Opinião

José Aragão- Uma realidade que se tornou mito

Por: Francisco Fonseca Costa Alegre

       (Escritor, Investigador e Ensaísta) 

JOSÉ (ZÉ) DA VERA CRUZ ARAGÃO: 

UMA REALIDADE QUE SE TORNOU MITO 

1-Apresentação 

ÚNTUÉ- trata-se de um nome vernacular santomense de CHRYSOPHYLLUM ALBIDUM, pertencente a família botânica de SAPOTACEAE que em lugares africanos como Gana, Quénia, Serra Leoa, Sudão, Uganda, é conhecida pela designação inglesa como, “white star apple” ou vernacularmente nestes países citados, ora como mululu, ora como nkalate. 

aragãoO úntué ou untueiro, ou melhor ainda seguindo o postulado científico, o chrysophyllum albidum da família botânica de sapotaceae, é uma espécie de árvore de médio porte e de madeira rija, que na fase adulta atinge 25 à 27 metros de altura. Como reprodutora, ela produz flores que se transformam em frutos de estrutura esférica e pontiaguda na base de cor verde cinzenta de 3 à 4 centímetros de diâmetro, que, ao amadurecer ganha a cor rosa amarelada ou amarelo acastanhado, contendo dentro entre cinco ou seis sementes castanha escura brilhante. 

 O sabor dos frutos sempre viscoso, varia, tanto pode ser doce como pode ser ácido azedo, fonte propícia para se lembrar do Conjunto Musical “Os Úntués” na sua composição “tomá kuidadu bô-ô ku bisku d’úntué”, ou dos seus fundadores originais, que por coincidência eram em número de seis, ou seja, sementes castanha escura brilhante, qualquer coisa que conotativamente podemos designar de crioulos, ou forros partindo de uma base antropológica. Esses crioulos iniciais e que constituíram o núcleo duro da fundação da Banda são: Alberto Morais na viola baixo, António Leite inicialmente na viola ritmo e posteriormente como percussionista, Manuel da Cruz, o conhecido Zé Canzá no reco-reco, Juvenal Lopes como baterista, Leonel Aguiar na viola solo, e Zé Aragão como cantor principal. 

untueEis aí as seis sementes castanhas do fruto Úntué…..que fizeram surgir outras e outras sementes como manda a lei natural da vida. Nesta foto encontra-se o Alberto Neto em vez de António Leite como um dos primeiros elementos que fez parte do núcleo duro inicial que deu corpo ao Conjunto. No entanto, na recolha de dados no terreno fica-se com a sensação de tanto o António Leito, como o Alberto Neto fizeram parte de elementos fundadores. 

2-   Introdução

O MITO e REALIDADE se coexistem ao ponto de no MITO se sobressair o sujeito da Realidade que nos propomos defender, apresentar, ou justificar; a REALIDADE destaca de forma abrangente a causa, a origem, ou a razão do ser do MITO. A primeira vista parece fácil entender este tema, mas dado a complexidade existente na Realidade torna-se por vezes difícil descobrir-se o verdadeiro sentido do mito como unidade (escrito com letra minúscula) ou do MITO como um conjunto (escrito em maiúscula). Uma coisa é certa, assim a queima-roupa dizemos:

O MITO constitui referências histórias remotas ou recentes que exercem influências nas consciências de homens e mulheres de uma determinada sociedade ou conjunto de sociedades.

Desta forma existem vários tipos de Mito, como sendo Mito Remoto, Mito Recente, Mito Material/Imaterial, até mesmo Mito Imortal. A título de exemplo, não poderíamos falar do Rei Amador como um Mito Remoto e imortal, sem falar da República Democrática de S. Tomé e Príncipe como resquícios ou extensão do Monte Camarões existente no interior do continente africano;

grupo os untuesOu como dizem os entendidos na matéria, que ninguém poderá falar de Obama, como um Mito Recente da história da humanidade, sem descrever a razão de ser da história dos Estados Unidos, onde a ascendência/descendência escrava, negritudista e emigrante se realçam;

Ou seja mais especificamente, como a humanidade experimentou no dia cinco de Dezembro de 2013, com o passamento físico de Nelson Mandela (1918-2013) em que o seu funeral transformou-se num misto de sentimento e de exortação salvífica, associado à uma mescla de amostra turística e da história da realidade sul-africana.

Tratou-se assim de um Mito Recente de tal forma que não se pode falar dele sem se ter em conta a história do apartheid, quer se queira, quer não.

A mesma coisa reconhecemos que não podemos falar da história do famoso Conjunto Musical Mindelo da zona de Ôque d’El-Rei, sem falar de malogrado Goudinho, não podemos falar dos tempos idos do Conjunto Musical África Negra sem apontar o nome daquele que hoje é chamado de General João Siría, não podemos falar do Socopé Cluzelense sem falar da emblemática cantora conhecida como Sama vinágli, ou não podemos falar do Socopé Templa Seco da Ilha do Príncipe sem ter em conta Mé Pômbo, como não podemos falar do Conjunto Sangazuza (máma djumba) sem falar de Ayder Índia ou do compositor Cardoso.

Por último mesmo e o que constitui a razão de ser deste ensaio, não podemos falar do Conjunto Musical “Os Úntués”, sem falar do José (Zé) Aragão, falecido a sete de Fevereiro de 2015 e, que nalguns casos não podemos falar desta Banda Musical emblemática, sem falar do nascimento da pátria santomense a doze de Julho de 1975, com a composição histórica “Óla Bandela Subli Mundu Gingá”, cuja partitura sonora enaltece os nossos corações quando a escutamos. Muitas pessoas poderão questionar, Francisco, mito porquê? Tudo porque nunca mais haverá ou surgirá um Obama, ou Mandela ou um Zé Aragão na História, embora digamos que os homens não são insubstituíveis…O cantor Fulgêncio Barros que também marcou de forma pontiaguda a sua época como cantor de Os Úntués, não foi Zé Aragão. Os números e o tempo marcam a vida dos seres humanos nos seus tempos….

É por isso que nos orgulhamos nesta homenagem póstuma dedicada ao Zé Aragão que se tornou um mito recente para as nossas memórias, em descrever o sentido da Bandeira Nacional, símbolo maior da Nação, o qual devemos todos respeito:

A Bandeira Nacional consiste em três barras horizontais, sendo verdes as dos extremos e de igual largura e, a do meio, à qual estão fixadas duas estrelas negras de cinco pontas na barra amarela e de largura igual as duas extremas e a meio delas. Do lado esquerdo destas três barras encontra-se fixada um triângulo escarlate cuja base tem o tamanho do total da largura das três barras (as duas verdes e uma

amarela) e é o lado que fica colada ao mastro. A altura do triângulo escarlate é metade da sua base.

O significado de cada um dos elementos que compõem a Bandeira Nacional resume-se no seguinte:

– duas estrelas que simbolizam as duas ilhas do arquipélago e o seu povo crioulo;

– um triângulo equilátero que exprime o pudor da igualdade,

– a cor vermelha, representa o sangue visível e invisível derramado na luta pela independência,

– no entanto, as cores amarela, verde e vermelha, segundo os especialistas na matéria, são representativas dos movimentos de libertação, ou seja referem-se ao pan-africanismo”.

É esta Bandeira que é venerada na acreditação de Embaixadores, na transformação dos recrutas em maçaricos (ou seja sódé tomadu plontu), na tomada de posse de um Presidente da República, no juramento de novos Deputados. É ela que cobre por vezes a urna na despedida ao descanso eterno de figuras nobres do país, como aconteceu com Alda Graça Espírito Santo, este Descanso em Paz que desejamos ao Zé Aragão. 

3-   O Conjunto Musical Os Úntués 

dfdsfEnfim-hem, tudo o que fazemos, tudo o que nos acontece, como convivemos ou como nos divertimos ou como partilhamos os nossos sentimentos, tem um porquê, até mesmo porquê da apresentação desse texto tem uma razão de ser. Desde a apresentação descrevendo a árvore chrysophyllum albidum da família botânica de sapotaceae passando pela introdução com a visão dos mitos, todos nos apercebemos desta questão que se baseia na razão de ser da existência de um famoso Conjunto Musical com o nome de um dos frutos intrigantes do nosso país: Os Úntués. Porquê e quando começou os Úntués?

A história dos Úntués é longa e interessante. Pode-se dizer que o tempo de vida deste Conjunto ultrapassou três gerações distintas, embora como iremos ver mais adiante houve outros diferentes momentos. José Aragão e Fulgêncio Barros marcaram dois momentos muito relevantes e distintos do conjunto Os Úntués, que Xinha passou a integrar como artista da terceira geração deste famoso conjunto musical. Xinha é o nome artístico de Elsa Maria dos Santos Faustino que foi a primeira voz feminina a editar um disco depois de ter sido também vocalista principal deste prestigiado agrupamento musical do país, Os Úntués, já na sua fase terminal.

Cronologicamente falando podemos dizer que o grupo teve os seguintes momentos:

1965-1966– Nome e nascimento. Segundo o advogado André Auréliano Aragão o nome “Os Úntués” é da autoria do Dr Emílio Sardinha concunhado de Zé Aragão. Com a criação do Conjunto, uma das letras escritas por Orlando Graça, o conhecido “Ôssôbô”, originou que Zé Aragão fosse convidado a visitar as instalações da PIDE-DGS, na altura.

1969- 1973– Momento de glória do agrupamento do núcleo duro, com exibições no espaço telúrico do Sporting Club de S. Tomé, altura também que após os festejos Quinto Centenário de Descobrimento das ilhas e da Visita do Almirante Américo Tomás em 1970, a Banda é convidada a deslocar-se a Lisboa para produzir discos.

1973-1975– Primeira fragmentação com deserção de alguns elementos que se deslocaram ao exterior, altura que surge o cantor Fulgêncio Barros seguindo pisadas de Zé Aragão. Mesmo assim, durante esta fase transitória, Zé Aragão ainda assumia como líder da Banda, daí a oportunidade do surgimento da emblemática canção “Olá Bandéla subli” de que ele é eternamente lembrado.

1976-1983– Fulgêncio Barros com outros novos elementos que até se deslocaram ao exterior do país.

1983-2001– Regista-se um momento com Dany Aguiar e uma cantora a residir agora em Bruxelas, irmã de Frederico Gustavo dos Anjos.

2001e na fase terminal, regista-se a presença de António Garrido e Xinha conforme já foi referido anteriormente.

Muitos dizem que Os Úntués é um agrupamento sucessor do famoso Conjunto Leonino, produtor da composição musical GANDÚ e Leonino Flá ê Péma, mas os próprios fundadores comentam que por um lado possa se dizer que sim, considerando as ligações familiares de uns e outros, mas que “Os Úntues” nasceu de um personalidade própria e fez o seu percurso próprio sem atender a essa suposta ligação. O investigador, o historiador, tem a missão exclusiva de registar os factos em memória e não comentá-los extemporaneamente.

Zé Aragão                                                                    F. B.                                       Xinha

 

4-   Zé Aragão, a personalidade exemplar

Se o Escritor é uma personalidade artistico-literária e/ou científica individualizada ou que se individualiza entre o fascínio da História e as demandas elegantes da Realidade presente enquanto revelador de pensamento e divulgador irredutível do exercício da cidadania em épocas estanques; o que descrever sobre um Cantor-hem? Olha, eu nunca cantei, só dedos sobre a mesa tamborilei e tamborilo quando escuto canções. Mas opinando neste artigo, um Cantor não passa disso, trata-se também de uma personalidade artístico-musical que em conjunto com os seus pares exaltam o seu tempo em memória, com arte ciência.

Seguindo as descrições de Frederico Gustavo dos Anjos recolhidas telefonicamente no dia 27 de Fevereiro, José Aragão foi um modelo de homem que viveu o seu tempo. Personalidade íntegra que podia ter os seus defeitos como qualquer ser humano, mas ele era respeitador e humilde, recto nas suas posições. De facto sim, bastava vermos mesmo depois do Conjunto Os Úntués extinto, as suas intervenções como cantor junto das diversas bandas musicais.

Filho de André Teixeira da Fonseca Aragão e de Ana da Vera Cruz, mais conhecida por Belina, foi admitido no seio da Humanidade de que fez parte, no dia 22 de Maio de 1941 na zona de Pótó-Pótó, freguesia da Conceição, vindo a despedir-se desta Humanidade, cumprindo a lei da vida, no dia sete de Março em Lisboa por motivos de doença. Trabalhador abnegado por onde passou, nomeadamente, as Alfândegas e Aeronáutica Civil como Controlador de Tráfego Aéreo, era muito querido pelos filhos e admirado pela população.fgdgd

5-   Conclusão 

As ilhas de S. Tomé e Príncipe no seu mundo botânico são extremamente ricas pela diversidade de ervas, plantas e árvores que torneiam a sua estrutura vegetal constituindo segundo os investigadores da matéria, mais de quarenta tonalidades de verde do país atlântico do Golfo da Guiné. Muitas dessas ervas, plantas e árvores dado a importância real ou mítica ganham por vezes dois ou mais nomes segundo as circunstâncias na utilização ou importância.

Por exemplo o “guêguê fásu” como planta ou árvore da floresta pode ser tida ou chamada como tal, mas quando ela é utilizada pelos massagistas para curar lesões ou fracturas ela deve ser chamada de “ómé sétu”, para que ela cure e acerte os ossos ou a fractura ocorrida e exerça o verdadeiro poder machista do homem. O mesmo acontece com “fiá pontu” (ou folha ponto se quisermos), é inicialmente conhecida como “matu baná”, porque no passado ela era muito vista no meio de bananeiras prata. Tudo isso para falarmos de Úntué(s) como árvore, como fruto e como Conjunto Musical de três gerações, em que uma delas, a primeira geração deixou-nos para a posteridade, o mítico Cantor José (Zé) da Vera Cruz Aragão.

Nesta humilde homenagem como um registador de factos em memória só me resta dizer: Zé, tu pagaste a tua Bandeira como se diz na tropa, eu que nunca fui um militar, mas podes crer todos nós pagamos a nossa Bandeira de uma forma ou de outra. Eu pagarei a minha registando factos para a posteridade numa aprendizagem contínua…. Repouse em paz e que DEUS nos abençoe a todos. Rezemos para que homens e mulheres santomenses empunhem o estandarte com firmeza em todas as áreas: “Ola Bandéla Subli Mundu Gingá” Que as sementes germinem e se multipliquem……….

BIBLIOGRAFIA

Contactos/Entrevistas

Contactos com os familiares mais próximos de José Aragão ( irmã Ana Maria,  filho José Carlos Aragão)

Contactos com alguns fundadores originais do Conjunto Os Úntúes (Alberto Morais…

Contacto telefónico com Frederico Gustavo dos Anjos…

Contacto telefónico com Leonel Aguiar a partir de Lisboa

Conversa com André Aureliano Aragão

Entrevista com o Engenheiro Florestal Sabino Pires Carvalho

Livros:

Beentje HJ. 1994, Kenya Trees, shrubs and lianas. National Musuem of Kenya

Egeeling, 1940, Indigenous Trees of Uganda. Government of Uganda

Hamilton A.C. 1981. A field guide to Uganda forest trees.

Fotos:

Fotos foram recolhidas da Wikpédia e de um artigo publicado no Téla Non em Março de 2015

4 Comments

4 Comments

  1. Francis Mekano

    19 de Março de 2015 at 8:17

    Um grande artigo de um dos maiores escritores santomenses,contudo gostaria de corrigir em forma de ajuda sobre o seguinte: a cor amarela da nossa bandeira representa o cacau na fase de amadurecimento(a nossa principal riqueza)enquanto que a cor verde representa a vegetação verde que cobre as duas ilhas.

  2. Alberto Pires dos Santos

    19 de Março de 2015 at 10:03

    Professor Costa Alegre,

    Diante de um trabalho tão sério, conduzindo-nos aos anais da história e pela própria riqueza e pureza do artigo, gostaria de aproveitar esta singela oportunidade para agradecer a sua contribuição no enriquecimento do homem cultural santomense e não só. Que continue sempre nesta senda são os maiores e sublimes votos que formulo neste pequeno excerto relacionado com o artigo por sí apresentado. Em suma, aprendi muito em tão pouco tempo dedicado à leitura do artigo em referência.
    Muito obrigado.
    Merci beaucoup.
    Thank you very much.
    Alberto P. dos Santos

  3. Vuguvugu

    19 de Março de 2015 at 15:04

    Como é que alguém que foi à universidade e saiu com um grau, pode ser tão confuso, um Deus?

  4. Manuel Veloso

    26 de Março de 2015 at 5:29

    Caro Dr. Francisco (Chico) Costa Alegre

    Fiquei deveras tocado com a interacção e profundidade de sua exposição.

    Obrigado meu amigo Chibo

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