Opinião

Uma abordagem compreensiva da Juventude – Parte I

 

Em todas as ocasiões em que se aborda a questão da Juventude, do que mais se fala é dos problemas nas suas duas vertentes: em primeiro lugar, a transversalidade dos problemas socioeconómicos, culturais e políticos com os quais os jovens se confrontam e que afectam sobremaneira a sua eclosão identitária na vida social, económica, cultural e política. E, em segundo lugar, os jovens são vistos como sendo eles mesmos os problemas a banir do espaço social devido à sua falta de engajamento em causas sociais, o seu desrespeito considerável pelas normas morais e tradicionais, a sua arrogância face aos mais velhos, etc. Já dizia Shakespeare, no seu tempo: “Quereria que não houvesse idade entre 10 e 23, ou que a juventude dormisse durante o resto; porque não há nada neste intervalo a não ser meter-se com mulheres grávidas, fazer mal aos idosos, roubar, lutar.”1

Tem-se ouvido com alguma frequência na comunicação social que “a juventude está dispersa”, a “juventude não tem sonho”, “a juventude não sabe o que quer”, “ a juventude não se envolve na vida colectiva, no associativismo ou no voluntariado”, etc. Esta visão estereotipadamente negativa da juventude é feita numa abordagem comparativa.

Tende-se a comparar ávida e precipitadamente a juventude de ontem com a juventude de hoje, o passado tradicional nostalgicamente idealizado com o presente supostamente moderno. Mas será que comparar gerações distintas é a melhor maneira de discernir esta juventude moderna? Aliás, são essas duas realidades realmente comparáveis? Se nos debruçarmos melhor sobre um estudo psicossocial da juventude, chegaremos à constataçao de que não há outra fase na vida de um indivíduo em que ele mais interage socialmente do que quando é jovem.

Os jovens, pela construção da sua identidade psicossocial, obedecem aos pares, aos grupos sociais com os quais mais se identificam. Esta obediência é muitas vezes vivida com tamanha devoção que eles estão dispostos a desafiar qualquer autoridade, inclusive a paternal, para salvaguadar os interesses e a confiança cega que depositam no grupo”. Na sua obra intitulada O Ego e os Mecanismos de Defesa (1936), a psicanalista Anna Freud tece a seguinte análise do desenvolvimento adolescente [a adolescência é aqui abordada por mim enquanto campo de intervenção das políticas sociais juvenis]: “Considerando-se o centro do universo e único objecto de interesse, os adolescentes são demasiado egoístas, no entanto, em nenhum outro momento da sua vida ulterior serãso capazes de tanto sacrifício pessoal e dedicação. Eles formam as mais apaixonadas relações de amor mas quebram-nas tão abruptamente como as começaram. Por um lado, atiram-se entusiasticamente para a vida da comunidade e, por outro, têm um desejo todo poderoso de isolamento. Oscilam entre a submissão cega a algum autoproclamado chefe e a rebelião desafiadora contra qualquer autoridade. Eles são egoístas e materialistas e, ao mesmo tempo, cheios de exaltado idealismo. São ascéticos mas mergulharão inesperadamente em excessos instintivos do tipo mais primário. Por vezes o seu comportamento com as outras pessoas é áspero e sem consideração e, no entanto, eles próprios são extremamente susceptíveis. O seu humor varia entre o optimismo bem disposto e o mais negro pessimismo. As vezes trabalham com entusiasmo incansável e outras vezes são indolentes e apáticos.” Platão, por sua vez, define a juventude como ‘embriaguez espiritual’. “Um impulso natural para experimentar estados psíquicos ardentes e inflamados e caracteriza-se pela emocionalidade… As emoções desenvolvem-se por contraste e reacções opostas”.

Sendo uma fase de descobertas, de construção de personalidade e de identidade social, os jovens são psicológica e socialmente instáveis, o que os torna deveras vulneráveis na esfera social. E esta instabilidade não deve ser banida do campo social e político. Ademais, o papel das autoridades, sejam elas sociais ou políticas, é o de proteger os jovens deles mesmos, da imprevisibilidade das suas acções, sem sufocar o desejo destes de inovar, de criar, de afirmar-se.

Esta fase que Pierre Bourdieu define como a passagem entre as duas idades: a infância e a idade adulta, e construída artificialmente e puramente ideológica, permite ao indivíduo adolescente ou jovem formar-se enquanto humano na transversalidade da vida. E enquanto dura esta fase, ele submete-se a experiências diversas, de modo a definir-se. É a fase da descoberta de si mesmo e do mundo à sua volta. Os jovens raramente se investem de forma duradoura em algum projecto, sentem a necessidade ávida de tentar, de provar, de degustar, de aventurar-se, de encontrar-se aqui e ali, de mover-se em permanência.

E esta fase de construção de si mesmo não é necessariamente ligada a um limite de idade predefinido: varia de pessoa para pessoa, de geração para geração, em funçao da cultura, do meio ou classe social, inclusive do género. Por exemplo: nas sociedades tradicionais, os meninos são desde muito cedo induzidos à vida adulta, devem escutar os mesmos discursos religiosos que os adultos, e estarem prontos para a vida de ‘gente grande’, pois a passagem à vida adulta é muitas vezes relacionada com a morte dos pais, levando-os a assumirem a chefia da família. E para isto não há necessariamente uma idade predefinida.

É comum vermos pais que batem nos meninos quando estes choram, e em tom de ameaça obrigam-nos a engolir o choro. Desde cedo, os meninos são ensinados a comportarem-se como adultos, pois os adultos não choram por tudo e por nada. Esta fase preparatória feita de turbulências e que define a passagem da infância à idade adulta é fruto de uma construção social moderna em que os jovens modernos, face à grande variedade de produtos e de oportunidades de consumo, tendem a perder-se muito facilmente na avidez do consumismo diversificado que lhes proporciona o mundo moderno.

Alguns especialistas em políticas sociais chegam mesmo a definir a prática do consumo juvenil como o rito de passagem moderno que permite distinguir esta fase preparatória. Uma das interfaces que mais tem contribuído ao consumo subversivo dos jovens modernos é a Internet e as redes sociais. A Internet faz com que o maior campo de interação social seja o mundo virtual e não o convencional, onde se espera deles mais acção.

A melhor maneira de atrair o interesse dos jovens é penetrar este campo e entender como este funciona e que atitudes são ali adoptadas pelos jovens. Face à incompreensao da situação, os agentes sociais e institucionais não hesitam em tecer prontamente argumentos do género: os jovens não sabem o querem, são abusados, incoerentes, inconsequentes. E a dificuldade em entender os jovens encontra-se justamente na imprevisibilidade das suas acções. Não se pode prever de antemão que novidades eles nos trarão amanhã (coisa boa não deve ser, dirão alguns).

Assim sendo, há que abordar a problemática da juventude em função de paradigmas dicotómicos: o paradigma da juventude como recurso, ou seja, ver a juventude como o motor desta sociedade na qual está depositado o futuro desta nação, partilhando assim a ideia de Mamadou Diouf e de René Collignon: “ A juventude, enquanto réplica das nações em construção, representa uma dupla característica: ela é ao mesmo tempo o presente e a promessa de um futuro de maturidade e sucesso. Ela incorpora o possível e o desejável. Ela encontra-se no ponto de partida da ruptura com o passado e a um ponto de chegada, com a inauguração de um futuro que prevê a realização individual e colectiva e a afirmação numa nova historicidade mundial2. Ou o paradigma da juventude como ameaça, ou seja, ver como perigosa a imprevisibilidade das acções juvenis e apresentá-las como atitudes a serem repreendidas ou banidas do espaço social, partilhando assim a ideia de Ali El-Kenz: “Mais ao Sul do que ao Norte, antes nas margens dos sistemas sociais do que no centro destes, e cada vez mais nas cidades, e cada vez mais incontroláveis, agressivos, violentos. Eis as grandes definicões desta juventude do mundo que os poetas cantavam há bem pouco tempo, e que agora assombra que nem pesadelo os espíritos dos decidores locais, nacionais e internationais, torna instáveis os sistemas sociais, aterroriza as classes médias e reforça, quando ela não as justifica, as ditaduras3.

E é em funçao do paradigma adoptado que as instituições adoptam políticas públicas: se vir como ameaça, políticas repressivas; se vir como recurso, políticas encorajadoras. O que temos privilegiado? Não creio que colocar em evidência uma visão negativista da juventude contribuirá para encorajá-la a assumir com confiança o seu papel de vanguarda e de responsável pelo futuro da nação. Este pessimismo tem sido transmitido aos jovens sob forma de cepticismo (no futuro, nas instituições, nos poderes políticos, nas suas próprias capacidades.). É muita energia sendo desperdiçada. No entanto, como disse Collignon: “A juventude encontra-se no ponto de partida da ruptura com o passado”.

E esta é a parte mais dolorosa, e que os empreendedores morais, incorporados pelas instituições, estão menos dispostos a aceitar. Numa sociedade tradicional como a nossa, em que se vive do passado, os nossos espíritos resistem em dar este grande passo. Entre o pessimismo dos mais velhos e a fogosidade dos jovens, o conflito intergeracional tem colocado limites à verdadeira eclosão de uma sociedade diversificada.

Leandro Lavres

Sociólogo

Especialista em Políticas Sociais e Gestão de Projectos de Desenvolvimento Comunitário

4 Comments

4 Comments

  1. G.S

    5 de Novembro de 2015 at 12:02

    Boa visão para a juventude.

  2. Assunção

    5 de Novembro de 2015 at 19:51

    Caro sociólogo, a intenção é boa e acredito a temos q começar d algo lado.
    Mas acho normal é aceitável e uses do pensamento do outro para aqui expores as tua ideias embora mínimas. N considero plágio pois os autores foram citados.mas como especialista deverias ser mais autêntico. E o problemas dos jovens é delicado e não se resolve com ideais sei q n podes fazer muito, mas também há outro tipo d jovens na nossa sociedade os que andam a procura d destaque.
    Mas o teu testo engloba todos os jovens como se todos padecessem do mesmo mal e sintomas. O q não é verdade.
    Já estás em Stp?
    Faz um estudo dos nossos jovens , dos seus problemas e quais soluções.
    Porque escrever todos podemos ideia todos temos !

    Sociólogo Assunção.

  3. Assunção

    5 de Novembro de 2015 at 22:14

    *Texto e falta umas pontuações no comentário.

  4. Assunção

    5 de Novembro de 2015 at 22:51

    *texto , faltam pontuações!

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