Opinião

Ondas de choque por um pensamento político extemporâneo

Fugifala encravada entre fazenda, glebas e roça colonial terá jogado um papel peculiar na nossa agenda histórica numa linhagem de resistir-me ao esquecimento as vuvuzelas da África do Sul, a marca do Mundial 2010, para que eu não possa largar o sítio da terra de fuga da fala humana.

«Uma das questões polémicas da minha infância, vivida num meio entre o católico e o ateu, era a aceitação de Jesus Cristo como filho de Deus e da Virgem Maria como divina, enquanto o Islão o considerava um profeta, alguém que recebeu uma revelação divina, sucedido por outros profetas…» Pág. 158

Para a irritação das autoridades portuguesas, de tempo em tempo, era de Fugifala que do alto das plantas soavam até a cidade as criminosas vuvuzelas. Na chacina de 1953 em São Tomé e Príncipe, o som ascendeu-se ao material de guerra dos massacrado-colonizados e anunciador da aproximação do inimigo, dando ordens de trabalho às pernas para os recônditos do obô.

Para não ser o suspeito, ainda serei apanhado a montá un top de uma palmeira em Fugifala, desacorrentar as palavras e dos cornos do boi, assobiá-las para que me oiçam sem ambiguidades na cidade usufruindo de inevitável boleia da rota fluvial do rio Água Grande.

Não é de razoável tular a minha barriga de fruta-pão com azeite cru e malagueta, sem peixe – não sou de búzios – atirar para as goelas dentro uma caneca de água na intenção de acomodar o pitéu no seu afogamento químico, esticar o peito na camisa manga-punho bem vincada pelo ferro a carvão, sair a estrada-grande e os meus primotas posicionados nos dois lados da barricada com o dedo acusador em tom de cruxificar Jesus Cristo imputarem-me os códigos da memória: – Lá vai ele, o filho de moladô (ilustre rico)!

«Para mim, a entrar, desde pequeno, em igrejas católicas em que o Jesus Cristo era um homem branco, encaixava, obviamente, muito melhor a ideia islâmica de Deus não ter forma…» Pág. 159/160

Estava eu na escuta relaxante de «Quando Deus fez amor» de Tetalando, um dos meus profetas angolanos, quando chegaram até à mim a maior das réplicas do terramoto «Pinto e os seus refractários…», a minha última muzula para as leituras de mil e uma tempestades, não fosse a culpa do português, a língua que falamos e muito pouco cantamos na magnífica voz e batida da nossa rumba ao coração da alma.

Corri de fôlego cima-cima ao Tela Non no sujeito de leitor e fiz uma primeira colagem de observação atenta na publicação, tendo em mente as práticas absorvidas dos meus professores de língua portuguesa em nunca rejeitar a refeição a partir de aperitivos picantes. Há que saborear os pratos e os copos, se necessário a sobremesa, e até um café e cheirinho, como se diz na terra, para uma digestão gulosa.

Esfolhei de volta o pensamento político de Patrice Emery Trovoada editado no seu livro de 2014, recalco para a desmitificação, ano de 2014, poucos meses antes de ser o escolhido pelos são-tomenses para regressar ao guia da caminhada de quatro anos, desta feita, ao Dubai, lá ao longe e tão perto de sonhos, tal e qual a ficção pa burro dormir, agora, de pernas abertas para o mundo.

«Pensaram que eu fosse um homem dos negócios fáceis, obscuros, da corrupção. Não viam em mim, de modo nenhum, alguém capaz de rigor nível de gestão, da disciplina, do trabalho; recto na governação da coisa pública, que foi; precisamente, o que eu logo pus em prática… Então, essas elites do poder desenvolvem sobre mim uma outra teoria: “Esse homem quer é comer sozinho…”». Pág. 245

Uma administração pública superlotada e mandatada pelo FMI a mandar o excedente de gente para casa, como empregar 900 funcionários em sete meses de governação por mais que se reclame inovação e criatividade? É assim ser recto na governação da coisa pública são-tomense? Sete meses, dito por não dito?

Ao confirmar, só pode enquadrar numa irresponsabilidade desmedida de alguém que, sem noção básica de exercício e gestão de elevação do Estado por mais que agarre mãos dos quadros reformados e exercidos no Banco Mundial, vai manter a administração pública apenas no «job for the boy» e contrária a sua missão de incentivo à iniciativa privada para emprego, receitas de desenvolvimento e de coberturas sociais.

As casas do séc. XXI construídas e inauguradas em apelação as presidenciais de 2016 pelo XVI Governo e beneficiadas de latrinas, jamais serão para de lá inalar cheiro nauseante na penalização impiedosa da saúde pública dos santo-tolas. Estranho, vindo de alguém que gaba ser um viajante do mundo.

«Recordo-me de entrar numa casa em Brigoma, no Norte da ilha de São Tomé, que era apenas um quarto, nas chamadas “casas comboios” das antigas roças, e ver uma mesa, quatro cadeiras, um naperon, dois copos velhos, tudo arrumadinho e limpo. Na parede as fotografias, recortes de jornais, dos presidentes; meu pai, Fradique, Pinto da Costa. E vejo uma cama com seis almofadas. Pergunto: “Quem mora aqui?” E aquela senhora, idosa, frágil, marcada na cara pelo sofrimento, pela fome, responde-me : “Eu, meu marido e os nossos filhos.”

Eu disse para mim; “Estas pessoas têm dignidade, um potencial, têm recursos humanos. Aqui há a raiz, há civilização, há valores. O que é que destruiu isso tudo? A falta de liderança, a miséria, a falta de atenção, a demissão do Estado?

Há que levantar estas pessoas, pô-las de pé, a acreditar, para que elas possam trabalhar e viver melhor.” » Pág. 253/254

Káká ô! Filhos de idosa a partilhar a mesma pobreza e num mesmo quarto. A que idade, ela teria trazido a terra essas pobres criaturas de Waldemar Bastos? Mil e uma dúvidas.

Os cabelos brancos da minha avó San Tilha eram de respeito por toda a criançada do bairro e o título de nobreza vinha por todas as latitudes, talvez pela razão simples dela de longe ter sido política ou registadora do tempo e de fazedores de política.

A idade era um símbolo e nem o propósito se fosse meu de coincidir o longo artigo, anunciador de um pensamento de ajustes e tresloucado não distante, ano de 2014, do actual Primeiro-ministro, ainda não tinha lido naquela manhã de segunda-feira, dias idos da publicação, uma só linha de felicitação ao «mais velho», Presidente de todos os são-tomenses, pela data natalícia de 5 de Agosto. Nem os seus “camaradas” fervorosos e fiéis admiradores aproveitaram o pé de dança no Tela Non para exibir-lhe digitalmente qualquer muzula.

Faço eu no atraso, revivendo a mudança constitucional de 1990, tão inteligente e sabiamente conduzida por esse «pecador», figura incontornável que jamais a história são-tomense e africana poderá apagar o seu desempenho admirável na nossa arrojada e triunfante viragem e entrada na democracia para a boca aberta do mundo ocidental inscrever-nos nas mais brilhantes das notícias.

Parabéns Presidente Pinto da Costa por mais uma gravana natalícia! Longa vida.

«Não poderei ter maior satisfação do que, ao deixar o palco político, nas vésperas dos meus 60 anos, olhar tranquilamente para o meu país entregue a uma classe política de jovens compatriotas, solidários, mais competentes e preocupados com a Nação, diversos, modernos, criativos, tolerantes, competentes, orgulhosos, livres e verdadeiramente democratas. » Pág. 289

Anotado. Puro manifesto de choque de ondas na maré turva que os santo-tolas, comigo incluído, hão-de registar para pedirmos contas de um projecto abubé de pensamento nitidamente presidencial sem sustentabilidade de levar a terra pa frente.

Até lá, quando o livro secreto sair do abrigo, correr «mato e rua» das ilhas de Ama Dor, eu já não serei o decepcionado, o imbecil, o corrupto, o caçador-de-fantasmas e o vendedor da alma por preço avultado ou barato do «outdoor».

Sem delongas nem papas na língua, mas tudo um pouco metendo os pés entre as mãos, há mesmo que olhar o futuro com outra mexida constitucional desajustadas e ofertadas pelo Primeiro-ministro e pelo seu partido?

«Contudo, um dos aspectos mais reformistas da reorganização do poder político seria optarmos por um regime presidencialista com um mandato único de sete anos.» Pág. 302

Quem ouviu, leva aos deputados da oposição para arrumarem as bagunças e os contornos constitucionais.

Com o poder a subir a cabeça da maioria absoluta, um alívio para o absolutismo, de tudo quanto achei interessante compartilhar para interpretação alheia e comovida dos meus primotas fica mais uma citação disparatada e com pés de barro de Patrice Emery Trovoada.

«Acredito que quem não faz em seis ou sete anos não fará em 10 anos e sobretudo se permanecer mais tempo no poder. Um único mandato levaria à concorrência e competição política, a olhar para outras direcções que não sejam exclusivamente as de quem está no poder, com o “risco” de renovar o mandato uma ou mais vezes.» Pág. 302

Uma fotografia promiscua de um homem livre. Afinal, o que é isso de ao mesmo tempo usar fatos de Maçonaria, Islão e política? Tudo uma única peregrinação de encontro com Alah, negócios e homens? Ou todos os caminhos vão dar na mesma à Roma e Meca para São Tomé ver e crer?

«Desde a minha iniciação, sempre me vi como um maçon, mas, mais uma vez, eu lamento que se utilizem instituições, correntes filosóficas ou religiosas para fins inadmissíveis. O ser humano, muitas vezes, na busca do poder, passa por cima de tudo e de todos (até do seu próprio progenitor).» Pág. 167

Trovoada em tempo prometera aos são-tomenses que estava compilando as memórias para a edição da sua retórica nacionalista. No entanto a biografia do filho, pelo assalto aos testemunhos assumidos de porta-voz, matou na raiz qualquer intenção de chegar a realidade a obra do pai, já que a história e o inimigo comum foram espalhafatados nas 338 páginas.

Foram necessários quase vinte anos, 1995/2014, para que os são-tomenses viessem a conhecer mais uma «falsa e ridícula» acusação de Trovoada contra Pinto da Costa?

Nem quando direccionou ao futuro apresentando o seu projecto de sociedade para as presidenciais de 2016 não poupou ao «mais velho».

Lida e relida, a biografia «Patrice Trovoada – uma voz africana» enquadraria bem na estante «Patrice Trovoada crava Pinto da Costa de balas».

Em que ficamos? Para a tão esperada coesão nacional, duas semanas já passadas da publicação no Tela Non, serei eu a dever um pedido público de desculpas do Primeiro-ministro ao Presidente da República?

Um «miúdo», candidato persistente e ambiciosamente na luta presidencial, não teria um outro corta-mato sem vuguvugus nas mãos para apresentar o seu malabarismo a juventude que promete uma nova prática de política transparente, sem corrupção, sem rancor, sem ódio e sem vingança?

Moral da biografia.

«Enfim, os homens e o poder, a eterna questão.» Pág. 286

19.08.2015

José Maria Cardoso

7 Comments

7 Comments

  1. APOLO/2010

    19 de Agosto de 2015 at 10:49

    Meus parabéns e muito obrigado pelo artigo.

    Teria muito gosto em ler este livro para indagar sobre o pensamento o político do PT.

    Um bem haja à STP.

  2. Alah, Roma e Meca

    19 de Agosto de 2015 at 11:13

    … “Afinal, o que é isso de ao mesmo tempo usar fatos de Maçonaria, Islão e política? Tudo uma única peregrinação de encontro com Alah, negócios e homens? Ou todos os caminhos vão dar na mesma à Roma e Meca para São Tomé ver e crer?” Gostei desta pergunta muito inteligente! Quando os seguidores obcecados do Emery der conta, ele, o Emery estará bem longe com sua “trovoada”, terei pena dos que vão ficar, porque Varela irá segui-lo atras. E os restos?..

  3. DESCAMIZADO

    19 de Agosto de 2015 at 12:41

    Patrice Trovoada atira vuguvugus para atingir o Pinto da Costa no seu manifesto de Sociedade as Presidências de 2016
    As populações santomenses se lembram que o senhor Patrice Trovoada levou o nome do cidadão Pinto da Costa à barra do Tribunal Internacional antes das legislativas do ano 2014.Inclusive, Gabriel Costa,Alcino Pinto e outros.
    Daí que, com a nova forma de fazer política neste País, vem fomentar ainda mais o ódio, o rancôr, falta de respeito com os mais velhos.
    A idade era um símbolo.Não havendo esta união no seio das gerações não haverá sustentabilidade económico e Social para alavancar este País rumo ao progresso. A administração Pública já não existe com perfeição. Existe choque entre os jovens e os mais velhos no local de produção, porque os jovens não querem acatar as orientações dos mais velhos em benefício do colectivo,alegando que o tempo dos mais velhos já acabou, esquecendo eles que talvez nem lá chegarão. Com o poder absoluto subindo na cabeça da maioria,a República Democrática de S.Tomé e Príncipe é governado entre negócios e falsos homens de Negócios Já se imaginou se o cidadão Pinto da Costa passasse cavaco à todas estas falsas acusações? O País estaria num caus tremendo sem controlo. Estas acusações absurdas são reforçadas no manifesto do Senhor Patrice contra o cidadão Pinto da Costa no seu Projecto de Sociedade desde 1995 à 2014.É uma das coisas que o Senhor Patrice quando saiba que o cidadão Pinto da Costa viaja em missão de serviço ou não como manda a praxe, dias antes, ele viaja para não se despedir do senhor Presidente da República, evitando deste modo o cruzamento entre ambos. Neste momento sem cumprir um ano de serviço,passa as férias nos Estados Unidos das Américas.

  4. De Longe

    19 de Agosto de 2015 at 14:47

    Estimado José Maria
    Tive dificuldades de lidar com as críticas foram feitas ao seu anterior artigo. Primeiro pela estima que fui ganhando por si neste espaço; depois pela forma como expôs o seu pensamento. Como não “estamos” habituados a pensar em função do pensamento de outrem, procuramos saber de que lado está. Daí as criticas que vi chover a respeito da sua pessoa. Se quisermos pensar sempre nos “lados” em vez das ideias, perguntamo-nos agora:
    – De que lado está o José Maria?
    Continuo a pensar que o José Maria escreve suscitando reflexão e como gosta de escrever, o estilo impacienta um pouco os que esperam informação e definição do “lado”, seja, do partido, em vez de circular pelo exercício reflexivo. É facto que os leitores precisam de informação (relato dos factos) sem a qual sobre nada se poderia reflectir. Também torna necessário criarem-se momentos de reflexão para que as informações não constituam um empilhamento inútil de factos na memória.
    Estando nós humanos, necessariamente, sujeitos a reflectir em qualquer etapa da nossa vida pessoal ou de desenvolvimento da sociedade, considero infeliz que ao longo de 40 anos continuemos a ter necessidade do nível mais primário da reflexão. Podíamos estar, pelo menos, a reflectir juntos sobre onde queremos ir; depois pensaríamos juntos na melhor maneira de chegar;
    a seguir reflectiríamos sobre como progredir à frente das conquistas alcançadas.
    Considero que vamos no nível primário da reflexão porque ainda continuamos a tentar saber quem somos e vamos descobrindo factos que muitas vezes perturbam o processo da nossa união se é que também já pensamos seriamente nela.
    Como não podemos saltar etapas, vamo-nos mantendo nesta fase a ver se a consolidamos com sucesso (isto é, semm descurar factos e sensibilidades que prejudiquem a unidade) de molde a partirmos para a seguinte.
    Mantenha-se trabalhador, seja, com a mesma miltância em prol da causa são-tomense, aceite um grande abraço meu.
    Muito Obrigado
    Horácio Will

  5. Quilixe Furtado

    23 de Agosto de 2015 at 7:11

    Estes pensamentos seriam bons la no Dubai.
    Porque é que o PT não se vai embora ao Dubai ou Arabia Saudita viver, deixando STP em paz, já eu tao bem se identifica com aquelas lides?

  6. QuilieFutado

    24 de Agosto de 2015 at 16:22

    Quis dizer “uma vez que ele (PT) tão bem se identifica com aquelas lides”.

  7. Naing

    17 de Dezembro de 2015 at 6:18

    Mais uma vez venho protestar ctonra o contefado manhoso deste post. Estou a pensar cancelar a minha subscrie7e3o desta coisa a qual, quando ne3o tinha nada, tinha muito mais interesse. Tudo isto tem um gosto duvidoso. Espero ser convencido em prf3ximas ocasif5es. E viva o Benfica, campee3o nacional de futebol!! (sim, porque eu tenho a minha inteligeancia)

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