Opinião

″MEHR LICHTI″

Adrião Simões Ferreira da Cunha

Estaticista Oficial aposentado, antigo Vice-Presidente do Instituto Nacional de Estatística de Portugal

24 de Março de 2016

MEHR LICHTI

Mehr Lichti foram as últimas palavras de Göethe ao morrer, figura cimeira da literatura alemã, pedindo que abrissem a janela do quarto para deixar entrar a luz e que são interpretadas como significando”Mais instrução, mais saber, mais verdade“.

Tive o prazer de conhecer o Prof. Francisco Tenreiro em Lisboa nos finais dos anos 50 que foi pan-africanista na alma, africano na pele, e estética e ideologicamente militante da negritude, e que falava de São Tomé e Príncipe com uma ternura fundada na distância geográfica das suas raízes telúricas que assim mais se enraizavam, o que, com o facto de terem nascido em São Tomé duas das figuras cimeiras da cultura portuguesa: Viana da Mota (grande pianista e compositor, 1868-1948) e Almada Negreiros (artista que se dedicou fundamentalmente às artes plásticas e à escrita, ocupando uma posição central na primeira geração de modernistas, 1893-1970), muito contribuiu para aceitar em 1987 vir a São Tomé realizar uma Missão de Assistência Técnica à então Direção de Estatística que me reforçou a disponibilidade para mais missões na mesma área da Estatística Oficial em 1994, 1999, 2001, 2002, 2003, 2004, 2007 e 2008.

Não espantará, pois, que estas minhas vindas a São Tomé e Príncipe, com a duração média de 3 semanas, me consintam, de algum modo, invocar o estatuto de observador externo da evolução da realidade política, social e económica do País, em que respaldo o ousamento de escrever as linhas que se seguem.

Com os dados do Recenseamento da População de 2012 de São Tomé e Príncipe alguns órgãos de comunicação social deram espaço à comentação de alguns dos resultados daquela importante medição estatística estrutural, enfatizando, de acordo com a respetiva sensibilidade editorial, traços positivos e negativos de alguns dos aspetos cruciais da realidade Santomense neste começo do 3º milénio, mas que considero não terem aprofundado a análise da Taxa de Analfabetismo e da Taxa de Universitários Diplomados, enquanto fatores pesados de resistência à necessária [imperativo nacional] aceleração do processo de desenvolvimento do País.

Na sequência da Independência de São Tomé e Príncipe as sucessivas gerações Santomenses começaram a viver o impacto da clava do retardamento do País enquanto fator bloqueador da capacitação de acelerar o processo de desenvolvimento face às mutações a que a Sociedade Santomense está fortemente sujeita, agora mais do que nunca, pela mundialização dos fenómenos e problemas e, sobretudo, das respetivas soluções, e as poucas tentativas de explicação das respetivas causas na maioria das vezes são centradas sobre aspetos parcelares da realidade e, não poucas vezes, distorcidas por alguma confusão entre os conceitos de cultura e civilização, já de si de extremas algo difusas.

Penso que a causa primeira da dificuldade de aceleração do processo de desenvolvimento de São Tomé e Príncipe radica na reduzida Taxa de Universitários Diplomados, cuja relação de diferença com os países desenvolvidos considero ser muito mais de grau que de natureza, partilhando totalmente a afirmação de caráter geral de que os desníveis observados de país para país parecem prender-se mais com diferenças a nível das situações políticas, socioeconómicas e culturais do que a nível da mentalidade profunda.

Na verdade, a Educação é também um atributo da Sociedade, essencialmente um produto histórico, para cuja constituição contribuem de forma permanente a cultura, tradições e valores do povo e, conjunturalmente, as políticas públicas que se realizam atendendo, idealmente, às necessidades do desenvolvimento social e económico do povo em geral e às expectativas de realização pessoal e profissional de cada cidadão.

Deste modo, a Educação e a Sociedade estão indissoluvelmente ligadas, condicionando-se mutuamente, em que o ritmo de evolução de uma determina o ritmo de evolução da outra, sendo assim a Educação o mecanismo privilegiado para a preservação e a afirmação da identidade nacional, para a transmissão de valores éticos e cívicos e para a formação dos recursos humanos necessários para enfrentar o desafio do desenvolvimento.

Conhecida a tendência pesada da Taxa de Analfabetismo do País que, mesmo vindo a diminuir nos últimos 3 decénios, segundo o Censo da População de 2012 atingiu ainda os 9,9%, convém refletir sobre qual seria a sua dimensão se o conceito de analfabeto utilizado para medição estatística contivesse, além dos que não sabem ler e escrever, os que sabendo ler e escrever, não sabem interpretar um texto corrente nem efetuar um cálculo mesmo que simples [analfabetismo funcional], não esquecendo como fator também constrangedor o reduzido número de universitários diplomados, cuja Taxa segundo aquele Censo não ultrapassava 3,1%.

Na Comunidade dos Países de Língua Portuguesa a Taxa de Analfabetismo é, por ordem decrescente: Moçambique 49,9%; Guiné-Bissau 45,8%; Timor-Leste 34,5%; Angola 34,45; Cabo Verde 17,2%; São Tomé e Príncipe 9,9%; Brasil 9,1%; Portugal 5,2%; a Taxa de Universitários Diplomados é, por ordem decrescente: Portugal 15,9%; Brasil 11,3%; Cabo Verde 7,6%; Timor-Leste 5,2%; São Tomé e Príncipe 3,1%; Guiné-Bissau 1,1%; Moçambique 0,4%.

Aprendemos na Escola que o que distingue os homens dos outros animais é a sua capacidade de raciocínio, mas o que lá não aprendemos com a mesma entonação é que também há uma diferença entre os próprios homens, entre o ″Homem″ e o ″homem″, sendo que o 1º se distingue do 2º pela sua capacidade de raciocínio em termos de futuro [abstração ─ concepção ideal ─ antecipação], capacidade cuja usufruição exige a ″posse″ de variada informação sobre o mundo [local, regional, nacional, internacional], tanto numa perspectiva do passado como do presente, capacitadoradeexercíciosde análise,síntese eprospetiva,únicosquepermitem uma atitude crítica sobre opresente e consequente atuação visandodelimitar os contornospossíveispara construir umfuturo coletivo melhor.

Na verdade, a ausência de capacidade de assimilação de informação [receber, refletir e conservar ou seja, saber orientar-se frutuosamente no labirinto colossal da riqueza de informação que cada vez está mais disponível] impede a formação de opinião e, consequentemente, a assunção de atitude ou seja, a participação, no entendimento de que só se pode participar quando se tem voz sempre que se tem vez, sendo que nas Sociedades abertas esta última sempre floresce e que, quando não é o caso, é susceptível de ser procurada e encontrada.

Naturalmente que a informação, segundo é veiculada pelos meios escrita ou audiovisual, impõe aos indivíduos a posse de diferentes requisitos para serem capazes de a assimilar, podendo-se sustentar que o recurso predominante ao audiovisual removeria o obstáculo da iliteracia na medida em que, não exigindo uma audiência adestrada [que os destinatários saibam ler e escrever, pelo menos], é apreensível por todos: iletrados, instruídos, incultos e cultos, só que o audiovisual suprime o mecanismo da reflexão e, como tal, é redutor da racionalidade na produção de efeitos na opinião e no comportamento dos indivíduos e dos grupos que integram a Sociedade.

Nas Sociedades modernas a Educação toma o indivíduo como referência fulcral, procurando transmitir-lhe a memória, os valores, os conhecimentos e saberes do seu tempo, mas procura sobretudo ensiná-lo a aprender e fundamentalmente a aprender a ser, o que implica também a aquisição do sentido da solidariedade e da cidadania.

Para engrossar as fileiras dos que comungam que a causa primeira das dificuldades em que ainda se encontra o País radica nas [ainda] elevada Taxa de Analfabetismo e reduzida Taxa de Universitários Diplomados, penso que para perturbar os espíritos para esta reflexão nada melhor que deixar claro que a solução para o problema da Taxa de Analfabetismo não passa exclusivamente pela conjugação do cemitério com a escola.

De facto, se o cemitério, enquanto resultado de uma lei inelutável, vai cumprindo com eficácia a sua quota-parte na solução do problema, já o mesmo não se poderá dizer por igual quanto à escola [clássica].

A ser assim fica a descoberto um segmento de ação possível no exterior da escola, em 1º lugar no seio da família e em 2º lugar ao nível da Sociedade, dizendo o grande poeta popular português António Aleixo: Não sou esperto nem bruto, nem bem nem mal educado. Sou simplesmente o produto/do meio em que fui criado, o que consubstancia bem o princípio de que o Homem é fundamentalmente o resultado da sua circunstância, entendida esta como um conjunto complexo de informações, normas, valores, comportamentos e realizações materiais que diferenciam as sociedades humanas e que atuam sobre cada indivíduo levando-o a adotar uma estrutura de valores pessoais que lhe permite conjugar racional e equilibradamente atitudes de pertença e de diferenciação relativamente à comunidade de referência da sua circunstância.

Havendo vários períodos de formação ao longo da vida, é possível atuar no domínio da circunstância através de forças de partilha e troca de informações que se situam no exterior da escola e da própria família que, embora cimentadas numa herança cultural [circunstancial] comum, deverão atuar no respeito do valor da diversidade enquanto elemento propiciador do florescimento do pensamento divergente, único susceptível de garantir o desenvolvimento permanente da circunstância, o que é o mesmo que dizer do próprio Homem.

Na verdade, o pensamento divergente é um valor fundamental das Sociedades modernas preocupadas com a procura do rigor, do desenvolvimento do espírito científico, numa dimensão cultural alargada onde, a par da defesa dos valores de cultura própria, se procura o diálogo com as expressões culturais de outros povos.

Assim, no respeito deste valor, a melhoria do nível da formação educacional e cultural da população Santomense é sem dúvida, a médio prazo, a orientação estratégica que mais poderá contrabalançar resistências ao processo de desenvolvimento, na medida em que permite aos cidadãos uma melhor compreensão dos processos em causa, assim como lhes alarga o leque de possibilidades de inserção e intervenção na Sociedade [participação].

Este esforço, a desenvolver reforçadamente sem demora, é determinante na criação da massa crítica indispensável à formação das futuras elites dirigentes [capazes de produzir racionalidade e orientação para a evolução da Sociedade], devendo ter-se presente que o processo do desenvolvimento de São Tomé e Príncipe, por estar sujeito à internacionalização, é um processo muito rápido que não permite que os cidadãos se limitem a esperar pelo surgimento de novas elites mais ajustadas às novas condições do País.

Assim, um tal esforço para ter sucesso exige um contributo dos que se estão nos patamares educacionais e culturais mais elevados [circunstância superior, mais propiciadora do exercício da cidadania plena], logo as elites sociais, sejam políticas, económicas ou culturais, apelando aos valores mais sublimes da sua cidadania.

2 Comments

2 Comments

  1. ANCA

    28 de Maio de 2016 at 17:06

    Muito boa síntese de pormenor da realidade social, cultural, desportiva, ambiental, política, económica e financeira, sincrónica e cronologicamente baseada na estatística.

    E os números valem o que valem….

    Uma linha de pensamento e leitura da realidade nacional com base na estatística, dos valores sócio-cultural, económico do homem e da sociedade São-tomense, sendo que também sou suspeito, sendo fruto dessa mesma sociedade.

    Para complementar o texto, julgo que no contexto actual, como disse e bem o autor na parte final do texto;

    “Assim, no respeito deste valor, a melhoria do nível da formação educacional e cultural da população Santomense é sem dúvida, a médio prazo, a orientação estratégica que mais poderá contrabalançar resistências ao processo de desenvolvimento, na medida em que permite aos cidadãos uma melhor compreensão dos processos em causa, assim como lhes alarga o leque de possibilidades de inserção e intervenção na Sociedade [participação].”
    “Este esforço, a desenvolver reforçadamente sem demora, é determinante na criação da massa crítica indispensável à formação das futuras elites dirigentes [capazes de produzir racionalidade e orientação para a evolução da Sociedade], devendo ter-se presente que o processo do desenvolvimento de São Tomé e Príncipe, por estar sujeito à internacionalização, é um processo muito rápido que não permite que os cidadãos se limitem a esperar pelo surgimento de novas elites mais ajustadas às novas condições do País.”

    “Assim, um tal esforço para ter sucesso exige um contributo dos que se estão nos patamares educacionais e culturais mais elevados [circunstância superior, mais propiciadora do exercício da cidadania plena], logo as elites sociais, sejam políticas, económicas ou culturais, apelando aos valores mais sublimes da sua cidadania.”

    É fundamental urgente crucial, reforçar dotar as instituições nacionais,(seja ela a Presidência da República, Ministérios, Hospitais, Centros de Saúde, a EMAE, as Escolas, os Tribunais, a Policia Nacional, as alfandegas, a Assembleia da República, os Partidos Políticos, os Clubes de Futebol, nas Classes Jornalísticas, nas Instituições de Informação, na CATAP, no Aeroporto Nacional, nas Instituições da Região Autónoma do Príncipe etc, etc, sem esquecer a instituição central a FAMÍLIA, no seu modo de proceder agir agilizar, mediante avaliações de desempenho, auditorias internas externas, formação qualificação nas suas missões,…para esse efeito o quadro da responsabilização, jurídica social, justifica imperioso para traduzir mudanças, conjuntamente com oferta da educação formação qualitativa de excelência, no modo de ser, estar, fazer e pensar…

    Se se queres ver o País bem

    Se se gostas do Teu Território e Povo que te viu nascer

    Pratiquemos o bem

    Pois o bem

    Fica-nos bem

    Deus abençoe São Tomé e Príncipe

  2. ANCA

    28 de Maio de 2016 at 17:57

    É inadmissível para uma sociedade que se quer de progresso desenvolvida social cultural, ambiental, desportiva, política, económica e financeiramente, quando se efectua a avaliação, auditoria, avaliação de desempenho, no sector da Justiça, que ao longo de quarenta anos todos reclamamos que é o sector que está mal no seu desempenho na sua missão, no seu proceder,…

    Logo a seguir vem um ruído quase ensurdecedor, pelos muitos comentadores, nos fóruns, na comunicação social, quadros da justiça, partidos políticos com peso de responsabilidade na situação actual de fome, miséria, pobreza intelectual e financeira e material a que vive a população São-tomense, como exemplo ver as estatística do trecho acima na educação formação, que é somente um dos indicadores do estádio da realidade,….quando a lei assim o impõe, quando pelo mundo dito desenvolvido este é o procedimento normal nas instituições, seja de Justiça, Tribunais, etc, etc,…

    Jamais devia ser permitido por exemplo num País que depende de investimento externo, interno, que se possa vender ou comprar uma, um terreno, uma casa ou um bem duas ou três vezes, sem que ninguém saiba, quem é verdadeiro dono desse bem?

    Onde anda as escrituras, o direito de propriedade, de compra e venda?

    Este é um Estado Organizado ou Anarquia Total?

    Quem por mais dinheiro que tenha investirá assim no País ou num dito Estado? Estado este que se presume pertencer a todos nós.

    Um Estado onde há violações dos direitos das crianças.(Gravidez precoce na adolescência, Violação e maus tratos Infantis, Roubos Assalto a Presidência da República, Cometimentos de Crimes de varias ordem, falta de cumprimento de horários de abertura e fechos de instituições, falta de cumprimento nos procedimentos, ou até a falta de próprio procedimento administrativo e responsabilização pelo mesmo, etc, etc…falta de normas, regras de conduta social, cultural, falta de ética política e profissional.

    Quem investirá ao longo prazo, num estado desorganizado como nosso, se jamais soubermos unir esforços independentemente da nossa paixão política, religiosa, ou proveniência cultural?

    Saber o que pode e deve ser um bem social cultural civilizacional para todos independentemente de ser o partido A ou B.

    É que depois queixamos da falta de justiça, da falta de emprego, queixamos que o País está mal, mas queremos pouco que ele verdadeiramente mude.

    Ex, Tivemos um tempo na politica nacional de queda de governos, por vezes somente por favorecimento partidários ou paixões políticas, o que fazia atrasar o País nas políticas que se tinha, por desentendimento entre Presidência da República e o Governo, desentendimentos entre partidos políticos sabendo que o País depende do exterior das ajudas e donativos, para pagar salários para educação, para a saúde, etc, etc,…

    Ex, O País parece querer entrar na dita Terra Firme(Território/População/administração) de Estabilidade governativa, entendimento entre Instituições, graças alguma visão e maturidade do actual inquilino da Presidência da República, fazer respeitar a constituição nacional bem como vontade e sentido de voto popular.

    Em Junho haverá, eleições Previdências, como será a inteligência lucidez, a intrepetação de nós São-tomenses de São Tomé e do Príncipe, em procurar-mos encontrar em alguém com sabedoria e maturidade, que jamais ponham em causa a estabilidade, social, cultural, ambiental, económica e financeira somente por qualquer motivo político aparente?

    Para aqueles que gostam de paixões politicas?

    Aprendam os Partidos um dia acabam mas o Território, a População, Administração deve persistir no tempo e o espaço.

    Se se gostas do Território/ do Povo, do País que te viu nascer

    Pratiquemos o bem

    Pois o bem

    Fica-nos bem

    Deus abençoe São Tomé e Príncipe

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