Cultura

Colóquio Internacional debateu vida e obra de Francisco José Tenreiro

A vida e a obra do poeta e geógrafo Francisco José Tenreiro, considerado o mais importante intelectual santomense do sec. XX e o fundador da santomensidade literária, estiveram no centro de três dias de debates no Centro Cultural Brasileiro. O legado de Tenreiro inclui a que é considerada, ainda hoje, a mais completa monografia sobre a ilha de São Tomé.O seminário internacional sobre o autor de ‘Ilha de Nome Santo’ terminou esta quinta feira com um comovente depoimento da sua filha mais nova. Renata Tenreiro disse que o seu pai, que completaria hoje 90 anos, estaria decerto feliz se fosse vivo. « A República Democrática de São Tomé e Príncipe está de parabéns»-

O seminário coincidiu com o lançamento do livro «Francisco José Tenreiro: as múltiplas faces de um intelectual.» A obra, com colaborações de mais de 30 académicos e estudiosos das culturas dos países de língua portuguesa da Europa, África e América foi organizada pela académica santomense Inocencia Mata, que liderou igualmente a iniciativa do seminário.

Nota saliente, foi a forte presença de jovens, estudantes e formadores.

O ministro da Educação, Cultura e Formação, Olinto Daio, presente às sessões de abertura e de encerramento, destacou a importância do legado de Tenreiro para ão Tomé e Príncipe. «Franciso José Tenreiro interpela-nos a uma valorização, sem transigência, dos valores da santomensidade».

O escritor Albertino Bragança abriu o evento com o tema «Francisco José Tenreiro: a angústia de um poeta divdidido»; a directora nacional da Cultura, Yolanda Aguiar, falou sobre « Francisco José Tenreiro, um ‘José’ do século XXI: a ilusão da desilusão das Nacões», enquanto o investigador alemão Gerhard Seibert falou do homem além do poeta.

A posição do Seibert, para quem o poeta e geógrafo foi expatriado pelos portugueses podendo apenas ser considerado santomense em termos afectivos e literários, suscitou as reacções mais intensas e emotivas do evento.

Outro ponto suscitado por Seibert, que fez subir o tom do debate, foi a entrada de Tenreiro para o parlamento do Estado Novo, na altura em que os nacionalistas radicalizavam posições.

Beatriz Afonso, do Instituto Superior Politécnico, dissertou sobre contrapontos identitários na poesia de Francisco José Tenreiro e Conceição Lima e a brasileira Naduska Palmeira enviou a comunicação «Sob a pele das palavras, as ilhas. Leitura da poesia de Conceição Lim

« Negritude, Exílio, Insularidade: três ângulos e uma leitura da poesia de Francisco José Tenreiro» foi trazido pela poeta e jornalista Conceição Lima, o académico brasileiro Silvio Renato Jorge, debruçou-se sobre o tema «Tenreiro, a metáfora e o trauma», tendo Deolinda Adão, da Universidade de Berkeley contribuído com « Diálogos Transatlânticos: Africanidade, Negritude e Construção de Identidade.»

A Pires Laranjeira, da Universidade de Coimbra, referido como a maior autoridade viva em poesia tenreiriana, coube apresentar «Francisco José Tenreiro, poeta do Neo-realismo negro», depois da Directora da Biblioteca Nacional, Nazaré Ceita, ter trazido ao debate « Francisco José Tenreiro: o sociólogo, etnógrafo e antropólogo de São Tomé e Principe.»

Embora S. Tomé já tivesse acolhido há 20 anos um encontro internacional sobre Tenreiro, no qual participaram a poeta santomense Manuela Margarido, e os académicos portugueses Alfredo Margarido e Manuel Ferreira, o seminário internacional que terminou esta quinta-feira na capital santomense foi o evento de maior envergadura até agora promovido sobre sua a vida e obra.

Nascido em S. Tomé, filho de pai português e de mãe angolana, serviçal de uma roça, Francisco José de Vasques Tenreiro foi levado para Portugal com a idade de dois anos.

Criado por uma tia paterna, só aos 17 anos soube da existência da mãe. Aos 21 anos, publicou «Ilha de Nome Santo», obra que, de acordo com especialistas, assinala o momento de viragem nas literaturas africanas de língua portuguesa.

Tenreiro foi considerado pelo crítico literário português Manuel Ferreira como o ‘primeiro poeta de língua portuguesa verdadeiramente Africano’ e é unanimemente apontado como o primeiro poeta da Negritude de língua portuguesa.

Com o angolano Mário Pinto de Andrade, Amílcar Cabral e outros elementos que viriam a liderar as lutas nacionalistas, fundou o Centro dos Estudos Africanos da Casa dos Estudantes do Império, tendo co-organizado,com Pinto de Andrade, o Primeiro Caderno de Poesia Negra de Expressão Portuguesa.

Falecido a 31 de Dezembro de 1963, aos 42 anos de idade, Tenreiro deixou pronto para publicação o seu segundo livro de poemas ‘Coração em África’, título sob o qual o Professor Manuel Ferreira reuniria toda a sua obra poética.

Depois da independência, o Estado Santomense atribuiu o nome de Tenreiro à Escola Primária da zona do Aeroporto, a uma Sala de Leitura e, mais recentemente, o seu rosto figura na nota de 100 mil dobras, com extractos do seu poema ‘Exortação’: «Negro! Levanta os olhos para o sol rijo e ama a tua mulher na terra húmida e quente.»

Contudo, conforme advertiu a Reitora da Universidade Lusíada, Fernanda Pontífice, o Prémio Literário em sua memória não foi além do papel. Pontífice exortou o governo a activar o referido prémio, enquanto Inocência Mata lançou a ideia de um amplo fórum de debate sobre a literatura são-tomense.

O seminário encerrou com um comovente testemunho da filha mais nova do poeta, Renata Tenreiro, que veio ao evento acompanhada do filho, José Miguel.

Renata Tenreiro descreveu o pai como ‘a sua mais valiosa herança, um pai sempre presente, atento e afectuoso, um homem íntegro, justo, simples, amante da liberdade, do diálogo e da tolerância’

É uma grande honra estar aqui na terra-pátria de meu Pai e, se me permitem a ousadia, minha também! Viveu e morreu de forma modesta, mas foi muito rico em integridade e amor. Deixou muita saudade. Mas…tem vivido sempre no meu coração. E espero que após este fórum, fique sempre nos vossos corações.’

O embaixador do Brasil manifestou a disponibilidade para reeditar as obras de Tenreiro e para patrocinar a edição de uma biografia.

Téla Nón

21 Comments

21 Comments

  1. aluno do Januario

    21 de Janeiro de 2011 at 0:30

    Cuidado que daqui a 20 anos Gerhard Seibert pode vir a dizer que Francisco Jose Tenreiro nao e santomense.

    • António Carlos

      1 de Fevereiro de 2011 at 17:04

      Sim, não me admirava…
      Por que razão foram os participantes deste seminário tão poucos e alguns totalmente ignorantes de questões africanas? Ouvi dizer que por exemplo a Dra. Deolinda Adão não só não sabe nada do assunto como nem sequer dá aulas em Berkeley. Que coisa tão pouco dignificante…mandam para o nosso país o que calha…ou então há aqui qualquer esquema que não estou a entender. Tenreiro merecia muito melhor, a nossa literatura e os seus estudiosos andam pela rua da amargura.

  2. PIADA

    21 de Janeiro de 2011 at 13:24

    Interessante!

  3. Obrigado Tela Non

    21 de Janeiro de 2011 at 15:06

    Esta sim, merece comentario, e muitos…Acredito que como o embaixador do Brasil manifestou, temos que reeditar as suas obras e criar uma biografia sobre o mesmo. Ja agora para reflexao, Amador Vieira ou Francisco Jose Tenreiro na nossa moeda?

    • CELSIO JUNQUEIRA

      21 de Janeiro de 2011 at 15:57

      Prefiro Francisco José Tenreiro no lugar de Amador, porque amo a literatura e sinto-a como a plenitude das nossas liberdades.

      Abraço,

    • no escuro

      21 de Janeiro de 2011 at 20:29

      gosto muito dos teus comentários. maioritariamente sao “temperados” com sabe e educacao. siga sendo assim!

    • CELSIO JUNQUEIRA

      24 de Janeiro de 2011 at 15:09

      Obrigado, pelos elogios, mas também o seu raciocinio deve partir das mesmas premissas que os meus por isso os entende.

      Saudações fraternas,

      PS – Participe também, junte aos cidadãos e aos concidadãos que exercem aqui os seus direitos e deveres com intuito de melhorar o nosso STP através de ideias, comentários, opiniões, saberes, conhecimentos, e porque não os desabafos também.

  4. De Longe

    21 de Janeiro de 2011 at 15:44

    Agradeço aos realizadores do evento.
    Felicito ao Téla Non por revelar que temos também notícias que não são desgraças.
    Peço aos professores que tomem essas ocasiões como oportunidades de dar novo rumo ao pensamento dos nossos jovens.
    Sobre o nosso poeta, Francisco José Tenreiro, vejo-me neste momento a reconhecer a minha pequenez para dizer algo que possa ser acrescentado à sua memória.
    Vou simplesmente convidar a todos para que nós os compatriotas do poeta meditemos sobre o seu grande carácter:
    _ «Negro! Levanta os olhos para o sol rijo e ama a tua mulher na terra húmida e quente.»
    Se amássemos as mulheres que estão fora ou dentro da nossa casa, mas amar de facto, isto é querer bem, como ponto de partida para amarmos e ensinar a amar a nossa família, teríamos pessoas com mais sentimentos de bondade e de justiça. Acredito que uma Grande Família São-Tomense seria uma das mais invejáveis famílias do mundo e a nossa terra prosperaria
    Nessa altura os sôfregos do dinheiro da nação deixariam de ser pobres de espírito e até os mais humildes deixariam grande herança aos seus filhos. Pois vejamos o que diz a filha do poeta:
    – «a sua mais valiosa herança, um pai sempre presente, atento e afectuoso, um homem íntegro, justo, simples, amante da liberdade, do diálogo e da tolerância»

    • jaka doxi

      26 de Janeiro de 2011 at 23:13

      Quero apenas felicitar os responsáveis da Universidade Lusiadas de são Tomé e Principe pela brilhante iniciativa.
      É de coisas boas que o nosso país precisa.
      Continuem assim que São Tome e príncipe vos agradece.
      Abraços.

    • Arifo

      29 de Maio de 2019 at 22:50

      Ajudaste-me imenso… q Deus “criador dos céus e da terra” o abençoe com muito conhecimento… i’m Muslim

  5. T. Queirós dos Santos

    21 de Janeiro de 2011 at 19:21

    Sr. Prof. Dr. Inocência Mata,

    Cara Cency…,

    um grande abração – em público – te estendo destas paragens, acompanhado, como não poderia deixar de ser, de congratulações sinceras pela realização bem sucedida deste mais um Colóquio Internacional que debateu vida e obra do nosso grande – Senhor da intelectualidade santomense do sec. XX – Francisco José Tenreiro.

    Estás de parabéns, assim como a Nação São-tomense, os organizadores, os palestrantes e os patrocinadores, sem me querer esquecer dos amantes das letras nas Ilhas e do nosso povo são-tomense em geral.

    Que este teu desejo, cara Cency, de um amplo fórum de debate sobre a literatura são-tomense venha a encontrar para breve a sua implementação, para o bem da nossa santomensidade literária.

    Um bem haja a todos nós…!!!

    T.Queirós dos Santos

  6. Ze Bimbi

    21 de Janeiro de 2011 at 21:31

    Para ser mais notavel,seria bom criar uma infraestrutura com o nome do FRansico Jose Tenreiro.Por exemplo, ter uma Universidade em Sao Tome com este nome:
    “Universidade Francisco Jose Tenreiro”
    Tal como Universidade Agustinho Neto em Angola, Universidae Edurado Mondlane em Mocambique, entre outros.
    Um abraco!

    • BARAO DE AGUA'-IZE'

      29 de Janeiro de 2011 at 10:13

      Caro Ze Pimbi, brilhante ideia, so que, teremos capacidade para mais uma universidade?

  7. ovumabissu

    21 de Janeiro de 2011 at 23:12

    Antes de mais, felicito os organizadores do evento, em particular a drª Inocência Mata. Ficamos todos a aguardar pelos passos seguintes.
    Celsio, nã nã nã nã… prefiro o FJT no seu lugar, bem acima do Amador. FJT estudou, trabalhou, investigou, produziu.
    O outro (Amador) só é lembrado pelo que destruiu e não pelo que construiu. Compará-los roça a heresia.
    Já agora, “aluno do januário”, não precisa esperar 20 anos. O Seibert já diz, com alguma razão e há uns anitos, que o FJT, pela sua vivência e escolhas, é bem mais português que santomense. Cá para mim ele fez parte do que chamo “recursos partilhados”, em que incluo (noutra dimensão) a Neide Gomes, Carla Sacramento, etc. Não vejo mal algum nessa partilha com Portugal, Angola ou qualuqer outra nação.

    • CELSIO JUNQUEIRA

      24 de Janeiro de 2011 at 15:02

      Carissimo,

      Permita-me que lhe trate como tal.

      Qto ao FJT não sei se estara acima ou ao lado, abaixo, etc, do Rei Amador, mas se tenho direito a escolha, manifesto-a claramente pelo FJT.

      Não gosto muito de comparações standartizadas com fins de padronizar as escolhas.

      Deve haver e acho bem que haja pessoas que têm outras preferências.

      Finalizando, o problema da “partilha” de personalidades, penso eu, que só se põe na mente dos “nacionalistas-radicais”. Ainda bem para as personalidades que conseguem ficar em dois ou mais cenários com prestigio/sucesso/consideração. É sinal que são detentores de uma grandeza transnacional.

      Abraços,

    • ovumabissu

      24 de Janeiro de 2011 at 23:28

      À vontade, Celsio.

      Não pretendo limitar a escolha de outros.
      Limitei-me a expor os critérios da minha escolha, que excluem personalidades com o perfil de Amador Vieira(*). Mas, democraticamente, respeito quem tenha outros crit+erios e opte por escolher Amador, desde que respeite também o meu direito de questionar a realeza e a heroicidade dos feitos do Rei de “Canvi” (lá estou eu a estalar o verniz).

      (*)- é óbvio que esta nota não é para ti, mas, já que estamos numa de reescrever a história, bem que podiam arranjar um nome mais “afro” para o homem. Rei africano com nome de escravo não cola lá muito bem.

    • CELSIO JUNQUEIRA

      26 de Janeiro de 2011 at 17:30

      Meu Caro,

      Já abriu outra linha de debate intencional ou não temos agora um Rei com nome de escravo e portuguesado. E esta hein?!

      Porque o Rei Amador se chama Amador????

      Sendo um Rei Africano podia ter um nome mais africano!

      E já agora, teve esposa (quantas?) e filhos (descendência)??? Qual eram os seus hobbies favoritos?

      Bem, temos pano pra manga.

      Abraço e espero que é desta que vasculhemos tudo sobre o nosso Rei.

  8. BARAO DE AGUA'-IZE'

    22 de Janeiro de 2011 at 11:48

    E’ pena que falemos de Francisco Tenreiro apenas como poeta, pois ele fez estudos interessantes sobre o seu querido STP.

    • Anjinho

      24 de Janeiro de 2011 at 11:39

      Barão de Água-Izé

      ‘É pena que falemos de Francisco Tenreiro apenas como poeta?’ O artigo diz que FJT foi o autor da mais importante monografia sobre a ilha de S. Tomé… Monografia é poesia?

  9. J. Maria Cardoso

    23 de Janeiro de 2011 at 11:34

    A escrita de José Francisco Tenreiro, k vai além da literatura poética, é sem qq dúvida o outro lado dos k nasceram na “terra de nome santo” ou dela embebedaram a lucidez e k nadaram por este mundo fora mas k, infelizmente, os tempos da corrida louca da mais valia financeira para posicionar o ser “eu”, conduziu um país todo a deriva.
    É de longe, diria secular, o nosso lugar intelectual, cultural e académico na língua k nos casa ao Mundo.
    É bom os sinais novos k vão surgindo de intelectuais na condição da professora Inocência Mata e todos quantos vão-se interessando pelo k ainda salva a nossa tão orgulhosa identidade são-tomense.
    A juventude deu sinais k precisa e espera dos intelectuais mais do k megasonhos, o ressuscitar dos filhos com dimensão nobre onde possam pousar leituras para um olhar futuro no surgimento de uma nova era no país.
    Parabéns aos organizadores!

  10. Visão de Domingo

    24 de Janeiro de 2011 at 15:17

    É pena só ser relembrado no dia que faz anos. Triste né….
    Talvés as autorides deveriam colocar a sua literatura no modelo do ensino nacional.
    Não sou da geração do séc.xx sou do xxi e sei pouco sobre o Tenreiro. O que sei é um talvés…um talvés sem dados fidedignos…só sei as coisas que passaram de boca a boca<>
    Obrigado: Poeta, geografo, etnografo, antropologo,..só quer saber onde ele estudou?

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