Opinião

“O sistema político atual retrata a nossa escala de valores”

Eugénio Domingos a partir de Paris-França, analisa o cenário político são-tomense, após a auscultação pelo Presidente da República da população da sua região natal, São João dos Angolares.

É na sequência da reunião de auscultação da população do Distrito de Caué, realizada pelo Sr. Presidente da República no passado dia 4 de Março que venho opinar, enquanto jovem nascido nesse distrito embora vivendo na diáspora.

Depois de visitar o país em Agosto do ano passado e tendo em conta as opiniões das gentes do sul, não posso deixar de continuar a compartilhar com todos os meus pensamentos.

É indiscutível que os partidos políticos são nos dias que correm tendo em conta a própria marcha da humanidade, um instrumento fundamental para a participação política. Porém, é indispensável que as suas estruturas internas e funcionamento sejam democráticos. Depois do regime monopartidário, o multipartidarismo foi muito bem recebido em São-Tomé e Príncipe. Não obstante, houve uma deriva dos aparelhos partidários sobre os militantes e votantes. Tem havido sucessivamente luta pela obtenção do poder pelo poder mais do que propriamente a sua administração equitativa.

Os dois principais partidos (MLSP-PSD e PCD), a espaços o ADI, são os responsáveis na ocupação do poder constituído e utilizam o partido para colocar gente em todo o aparelho do Estado. À partida, os lugares estão adulterados. A sua avidez pelo exercício do poder não lhes deixa tempo, nem vontade, para aprofundar a sua democracia interna e abrir o partido à sociedade civil como é devido e esperado.

O sistema político atual retrata a nossa escala de valores. Tem-se acesso ao poder por via da democracia mas não se democratiza e iguala as oportunidades. Os partidos têm uma democracia interna muito estranha, quando comparada com as máximas sustentadoras do sistema democrático.

O sistema político está numa encruzilhada, impõe-se lucidez para perceber que temos de adaptar o nosso quadro constitucional à evolução da nossa sociedade e do mundo contemporâneo. Os cidadãos querem votar em pessoas e não em nomes de pessoas encapotadas de capote partidário, as vezes a margem dos méritos, sejam para presidente de câmara, deputados, primeiro-ministro e membros do Governo. Os são-tomenses, verdade seja dita, tem vindo a demostrar de forma bizarra dificuldades em assumir nas suas próprias mãos o seu destino. Exige-se de todos resultados e refutação ao que não parece aceitável.

Pede-se com insistência que envidemos esforços no sentido de fazer subir política ao patamar do “Novo Mundo”; onde os políticos e ou «cidadãos com vontade em assumir responsabilidade visando funções que se prendem com os sectores estratégicos», devem ser submetidos a avaliações criteriosas e sob um controlo serrado sem margens para brincadeiras (não quero aqui referir-me a perfeição, mas sim tendermos à ela). A política já não é uma questão de democracia e partidos, mas sim de evolução, realizações concretas e de sociedade civil. Na política se exige capacidade de mandar, cintura, inteligência e um bom critério para decidir sustentado por uma administração pública de proximidade onde a comparticipação e co valorização de todos são-tomenses sejam eles de sul ou de norte, com formação superior ou não, evidenciam responsabilidade e compromisso com o bem-estar de todos.

Assim sendo, torna-se urgente a necessidade de se aperfeiçoar os mecanismos de funcionamento das instituições estatais para que elas possam desempenhar verdadeiramente o seu papel.

Respeitando a logica da minha análise, entendo que urge a necessidade d´uma reforma judiciária tendo em atenção todos os Distritos, sem que as teorias maléficas que têm caracterizado as grandes decisões no nosso país possam mais uma vez atrapalhar tudo. Não se esquecendo de dar atenção ao atual mapa judiciário à margem dos malabarismos político-judiciais indiscutivelmente evidentes e instituídos.

É inaceitável a tamanha desigualdade d´oportunidades entre os Distritos, o que demostra e bem trata-se d´um pais de funcionamento deficiente ou se quiserem com mobilidade condicionada.

O que significa afinal poder local para o nosso escol político?

Indiscutivelmente uma trapalhada de difícil resposta.

Contudo, entendo ser útil alteração do sistema, tentando evitar que a maioria dos são-tomenses continue a encarar a classe política com inquietação. Sendo necessário uma profunda reforma a fim de reverter a distância abismal entre os cidadãos e os políticos. Enquanto os cidadãos continuarem a ver os políticos como um mundo à parte, a distância vai-se adensando cada vez mais.

Queremos uma democracia mais participativa e na constante defesa do Estado de direito, através da separação de poderes. Votar, manifestar e participar é importante, mas os resultados obtidos que têm ficado aquém do que se pretende não devem continuar a ser incentivo ao afastamento das pessoas assim como um cansaço evidente quer dentro como fora do país.

Algo está a falhar estrondosamente, basta ver as últimas desinteligências político-partidárias. Meus senhores; trata-se somente de pensar. Pensar no sentido socrático, decidir, ser capaz de refletir e fazer os nossos juízos de valor. Se os nossos políticos e gentes dos partidos refletissem com o mínimo de sensatez e prudência, davam conta do que se está a passar. Desnecessário é auscultar a população e ou discursar bonito, quando se vive no país e se conhece a realidade, a menos que não se está a desempenhar a função com a devida responsabilidade; (STP- é muito pequeno para tamanha disparidade o que me faz comparar sistematicamente os comportamentos dos nossos políticos aos dos Ultracatólicos dos anos 1576 da monarquia francesa (Partido: la Ligue de la Sainte-Union), no fundo, tais comportamentos se enquadram aos dos dirigentes da Europa antiga (entre finais do século XVI e ao longo século XVIII)).

Ainda não perceberam que “o poder sem resultados não vale a pena ser assumido”. É lamentável andar-se pelas ruas ou mesmo pelo mundo dizendo: fui Primeiro-ministro, Ministro, Presidente da Câmara, e porque não! Presidente da República quando os resultados por si só continuam sem sessar a perigar o futuro de todos até mesmo de si.

Podem estar no poder e ter altos cargos, mas não passa disso. É muito importante saber-se como se chega a esse cargo, a forma como se exerce esse cargo, por fim, a forma como se sai desse cargo. Faz-me pensar que é preciso no país, começar-se a valorizar com «prémios de mérito do próprio Estado» os bons exercícios dos cargos públicos em detrimento dos maus, para que os responsáveis das políticas falhadas e delapidadoras dos bens públicos comecem a ter no mínimo vergonha das suas ações.

E por fim deixo para vossa reflexão: Não basta sermos dirigentes, e falarmos bom português ou apresentarmos bons projetos quando os resultados preconizados não passam de autênticos desastres. Falar e escrever bom português por si só não constitui panaceia para a resolução dos problemas do nosso país. Se assim fosse, Portugal estaria na linha de frente do desenvolvimento e da industrialização.

Obs.: Este texto foi escrito com base no novo acordo ortográfico.

Eugénio Domingos – Paris

8 Comments

8 Comments

  1. Lima

    7 de Março de 2014 at 9:32

    Olá meu caro colega,

    Gosto de saber que continuas a “pensar S.Tomè”. Numa nota muito breve gostava de dizer que apesar do diálogo não resolver os problemas do nosso país, sempre é preferível em detrimento da confusão, da falta de entendimento. Se a intenção do PR é de fato compreender as reais preocupações do povo e em consenso com os os partidos políticos, parceiros sociais e a sociedade civil em geral encontrar soluções, não me parece que faça mal.

    No entanto e tal como tu dizes, importa saber o que fazer depois desses encontros, depois do diagnóstico feito.

    Espero que tu estejas bem, junto da tua família.

    Um grande abraço

    Daniel Lima

  2. Franco de Almeida

    7 de Março de 2014 at 19:45

    Senhor Hélder Lima!
    Também estou de acordo contigo, mas tudo de mas é molesta. Por isso, antes mesmo que o Sr. Eugénio responda quero convidar-te a ler e tentar compreender a reflexão da Sra. Dra. CLARA FERREIRA ALVES:
    – “Um dos equívocos da democracia na era da cultura de massas é a interiorização do cinismo e da amoralidade como duas características dos aspirantes a Maquiavel.”
    Só se estás a tentar engraxar Pinto e os do teu rancho. Espero que não seja folclórico. Força Sr. Domingos, temos que aprender a chamar os problemas pelos próprios nomes.

  3. Franco de Almeida

    7 de Março de 2014 at 19:51

    Desculpe.Quis dizer Daniel Lima e não Helder Lima.

  4. Eugénio Domingos

    8 de Março de 2014 at 12:59

    Meus caros amigos!
    Não quero que as minhas singelas contribuições, se transformem em palcos de discórdias. Antes pelo contrário, procuro apenas compreender o invisível porque o visível já está no ângulo das nossas visões. Espero que compreendam.
    Obrigado

    • Carlinhos

      8 de Março de 2014 at 19:13

      Bom texto, sim senhor. Continue meu caro. Num país onde poucas pessoas ousam fazer o que o senhor faz eu só tenho de lhe agradecer o gesto e a coregem. Como não é um hábito entre nós escrever, partilhar opiniões e ideias e refletir, ainda é normal que existam pessoas que tentam matar esta forma de manifestação de cidadania por medos, complexos, interesses instalados de natureza partidária, económica e de outra espécie. Muito dos comentários refletem esta tendência. Uns por atitudes que acabei de descrever e outros ainda por ignorância o que é ainda mais grave embora compreensível. Mas, enfim, é o país que temos infelizmente. Em vez das pessoas serem encorajadas a escrever são criticadas pelo facto de ousarem escrever e refletir. Como é que a democracia pode funcionar com estas inmperfeições? O pior é que estes expedintes partem muitas vezes do interior dos próprios partidos políticos. O pior que podemos fazer é tolerar esta ignorância em vez de combatê-la escrevendo mais vezes.
      Bem haja
      Carlinhos

  5. Seabra

    8 de Março de 2014 at 23:28

    Eis uma análise feita de modo coerente e inteligente. Apreciei ler o seu artigo…tem tronco, membros e pés. Tem lógica e Bom senso, que qualquer um compreende o que se passa politicamente no seu país STP. Muito obrigado. Parabens e boa continuação ! Seabra

  6. Ralph

    10 de Março de 2014 at 12:26

    Esta é uma boa tentativa de abranger um tópico muito difícil. Os problemas de desenvolvimento são muito difíceis e complexos e não podem ser resolvidos facilmente. Concordo com o autor que os valores sociais num país influenciam muito o sistema política desse país. É difícil ter um conjunto de instituições que respeitam e aplicar o domínio da lei quando a maioria da população lutam diariamente para se alimentarem. Nesta situação, é compreensível que os políticos sejam corruptível e não tenham os interesses do povo nas suas cabeças.

    Mas é possível melhorar a situação porque outros países já fizeram isso. Tem-se de ver o que acontecia nos países que conseguiram melhorar-se muito para ficar mais desenvolvidos. Por exemplo, são a Singapura, Coreia e a Malasia, entre outros. Mas na minha opinião, isto envolve um processo gradual e prolongado que requere a paciéncia de todos envolvidos. Contudo, o autor já apontou várias coisas que devem ser mantido em mente durante o processo.

  7. Ralph

    10 de Março de 2014 at 12:40

    Outra coisa – a situação pode ser muito pior. Em países como a Coreia do Norte, um artigo como isto que desafia o sistema governmental não iria ser permitido. Os manifestantes daqueles países, muitas vezes, estão colocados na cadeia. Pelo menos, vocês têm a liberdade de falar sobre a situação e discutir acerca das soluções mais apropriadas. Isso é um bom ponto do qual se possa começar.

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