populações.

Realiza a justiça no âmbito da função judicial, através dos tribunais; faz leis, regulando a vida das pessoas na função politico-legislativa, através do Parlamento, consagrando conteúdos que são concretizados pela administração pública.

No âmbito mais concreto, prático e de certo modo limitado (porque a função legislativa é típica do Parlamento), esta função também é desempenhada pelo Governo, porque com o incremento do papel do Estado, gerado pelo advento do “Estado Previdência” e “Estado Social” do pós-liberalismo do séc. XX, este órgão máximo da administração pública, no nosso caso (e pelo mundo fora) passou a assumir funções politicas e legislativas, com as devidas limitações à medida das suas competências constitucionais (artigo 111.º c), e d).

Nesta função politica e legislativa, o Governo estabelece um conjunto de planos, programas e projectos, em suma “Define e executa as atividades politicas, económicas, culturais, científicas, sociais, de defesa, segurança e relações externas…” (artigo 111.º a).

É tudo isso que o leva a ser considerado e incumbido como órgão superior da Administração Pública.

A ideia de provedor de justiça aparece como uma entidade que cuida ou protege os cidadãos dos atropelos, violações e abusos de poder ligados aos seus direitos e interesses legítimos, que podem ocorrer quando a Administração Pública exerce essa sua função, sobretudo quando toma decisões que interferirem com os direitos, liberdades e garantias que são o núcleo essencial dos direitos fundamentais consagrados na Constituição.

Essa figura de “provedor” surgiu na Suécia com significado de “representante do povo”. E passou-se a designar advogado do povo. “De fato, em 1809, surgiram na Suécia normas legais que criaram o cargo de agente parlamentar de justiça para limitar os poderes do rei.” Pois, como se sabe, após o derrube da monarquia absoluta, o Rei que detinha todo o poder do Estado, passou a ocupar-se, exclusivamente, do poder executivo (administrativo), logo foi necessário que se criasse o Ombudsman para proteger as pessoas das violações dos seus direitos

Tendo evoluído mais ao nível do ocidente, essa ideia que se converteu em Provedor de Justiça passou a entrar no léxico politico e jurídico de muitos países, e, nos Palop’s, existe em Angola e muito recentemente em Cabo Verde. Obviamente, com toda a frontalidade, tenho de dizer que a pujança que essa instituição tem na Europa não pode ter (pelo menos ainda) noutras paragens, dado o baixo grau de desenvolvimento democrático, ressalvando-se algumas excepções.

Um coisa é contemplar na lei uma determinada instituição, outra é fazê-la funcionar segundo o rigor e a essência que historicamente inspirou a sua criação.

E essa instituição é tão funcional e eficaz quanto maior for, primeiro, o grau de democraticidade de cada país; segundo a qualificação dos homens que a integram; terceiro, as condições financeiras, técnicas, de equipamentos, etc., sem esquecer da chamada “vontade política” de fazer e ver funcionar uma instituição dessas.

Para uma ideia resumida do que é essa tão importante instituição, transcrevo o artigo 1.º do Estatuto do Provedor de Justiça de Portugal “Lei n.º 9/91, de 9 de Abril: “ O Provedor de Justiça é, nos termos da Constituição, um órgão do Estado eleito pela Assembleia da República, que tem por função principal a defesa e promoção dos direitos, liberdades e garantias e interesses legítimos dos cidadãos, assegurando, através de meios informais, a justiça e a legalidade do exercício dos poderes públicos.”

Como se vê, pela sua importância e estatuto dentro da vida pública, é uma entidade que tem de obter consenso parlamentar para a sua eleição com maioria de 2/3 de deputados presentes, desde que superior à maioria absoluta dos deputados em efetividade de funções”.

O que parece curioso é que o Provedor de Justiça que deve velar pela protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, não integra o poder judicial, como foi o caso infeliz em que nós chegamos a atribuir esse nome ao papel do Ministério Público e o Provedor de então (antes da democracia) exercia o poder que hoje pertence ao Procurador Geral República. Foi triste, mas é a nossa história.

O Provedor de justiça situa-se ainda no âmbito do poder administrativo, na Administração Pública, e aparece nesse meio como um conciliador, um intermediário entre esta e os cidadãos, para alertar e evitar apenas que esta atropele, viole ou injustice este nos seus direito.

Com toda essa evolução desde o seu advento na Suécia naquela época que acima referi, até parece caricato o seu papel nesse contexto todo. O provedor de justiça só tem tido poderes de recomendação! Recomenda apenas aos poderes públicos administrativos para não prejudicar os cidadãos nos seus direitos, pelo que, como se pode compreender, para que um ministro ou mesmo um primeiro ministro acolha ou dê tratamento a uma recomendação do P.J., é preciso muita ou alguma cultura democrática, sentido de Estado, muita consciencialização e interiorização no sentido de respeito pelos direitos dos cidadãos e primar pelo funcionamento da democracia.

Porque sendo recomendação que parte de uma queixa que o cidadão lhe apresenta contra uma decisão que prejudica os seus direitos, ele apenas exerce um poder persuasivo, e não decisivo no sentido em que obriga os órgãos do poder a proceder conforme a sua posição.

Parece mesmo caricato! Porquê criar um órgão do Estado que apenas recomenda quando está em causa violação de direitos de um cidadão! E até direitos fundamentais!

A genesis dessa ideia que partiu da Suécia deve ter sido forjado num contextos (lembre-se Séc. XIX!) em que as pessoas nessa época tinham uma cultura, uma consciência do valor da democracia, dos direitos do homem e da própria dignidade da pessoa humana que transcendia o egoísmo e a propensão para o materialismo na convivência social que leva o homem a se inclinar mais pelos valores materiais e, sobretudo pessoais, em detrimento daqueles valores e princípios que engradecem qualquer sociedade imbuído na ética e na moral que levam ao bem comum, ao interesse pela colectividade.

Já há uma grande expansão dessa instituição tão importante no funcionamento do sistema democrático de tal modo que há várias organizações internacional com esse objectivo e que se fundam na “Declaração de Paris”, tais como ……….., sendo, portanto, essas instituições chamadas de “Instituições de Direitos do Homem”, tal como inclusive existe em Portugal.

O papel do Provedor de Justiça que é tão importante numa democracia, que o seu estatuto é equiparado ao do ministro, como se faz em Portugal (artigo 9.º (Honras, direitos e garantias).

É um papel de intermediário entre a Administração Pública e os cidadãos em que, com as suas recomendações perante as queixas destes, funciona como um contrapoder, como já o classificou o antigo Provedor de Justiça, O eminente jurista Meneres Pimental. E é mesmo um contrapoder! Não é oposição, porque esta é uma postura política de alternância ao poder político. O Provedor apenas “diz” aos poderes públicos: “não maltratem o coitado do cidadão”, corrija o mal que lhe fez! Tem ou deve ter uma força moral para isso.

Interrogar-se-ão, porquê que o cidadão não recorre aos tribunais que têm um poder efectivo que não pode ser contrariado por nenhum poder, mês mesmo o político de seja qual for o nível? Compreende-se bem que o formalismo, o custo, a demora que leva um processo judicial muitas vezes não compadece com determinada situação de emergência que um cidadão pode ter na solução de um problema pontual seu, nem que sejam para ele poder dar um grito de salvação a uma entidade que pode interceder junto da autoridade administrativa que o prejudicou com a sua decisão.

Quero crer que, embora não pude apurar o que dizem as doutrinas e jurisprudência, se um cidadão vê acolhido a sua preocupação em que o Provedor de Justiça recomenda a Administração Pública para reparar o mal que lhe fez, mesmo que a entidade pública não acata ou dá vazão a esse prolema, a recomendação que normalmente é feita por um Provedor competente, já pode ser um suporte bastante forte para, se o cidadão recorrer aos tribunais, ter muita probabilidade de ver a sua situação resolvida, e, na minha perspectiva, com direito alguma compensação pelo tempo perdido em que a Administração podia ter reparado esse dano.

Conhecendo como conhecemos as coisas neste país, no que toca ao respeito e consideração pelos direitos dos cidadãos e o grau de cultura democrática para elevar os valores dos direitos humanos e da dignidade da pessoa humana; a humildade no exercício do poder e respeito por outros órgãos de Estado no exercício das suas competências, não se me afigura aconselhável (pelo menos tão já) pensar-se na criação de Provedor de Justiça em S.Tomé e Príncipe. Mas seria maravilha se o tivéssemos! Mas não vamos criá-lo apenas para o mundo saber que temos um órgão desse e no fundo pode ser um bluff.

Lembrem-se de como tem sido a vida do Conselho Superior de Imprensa que também é um órgão superior do Estado, uma alta autoridade para a comunicação social … o que se tem passado com esse órgão? O seu estado de funcionamento que não é o mais desejado, está a depender dos seus conselheiros? São respeitados e tratados por outros poderes do Estado para lhe dar a atenção devida e empenhar-se para o seu funcionamento rigoroso? Nada! Ainda não estamos preparados para lidarmos com esse tipo de poderes, que são importantíssimos para ma democracia. Eis porque lhes chamam, assim como várias outras entidades, instituição democrática.

Portanto, devemos esperar para vermos como os outros lidam com esse órgão, sobretudo em África, porque na Europa, mesmo a Letónia que é o último Estado que entrou na União Europeia e que também viveu a ditadura do leste (ex-URSS), já tem um nível tal para essas questões que até faz inveja; se também não tivesse nunca poderia integrar a EU, pois é preciso ter um certo grau de democraticidade no funcionamento das instituições democráticas, assim como os direitos do homem, é uma condição sine qua nom para tal.

Doutor Hilário Garrido

15 Comments

15 Comments

  1. Estanislau Afonso

    25 de Fevereiro de 2014 at 9:08

    A ideia de Provedor de justiça é uma boa iniciativa, é um vazio que ainda existe no nosso Estado de Direito Democrático. Mas o meu maior receio é:
    1º Ter provedor de Justiça Partidário, não assumido. Alguém que apenas defende a clientela política.
    2º Ter Provedor de Justiça que defende apenas casos que dá dinheiro em beneficio Próprio e da sua gente.
    3º Temos exemplos de falsos juízes com protecção de Conselho Superior Judicial.
    4º Temos falsos deputados na Assembleia Nacional.
    5º No meu entender, a forma como os juizes de S. Tomé e Príncipe têm vindo a destruir o sistema judicial, não tem a ver com a falta de provedor de Justiça. Mas na verdade tem a ver com a falta de autoridade de Estado.

  2. Maiker

    25 de Fevereiro de 2014 at 10:44

    Juiz Hilário Garrido, vou lhe dar uma aula.
    O senhor não é Doutor.
    O Título de Doutor é para quem tem o Doutoramento.
    Quem possui Licenciatura é Dr.
    Quem tem mestrado é Dr. ou Mestre em…
    Espero que o senhor aprenda.
    O termo correto seria:Dr.Hilário Garrido

  3. Carlos Manteigas

    25 de Fevereiro de 2014 at 14:52

    Meu Deus!!
    Se ainda não temos quadros técnicos especializados para entrarem no mercado de trabalho, ai mesmo a nossa frente. Refiro-me, por exemplo, Bioquímicos, analistas de sistemas, Soldador, eletromecânico, etc., para a plataforma de petróleo, Químicos industriais, não me refiro aos professores de química e física. Vamos para PROVEDOR. CONVENHAMOS

  4. Lima de Carvalho

    25 de Fevereiro de 2014 at 15:52

    Na matéria do direito só fala quem sabe!!!

  5. Carlos Manteigas

    25 de Fevereiro de 2014 at 23:41

    Doutor, como escreveu pode entendido, como Dr, e não PhD. PhD, sim filosofia do doutoramento.
    Dar aulas é preciso preparação.
    Direito é tudo menos o que fazemos em STP, por isso concordo que não seja imprescindível o Provedor por agora, Temos coisas amais urgentes. Reagentes para laboratórios da EMAE, Autoclaves, pipeta, tudo de ensaio, testes, medidor de ph. e técnicos. Policias formados, com licenciatura, mínimo para ingressar nas fileiras do que provedor. Uma opinião!!!

    • Maiker

      26 de Fevereiro de 2014 at 15:47

      Quem tem apenas licenciatura nunca pode escrever “Doutor” sim “Dr.”
      E num artigo de opinião, coloca-se apenas o nome e diz se for necessário “Formado em …ou Mestre em.. ou Licenciado em…

  6. Fókótó

    26 de Fevereiro de 2014 at 9:33

    Antes precisamos de um bom sistema judiciário.
    Sabe-se que existe um processo no Ministério Público, que não ata nem desata, contra um juiz do tribunal da 1ª instância por ter violado a sua enteada.
    Este homem é useiro e viseiro nessa prática mas que nunca foi condenado como os outros cidadãos, que por sinal, ele próprio tem condenado pesadamente.

  7. mana

    26 de Fevereiro de 2014 at 9:39

    Senhor Presidente Pinto da Costa. Não seria uma má ideia nomearem o doutorzinho Hilario Garrido para as funções de Provedor de Justiça. Essa função iria permitir-lhe continuar na sua habitual ociosidade na residencial Avenida, sem fazer NADA. De resto,não teria encargos par o Estado, isto porque, o nosso doutor é especialista em pedir APOIO. Ele iria escrever cartas para Libaneses, os Nigerianos, Embaixadas, Bancos e Seguradoras, e por todo canto a pedir APOIO, como de resto, tem feito na sua função de Juiz e despacharia as reclamações dos cidadãos diretamente sentado na Avenida. O Homem já foi Juiz do Tribunal Constitucional nomeado pelo Fradique. Agora pode ser perfeitamente Provedor de Justiça. Reúne todas os requisitos para as funções de “faz de conta”

  8. cesaltino

    26 de Fevereiro de 2014 at 10:02

    “O Estado, no âmbito das suas funções, realiza prestações em diversas áreas, procurando satisfazer as necessidades das populações”. Pois, granda dica, sempre as mesmas caras, mesmas conversas.

  9. Barão de Água Izé

    26 de Fevereiro de 2014 at 13:43

    Como pode o Estado satisfazer as necessidades e carências do povo se STP não tem Economia sustentável? Onde vai o Estado obter receitas que lhe permitem executar o que é seu dever básico, por exemplo saúde? Provedor de Justiça, quantos mais doutores assessores, instalações, energia, comunicações, viaturas, etc…, de onde vêm os recursos para sustentar essa nova entidade? Deixemo-nos de fantasias. Caro Dr. Hilário Garrido, o sr. tem conhecimentos para isso, avance antes com uma abordagem sobre nova Lei das Terras que considere a privatização geral, para a Economia poder alimentar o povo Sãotomense e então poderá surgir o tal Provedor.

  10. HILÁRIO GARRIDO

    26 de Fevereiro de 2014 at 16:18

    Telanon perde prestigio porque os vandalos, pulhas e escumalhas que se refugiam no anonimato (é caracteristica deles)só sabem denigrir as pessoas que gostam de por o seu pensamento na rua (liberdade de pensamento e de expressão)na melhor intenção. Esses bestas que ña maioria são pessoas que residem em S.Tomé e as vezes estão connosco no dia a dia como amigo… e vingam o espirito maligno que nutre contra o seu “colega” “amigo”. Eis a expressão mais elucidativa da SANTOMENTITE MENTAL. A mas eles não são culpados. Culpado é telanon que não reunie condições para filtrar essas bandalhas e dar lugar aos criticos da matéria em causa, contrariedade, etc. e atingir a honra e o nome das pessoas. INTERNET EM PAÍSES ATRASADOS VEIO IMPLANTAR IMPUNIDADE E MUITA LIVIANDADE.

    POR MIM TALVES NUNCA MAIS ESCREVA PARA O TELANON.

    • Dias

      28 de Fevereiro de 2014 at 7:46

      meu caro amigo garrido tem toda razão: A internet no país atrasado veio implantar impunidade…., mas o senhor não se esqueça que a democracia criou vários órgãos de soberania e a impunidade reina. tudo isso só acontece no país atrasado. Meu cara amigo não se ralhe com isso, O Sr. tem é que ter estomago para digerir essas frutas.

  11. Cidadão ( Filho da Terra)

    27 de Fevereiro de 2014 at 9:28

    Sr.Hilário Garrido Por favor!!!
    Para sua personalidade não seria muito correto dizer que a Internet em Países atrasados veio implantar a impunidade…
    Acredito que também que no País existe muitas pontos fora do eixo que devem ser recolocados nos eixos… e só depois de nós nos organizamos, sim pensar-mos-emos em Provedor.

  12. Luís Dondoia

    7 de Março de 2014 at 4:39

    Sr Dr Juiz Garrido …
    Até gosto de si como magistrado formado na Europa e no CEJ ( Centro de Estudos Judiciarios – Portugal)
    Mas convenhamos já está a colocar a carroça a frente dos bois.
    Se ainda sequer temos um Tribunal Constitucional autonomo limitando ou condicionando o escalão de recurso das diversas querelas ?
    Ninguem veste a farda de duas Instituições e despois dá o dito por não dito .É por isso e por tudo que o nosso País paralizou desde de 1975.
    O Sr parece-me ser uma pessoa de bem .
    Lute pela autonomia de um tribunal constitucional bem
    longe do supremo
    Reformule as comarcas judiciais
    Ajude a agilizar a administração da justiça
    Lute pela separação dos Juízes do MP dos da Magistratura ( são visões e carreiras diferentes como o Sr bem sabe)
    Isto é que deveria ser VERDADEIRO Dialogo Nacional.
    MUDAR PARA MELHORAR
    Escorraçar a incompetencia , ocompadrio e o amiguismo para começar

  13. Quem conhece...

    9 de Março de 2014 at 12:15

    O Sr. Hilário Garrido, tem razão de dizer essa disparidade de que Internet nos países atrasados implanta impunidade e muita liviandade!… Claro ele cresceu na obscuridão e viveu na obscuridão lá em Pontôbô freguesia de Guadalupe. Uma vez que teve a oportunidade de aprender o a,b e c da justiça já acha ser muita gente, mas não passa de um pé rapado. Se o nosso país é atrasado porquê que ele ainda continua aqui?!…Ou será que esse senhor é um doente mental?…Senhor mal agradecido.

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