Análise

Necessidade de Revisão Constitucional em STP

Estando em voga a ideia de revisão constitucional, no quadro na “mudança” operada com a última eleição legislativa; aproveitando, portanto, essa nova legislatura, eis que dou a minha modesta achega, convicto de que ela venha a concretizar-se.

                   Penso, desde logo, que uma revisão constitucional já se impunha, não tanto porque já se passaram mais de cinco anos sobre a última, operada em 2003, mas sobretudo porque a nossa Constituição precisa mesmo de uma revisão, porque esta última foi feita numa turbulência politica que todos conhecem, e o resultado está a vista: uma Constituição cheio de deficiências, incongruências e imperfeições, como já afirmara num dos meus artigos anteriores no Tela Non. Porque tudo o que é feito numa circunstância daquelas, nunca pode estar bem, nem almejar a perfeição, embora nessa matéria nunca se consegue a perfeição. Nem mesmo as constituições mais avançadas, históricas e  mais antigas como são as dos EUA, França e Inglaterra que já têm mais de três séculos.

                    A nossa Constituição, ela própria, deve ser caracterizada como uma Constituição transitória porque  a PARTE V cuja epigrafe é “Disposições Finais e Transitórias” contempla nos artigos 156.º e 157.º um conjunto de situações cuja transitoriedade já exigia que ela fosse revista mesmo antes do período de cinco anos de revisão ordinária, pois não era previsível que durante todo esse tempo ela se mantivesse como está. Isso porque antes desse período de revisão ordinária, podia-se fazer uma extraordinária, porque a situação assim o exigia. 

                        Dentro dessa situação de transitoriedade, temos o caso das funções do Tribunal Constitucional que são exercidas pelo Supremo Tribunal de Justiça, enquanto aquele “não for legalmente instalado” com os cinco juízes designados pela Assembleia Nacional, conforme prevê o artigo o artigo 132.º.

                        Temos também o artigo 160.º sobre a entrada em vigor dos poderes do Presidente da República que sugere de per se uma revisão, nem que seja para refinar a sua sistematização.

                         Abordando o tema directamente, quero discorrer um pouco sobre essa vicissitude constitucional que é “revisão constitucional”, comparando-a com outras mais relevantes na vida de uma constituição e que são mais contundentes ou profundas, nomeadamente a  transição constitucional, a ruptura não revolucionária e a revolução.

                        A transição constitucional é um processo mais aproximado da revisão constitucional. Só que nela aproveita-se os mecanismos normais  da revisão para se alterar primeiro os limites materiais que estão previstos na Constituição (artigo 154.º) para depois se proceder as alterações interditadas por esses limites. Por exemplo, pode-se mexer com o limite previsto na alínea g) desse artigo que impõe que não se pode eliminar a autonomia do poder regional e local, estabelecendo na Constituição que as Câmaras Municipais ficam sob a superintendência do Ministro da Descentralização! Isso é dupla revisão como diz a doutrina autorizada. Ora, uma superintendência retira ou diminui a plenitude do poder administrativo das Câmaras e o poder político do Príncipe.

                           Com a transição constitucional  não se altera a estrutura de uma constituição ou do próprio Estado, embora este processo conduza a supressão de alguns limites materiais, ou seja, aquelas matérias ou aspectos mais importantes que constituem os fundamentos e princípios fundamentais e estruturantes de um Estado  ou melhor ainda de um Estado de Direito Democrático e que não se pode tocar quando se faz uma simples revisão constitucional.

                     Essas matérias estruturantes do nosso sistema constitucional que constituem limites à revisão constitucional constam do artigo 154.º. Temos como exemplo “A independência, a integridade do território nacional e a unidade do Estado”, “A forma republicana de Governo”, “direitos, liberdades e garantias dos cidadãos”, “O sufrágio universal, directo, secreto e periódico…”, “A separação e interdependência dos órgãos de soberania” entre outros limites.

                        Precisando um pouco ainda, as revisões constitucionais normais não podem tocar nessas matérias, sob pena de estarmos no quase paradoxo de haver uma “lei de revisão constitucional inconstitucional”, matéria bastante controvertida para os grandes cultores de Ciência Politica e Direito Constitucional. Isso é uma questão bastante polémica na doutrina que fastidioso seria enveredarmos por essa via.

                        A transição constitucional é um processo que implica mexida nos limites materiais menos relevantes ou não estruturantes, podendo “resultar, pura e simplesmente, da utilização do processo geral de revisão constitucional, verificados certos requisitos, para remoção de princípios fundamentais ou substituição de regime politico. É o que se passa, … quando, pelo processo de revisão, se arredam limites materiais, explícitos ou implícitos, equivalentes a tais princípios” (Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional II Volume, pag. 118).

                     Este processo levou a doutrina a criar a “teoria de dupla revisão” (“revisibilidade do artigo 290.º” da Constituição Portuguesa que prevê limites materiais de revisão), processo esse que já foi qualificada de “um mero expediente politico, juridicamente insustentável” (André Gonçalves Pereira, citado na “Constituição da República Portuguesa” de VINICIO RIBEIRO de 1993, pag. 371) em que se utiliza expediente de simples revisão para se atingir alguns limites materiais. Eis porque a doutrina trata isso de “duplo processo de revisão”.

                        A ruptura constitucional pode considerar-se um processo mais intenso em que se operam alterações tais que atingem os limites materiais de primeiro grau que têm a ver com os princípios e os valores mais importantes consagrados numa constituição, acarretando com isso uma nova constituição.         Por exemplo alteração de uma monarquia para república, enquanto formas de Estado. 

                      Por último, temos entre as diversas vicissitudes constitucionais a revolução constitucional: este implica a mudança obviamente mais radical ou profunda porque atinge os limites estruturantes de um Estado, e, com isso surge também e necessariamente uma nova constituição. É o caso da situação que gerou a Constituição portuguesa de 1976 e a nossa passagem para o multipartidarismo com a nossa segunda Constituição de 1990. Porque é com esse processo que se mudam os regimes. Como disse o Prof. Doutor Jorge Miranda, “A mudança de regime pode ser mais ou menos profunda: ora opera pela via de “destruição”, ora pela “supressão”, citando C. SCHMITT – pag. 67 da obra citada.

                     Nos exemplos citados de STP e Portugal, pode dizer-se que houve destruição porque “desapareceram tanto a Constituição como o poder constituinte (ou seja, o principio de legitimidade) em que se baseava; na supressão desaparece a Constituição, e subsiste o poder constituinte”.

                        Segundo esse eminente Professor de Ciência Politica e Direito Constitucional, “Nada é mais gerador de Direito do que uma revolução, nada há talvez de mais eminentemente jurídico do que o acto revolucionário”.

                   Portanto, o processo que é mais utilizado na revitalização, actualização e adaptação de uma constituição a novas realidades que ocorrem na vida de um Estado é a revisão constitucional, da qual vou cuidar um pouco em síntese sobre o nosso país.

                        A revisão constitucional stricto sensu é a “modificação da Constituição com uma finalidade de “autogeneração e autoconservação, quer dizer, de eliminação das suas normas já não justificadas poíitica, social ou juridicamente e de adição de elementos novos que a revitalizem”. É a modificação que ocorre nos termos como ela própria prevê, observando os seus limites materiais.

                         As constituições são um produto da decisão politica de uma sociedade organizada que a dada altura da sua história, elege um poder que se denomina de poder constituinte que normalmente é exercido por uma “Assembleia Constituinte”.

                        Esse poder constituinte quando elabora e aprova uma constituição após uma ruptura total com um regime anterior, alterando totalmente a estrutura do Estado, como foi o nosso caso com a passagem de regime monolítico para o multipartidarismo (a nossa II República), ou mesmo quando surge da emergência de um novo Estado como foram os casos dos Palop’s que proclamaram as suas independências criando novos Estados, dá-se-lhe o nome  de poder constituinte originário.

                        Ora, com a criação de novos Estados e novas constituições, há sempre necessidade de, ao longo da vida desses Estados, fazer-se alterações de modo a adaptar essas constituições às novas realidades e novas conjunturas nacionais (ou mesmo internacionais para determinados Estados nas suas relações com algumas comunidades de Estados).

                   Para fazer essas alterações, de acordo com as regras de revisão já estabelecidas pelo poder constituinte originário, é necessário que os parlamentos se constituam de novo em poderes constituintes para aprovar tais alterações, claro está, através de um processo mais exigente que o processo legislativo normal e que passa pela assumpção desse poder constituinte nos termos como está previsto nos artigos 151.º e 152 da nossa Constituição, por exemplo.

                       Este poder assim constituído chama-se poder constituinte derivado, pois deriva do que o poder constituinte originário estabeleceu na Constituição vigente.

                        Nesta perspectiva e aproveitando essa onda revisionista que se desenha, tendo em conta a nova legislatura que resultou da última eleição legislativa sob o desígnio da mudança, proponho para o conteúdo de uma possível revisão constitucional, os seguintes temas:

                        1.º – Eliminação do vocábulo “Democrático” no nome do pais;

                        2.º – Nova sistematização da Constituição;

                        3.º – Uma correcção a pente fino sobre as deficiências e incongruências que existem na constituição;

                        4.º – Constitucionalização de algumas instituições de Estado;

                        5.º – Constitucionalização da autonomia politica do Príncipe, com os necessários pressupostos fundamentais.

                        6.º – Adopção de um sistema de governo presidencialista.                       

                        Quanto ao primeiro ponto, devo dizer que parece-me ridículo ver no nome do nosso país “República Democrática”(como existia nos Palop’s designações como “República Popular”; ou noutros países como “Popular Socialista” etc.).

                     Inteligentemente, Moçambique e a própria Angola que parecia mais “marxista” neste seio, passaram a designar-se República de Angola, República de Moçambique. Cabo Verde que nunca esteve nesta onda de populismo barato e desde sempre foi um país  “des hommes  sages”, sempre se chamou República de Cabo Verde.

                     Curiosamente, por incrível que pareça, Timor Leste de cuja Constituição parece-me ter sido redigida pelo Prof. Doutor Jorge Miranda ou Prof. Doutor Rebelo Sousa, tardiamente (ainda) veio a chamar-se República Democrática de Timor Leste. Estou certo que não foi ideia desses Professores. Penso que foi, sim, o fervor revolucionarista, nacionalista e impetuosidade da característica da sua luta armada e a conjuntura própria do processo. Este ainda se compreende com alguma tolerância. Mas penso que é transitório.

                        Porque essas designações são rótulo de socialismo dos antigos países de Leste de que os países africanos se embeberam.   

                        Chamarmo-nos “República Democrática” é tão ridículo como alguém que se diz bonito, bom, sério etc., atributos qualificativos que normalmente são utilizados quando se elogia um terceiro. Esse auto-elogio não me parece correcto.

                              NECESSIDADE DE REVISÃO CONSTITUCIONAL ( III )           

Nova sistematização: Penso que a próxima revisão constitucional não poderá ocorrer sem que se refine a sua sistematização. Sistematizar consiste em arrumar da melhor forma possível e devidamente organizado, ordenado, obedecendo uma certa lógica e estrutura –  neste caso de sistematização da Constituição, uma lógica jurídica e até politica.               

                        Isso significa que ao concebermos a nossa Constituição, devemos estabelecer critérios para elencarmos tudo o que ela deve conter obedecendo uma certa ordem e hierarquia. No mínimo, devemos seguir o que é universal na  sistematização das constituições: Normalmente as constituições são sistematicamente estruturadas em  Partes, Títulos, Capítulos, uns com Secções etc. etc. Primeiro divide-se em partes e por ai em diante. Depois estabelece-se os  “Princípios Fundamentais” ou os “Fundamentos” do Estado que se quer.

                   Geralmente as constituições são estruturadas em primeiro lugar com “Princípios Fundamentais”, “Direitos Fundamentais”, “Organização Económica”, “Organização Politica” e finalmente, contempla-se uma parte para a “Garantia e Revisão Constitucional”.

                        Ao referir-me na necessidade de uma nova sistematização para a nossa Constituição, quero incidir-me mais sobre os direitos fundamentais que nela está tratado de uma forma pouco clara e confusa: Na Parte II  mistura-se “Direitos Fundamentais” com  “Ordem Social”, quando são coisas distintas. Direitos Fundamentais têm duas componentes como se pode ver nas constituições mais bem elaboradas, de acordo com o Estado de Direito em que a dignidade da pessoa humana em posta em primeiro lugar.

                   A primeira componente designa-se de “Direitos Liberdades e Garantias” que são para mim direitos fundamentais de primeiro grau. Porque trata-se da parte de direitos fundamentais “exequíveis por si próprios”, ou seja o seu exercício não depende de acto nenhum do Estado. São direitos inerentes a dignidade da pessoa humana, não dependendo de intervenção do Estado para que serem exercidos.

                   São entre vários, “Direito à vida”, “Direito a liberdade e à segurança”, “Direito à integridade pessoal”, “ Liberdade de expressão e informação”, “Liberdade de imprensa”, “Liberdade de consciência, de religião e de culto”. São uma espécie de direitos naturais, pois ligam-se a natureza humana das pessoas e que os Estados têm de proteger e respeitar para que sejam exercidos em toda a plenitude possível. Ao contemplar esses direitos nas constituições os Estados o que fazem é simplesmente reconhecê-lo como direitos que estão imbricados na natureza dos homens; daí o conceito sagrado “dignidade humana” a que se apela como ingrediente fundamental para qualquer cozedura de todos os elementos fundamentais de que se compõem os Estados verdadeiramente democráticos.  

                        Diferentemente desses direitos fundamentais de primeiro grau, temos os direitos fundamentais designados por “Direitos sociais, económicos e culturais”, que são “direitos não exequíveis por si próprios”, porque o seu exercício depende das condições que o Estado possa criar, com medidas politicas legislativas e administrativas, bem como criação de infra-estruturas etc. Temos como exemplo o direito à educação, à saúde, à habitação, ao ambiente e qualidade de vida, à segurança social entre muitos outros. Esses direitos fazem parte da chamada constituição programática.

                        Como bem se compreende, para que os cidadãos beneficiem de educação é preciso construir escolas; para a saúde é necessário que haja hospitais, etc.; e há que construir casas para que se ter direito à habitação.

                        Isso em termos de sistematização, a nossa Constituição mistura tudo na Parte II – “Direitos Fundamentais e Ordem Social”, tanto mais que em termos de regime de “Restrição e Suspensão” estabelece-o abrangendo todos os direitos fundamentais, quando este regime só deve abranger aquilo que se chama nas constituições modernas “direitos liberdades e garantias”. Por outro lado, estes direitos de primeiro grau devem ser protegidos por uma norma constitucional que lhe confere uma “força jurídica” maior que os “direitos sociais”, quanto ao seus regimes.

                        Portanto, há que sistematizar a nossa Constituição de modo a que os “Direitos Liberdades e Garantias” tenham maior dignidade constitucional e vá de encontro àquilo que são os anseios dos homens na sociedade e não designá-los tão simplesmente de “Direitos Pessoais” como está previsto no Título II. Por exemplo, a Constituição portuguesa estabelece como “Força jurídica” no seu artigo 18.º que “Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas”. Daí que essas normas são “exequíveis por si próprias”.

                        A próxima revisão constitucional deverá contemplar a constitucionalização de alguns órgãos superiores do Estado, tais como os Conselhos Superiores das duas magistraturas, o próprio Conselho Superior de Imprensa ( se ainda merece alguma consideração do poder politico, porque o estado actual parece indicar que não!)  e consagrar alguns aspectos ligados a outros, tais como estabelecer a forma de nomeação dos Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça incluindo o seu estatuto. O mesmo se pode dizer do Tribunal de Contas e do Ministério Público que necessitam de ter melhor desenvolvimento na Constituição.

                        No capitulo da necessidade de correcção e refinação  da Constituição apenas apraz-me dizer que ela deve ser revista também no melhoramento de todos os aspectos que não parecem correctos.

                        A titulo meramente exemplificativo, temos a distribuição de competência em que não me parece clara a consagração de competência legislativa reservada apenas à Assembleia Nacional como deve existir. O que se diz no artigo 98.º é que compete exclusivamente à Assembleia Nacional legislar sobre determinadas matérias aí previstas, para depois vir o artigo 100.º dizer que tudo o que está previsto no artigo 98.º pode ser legislado pelo Governo com autorização legislativa. Ora, isso significa que não há competência absolutamente reservada ao Parlamento, pois também o Governo pode legislar sob autorização. Uma competência destas chama-se competência relativa como se prevê na Constituição portuguesa no seu artigo 168.º. Competência legislativa reservada consiste em apenas e só Assembleia poder legislar sobre determinada matéria, conforme o artigo 167.º da citada Constituição.

                        Eu diria que na nossa Constituição não há reserva absoluta da assembleia nacional porque também o governo pode legislar nessa matéria embora sob autorização.

                        Devo precisar que no âmbito de produção legislativa, o Governo pode ter intervenção em toda a matéria, porque, com excepção da lei de revisão constitucional, ele pode sempre apresentar a Assembleia Nacional propostas de leis para serem aprovadas se esta assim entender. É evidente que são mecanismos diferentes. Com autorização legislativa, o Governo tem mais discricionariedade de legislar do que  por via de propostas de leis, porque nesta, tudo é vasculhado, enquanto que na autorização, o Governo apenas deve obedecer os parâmetros e os limites estabelecidos na lei de autorização legislativa.

                        Quanto a constitucionalização da autonomia politica e administrativa da Região Autónoma do Príncipe, trata-se de um imperativo do Estado, pois Príncipe não pode conformar-se com a simples legalização dessa autonomia conforme está estabelecido no Estatuto, nem mesmo com essa subtil e deficiente consagração constitucional dos seus pressupostos fundamentais, porque como sabemos, as leis, enquanto hierarquicamente inferiores à Constituição, elas podem ser alteradas a qualquer momento por qualquer maioria parlamentar conjuntural. Felizmente, o que vale é que as autonomias do poder regional e local constituem um limite de revisão constitucional (artigo 154.º al. g), nem podendo, como já disse acima, ser alteradas pelo poder constituinte derivado.

                        Como já abordei num dos meus artigos, publicados no Tela Nom e no Correio da Semana, as matérias ligadas à autonomia regional estão muito prodigamente tratadas na Constituição, podendo dizer-se que Príncipe parece não ter poder legislativo, quando a autonomia regional significa descentralização político-administrativa. Não basta a correcção e a melhoria que o Estatuto Político-administrativo trouxe. É necessária uma consagração constitucional bem desenvolvida na Constituição como se passa noutros países, para que o regime de autonomia não fique a mercê de diferentes poderes políticos que se sucedem.

                        Só por isso já se pode advogar a necessidade de revisão constitucional, aproveitando o actual poder que tem descentralização como uma das suas bandeiras.

                        Urge precisar que o nosso Estado é unitário, mas descentralizado em poder central, regional e local, sendo que o regional implica um estatuto político-administrativo, com poder político e legislativo específicos e o local apenas com poder administrativo.                 

                        Finalmente, entendo que numa próxima revisão se deve fazer mexidas consideráveis nos poderes do Presidente da República, do Parlamento e do Governo, de modo a adoptarmos um sistema de governo presidencialista em S.Tomé e Príncipe adaptado também a nossa realidade.

                        Não vou discorrer aqui sobre todas as virtudes que descortino nesse sistema; mas vou adiantar algumas para a reflexão de quem achar que há alguma pertinência nisso.

                        Como já é comum mesmo para os não juristas e os versados em Ciência Politica e afins, há  três grandes sistemas de governo no mundo de hoje como padrão, a saber: sistema parlamentar, sistema presidencialista e sistema semipresidencialista.

                           O sistema parlamentar tem origem ou foi mais inspirado em Inglaterra, embora aí o sistema seja tipicamente classificado de sistema parlamentar de gabinete, com grande preponderância do primeiro-ministro.

                            Este sistema de governo conheceu outras nuances tendo como exemplo o sistema parlamentar de governo de chanceler na Alemanha; o mais comum do sistema parlamentar de governo é o da Itália. Nesses sistemas, o que releva mais é predominância do parlamento e o Presidente da República com um papel quase que decorativo, geralmente não eleitos por sufrágio universal, mas sim pelos parlamentos.

                        Temos o semi-presidencialismo que tem origem em França e este sistema distingue-se do britânico e do americano,”pela sua origem revolucionária e, depois, na vocação universitária de difusão de ideias que lhe está associada”.

                        Este sistema semipresidencialista foi o que mais inspirou as Constituições dos Palop’s depois da democratização dos seus regimes, claro está, por afinidades históricas e culturais, com origem no sistema português de então. Mas esta adaptação não foi uniforme nesses países, pois Angola e Moçambique embora tivessem um Primeiro Ministro, os sistemas que adoptaram eram fortemente presidencialista, não se podendo mesmo qualificá-los de um simples semi-presidencialismo de pendor presidencialista. Será um presidencialismo atípico, ou seja, não corresponde aos parâmetros do presidencialismo americano, como todos os outros. Porque, concebido nos EUA com a Constituição de 1787, o sistema presidencialista só funcionou com a sua pureza originária nesse país.

                        A propensão para adoptar o sistema semipresidencialista adveio, a meu ver, da ideia de democraticidade na distribuição dos poderes do Estado para os três órgãos de soberania políticos, para que cada um tivesse o seu papel no xadrez político novo e de forma equilibrada.

                        Pessoalmente, tenho alguma paixão por esse sistema, abstractamente falando, porque parece reflectir essa ideia de distribuição equilibrada de poderes.

                        É um sistema que quase é balanceado para um lado ou para o outro, ou seja, ou tem pendor presidencial ou parlamentar. Dificilmente se encontra equilíbrio entre os dois órgãos de soberania (Presidente e o Parlamento). E essa vacilação se faz à volta do órgão de soberania executivo que é o Governo em que a responsabilização deste perante os outros varia, sendo certo que neste sistema o governo responde perante os dois.

                        Em virtude de haver essa  vacilação na distribuição de competência, este sistema é vulnerável para gerar conflitos políticos, o que pode conduzir a queda de vários governos. É um sistema que, pela sua natureza exige muita ponderação, muita sensatez e sentido de Estado dos actores políticos.

                        Como já vimos, desde a nossa II República que vivemos momentos de crise política quase constante. Não por culpa do sistema em si, mas, essencialmente, por culpa dos actores políticos que não conseguem conviver com essa diversidade do sistema de governo semipresidencialista.

                       Finalmente o sistema presidencialista. É um sistema que tem a sua origem nos EUA  como já disse, e foi-se propagandeando pela América latina de forma atípica e com especificidade própria de cada país.

                        Este sistema tem como figura principal ou protagonista, o Presidente da República que é “titular do poder executivo ou da função governamental”. Há uma identidade entre o Governo e o Presidente, ou seja o Presidente da República é que é Chefe do Governo, e o Governo é independente do Parlamento. No sistema típico americano, o Presidente é independente do Parlamento, não respondendo politicamente pelo parlamento, nem podendo este ser dissolvido por aquele.

                        Há o que é marcante e, para mim fascinante, neste sistema presidencialista … é o chamado “ IMPEACHMENT” que nos EUA consiste em o Presidente da República sujeitar-se à responsabilidade criminal efectivada por deliberação do Congresso (Parlamento), mas por maioria qualificada de 2/3. Há aí uma “interdependência funcional, com mútua colaboração e fiscalização – veto presidencial das leis, superável por 2/3 e mensagens do Presidente ao Congresso”. Este sistema que só surgiu só aí é que funcionou eficaz e pacificamente, pelo menos tal como foi concebido.

                        O sistema presidencialista americano sofreu várias “transplantações globais e parciais” na sua difusão pelo mundo, sobretudo nos países de língua espanhola e pelo mundo fora há várias versões do presidencialismo, sendo o mais recente, o angolano, em que o Presidente da República não é eleito por sufrágio universal e directo típico como é conhecido, pois ele não se apresenta individualmente ao sufrágio, mas sim aparece como líder do partido mais votado, como um candidato parlamentar. Parece-me ser um caso para estudos laboratoriais de Ciência Politica.

                       Temos como presidencialismos atípicos mais conhecidos o do Brasil, de Moçambique (que tem essa ligeira diferença com o de Angola, pois ali o Presidente é eleito por sufrágio universal e directo).

                        Nessa “transplantação” ou difusão pelo mundo, há várias versões, cada país com a sua especificidades e realidades, etc, e constrói-se e vai-se construindo vários “presidencialismos” por aí.

                        Nada mal. Nenhum sistema é perfeito. O que importa é que cada país encontre um que melhor se adapte a sua realidade, a sua história e o seu contexto político e sociológico.

                        Eis que, reflectindo sobre as vicissitudes que ocorreram no nosso sistema semipresidencialista de governo desde a democratização, penso ser oportuno mudar para o sistema presidencialista com duas condições fundamentais: Presidente eleito por sufrágio universal, directo e secreto e o IMPEACHMENT.

                        Um primeiro factor que aconselha a isso, é que pelas características do homem santomense, é muito difícil lidar com a diversidade do semipresidencialismo que implica a conjugação de muita intervenção e participação, neste caso concreto, de articulação dos poderes dos três órgãos políticos de soberania. Não tanto porque um homem só é melhor, mas, tão simplesmente porque a vida pública é mais facilitada, cumprindo os parâmetros democráticos constitucionais. Dir-me-ão: e santomense dá-se bem com o poder quando ele os tem tanto? A resposta seria: somos complicados em tudo. Mas se não tiver que haver muita cabeça a pensar e decidir, pelo menos na função executiva a complicação é menor e a viabilidade facilitada.

                        Segundo factor: o Povo santomense tem uma cultura governativa de sempre até a democratização de que há um chefe que manda; no período colonial foi o Governador e na primeira República foi o Presidente da  República que comandou os destinos do país, mesmo havendo vários órgãos do Estado (e do partido!). Aliás, os sistemas de partido único são por natureza presidencialistas do tipo leste.

                        Terceiro factor: com a pequenez do nosso país penso que não justifica haver um Presidente da República e um Governo independente um do outro. Como muitos invocam e com alguma razão, este território foi governado apenas por um Governador. É evidente que não se compara a estrutura de uma colónia com a de um Estado, tenha o tamanho que tiver. Mas se adoptarmos um sistema presidencialista em que o Presidente da República é o Chefe de Estado e do Governo, com direcção sobre todos os Ministros, há uma simplificação do sistema, o que o torna, obviamente mais eficaz.

                        Quarto factor: devido às nossas dificuldades económicas, quase que crónicas, dependendo essencialmente de apoio externo, a fusão dessas duas estruturas numa única acarreta sempre uma grande diminuição de despesa para o país. O custo dessas duas estruturas é muito pesado para o país!

                        Dada a vulnerabilidade de, com tanto poder, haver  propensão para o seu abuso, sobretudo em África, os cépticos quanto ao sucesso desse sistema de governo, devido  ao risco de o regime tornar-se totalitário ou “ditadura” como se costuma dizer, receiam que essa opção possa ser nefasta. Entendo que não. Desde logo, como acima referi quanto as características do presidencialismo americano, uma das condições básicas para adoptarmos um sistema de governo presidencialista é consagrarmos o mecanismo de IMPEACHMENT e –  quiçá, mais rigoroso do que o americano que fá-lo depender apenas de uma acção criminosa do Presidente da República – é estruturarmos o nosso “impeachment” com um cariz politico, no sentido em que, se um Presidente da República abusar gravemente das suas funções, violando a Constituição em termos tais que põe em causa a democracia, por iniciativa de ¾ de Deputados e uma votação por maioria qualificada de 2/3 o Presidente da República é destituído. Ou seja, adoptar-se-ia um impeachment também político. Defendo o presidencialismo para o meu país, mas temo também pelos abusos e excessos que podem advir daí, como é sobejamente conhecido, mesmo no nosso semi-presidencislismo quando era de pendor presidencial até a revisão constitucional de 2003.

                        Obviamente que se o país optar por essa via terá que realizar estudos sérios sob a sua viabilidade, até com apoio de organizações internacionais e especialistas altamente qualificados para que, nessa eventualidade, possamos vir a ter um sistema de governo que contribua para tirar este país do marasmo em que se encontra e não para estrangulá-lo como o nosso sistema semipresidencialista está a fazer. Talvez seja isso a nossa salvação.

                        Tentarei aprofundar melhor a minha ideia sobre um presidencialismo para S.Tomé e Príncipe, sendo certo que essa mudança depende de uma revisão constitucional com um consenso alargado e com grande participação e envolvimento dos cidadãos, sem necessidade de referendo, porque a revisão constitucional não precisa de referendo. O que o actual artigo 70.º impede é que se leve ao referendo questões que têm a ver com a revisão constitucional, como é o caso de mudança do sistema do governo que consiste na reafectação e redistribuição dos poderes do Estado.

                                                                       HILÁRIO GARRIDO -NOVEMBRO/2011

17 Comments

17 Comments

  1. opiniao realistica em geral!!!

    16 de Dezembro de 2011 at 14:39

    essa revisao urge e há que tempos!

  2. luisó

    16 de Dezembro de 2011 at 15:52

    Boa explanação.
    CONCORDO.

  3. Francisco Castanheira

    16 de Dezembro de 2011 at 17:11

    Isto deve ser feito imediatamente
    Parabens Sr Garrido

  4. Salvador

    17 de Dezembro de 2011 at 2:42

    Muito boa reflexão. Aproveito para acrescentar que um País tão pequeno como o nosso também não precisa de ter câmaras distritais. Penso que o próprio ministério da descentralização poderá nomear um secretário de estado local para os nossos distritos, que irá trabalhar com os deputados (a serem eleitos de forma directa por círculos eleitorais) que representam os distritos na Assembleia Nacional. O resultado desta reforma seria recursos que servem para alimentar as câmaras e as assembleias distritais (ineficazes), seriam postos ao serviço da população. E claro os deputados teriam menos “férias parlamentares” e responderiam directamente ao povo.

    Abraço,
    Salvador

  5. OP Angola/STP

    17 de Dezembro de 2011 at 12:10

    O que deixa me preocupado é que em STP fala se muito e faz se pouco quando são fatos relevantes, por outro lado falam pouco e roubam muito este é o senário.

    Espero que este assunto não fique perdido no tempo.

  6. A.G Brasil

    17 de Dezembro de 2011 at 20:27

    Muito bem senhor Hilario Garrido,

  7. santomense

    18 de Dezembro de 2011 at 2:57

    Sr. Hilario Garrido,
    infelizmente, p/ um pais tao pqueno e imensamente CORRUPTO, a revisao constitucional nao sera facil. A falta d’etica moral e a mentalidade corrupta desses politicos incompetentes, jamais permitirao q. o “status quo” se mude. Mencione ao menos 1 q. ja foi punido por fraude,incompetencia ou outro crime q.quer! Boa sorte !!!

  8. João Bosco Menezes de Pinho

    19 de Dezembro de 2011 at 8:56

    Nada que os Juizes sãotomenses dizem me convence.As ideias são explanadas com base na mercantilização dos tribunais. Entretanto julgo que a nossa constituição deve ser revista sim. Sobretudo no capitulo que se refere aos Tribunais, direitos e liberdade do cidadão. Libertem o Adelina Izidro!

  9. bomba h

    19 de Dezembro de 2011 at 9:42

    Com tantos homens de leis em S.Tomé,e mais agora com o IUCAE a aumentar a produtividade,O lusiadas a fazer o mesmo,devia haver mais artigos juridicos como este,e mesmo sobre outros temas comtroversos,e h´s linguas q dizem q o Garrido não faz nada.Avante dr.garrido.
    bravo.

  10. Carlos Ceita

    19 de Dezembro de 2011 at 13:35

    Não sou jurista para poder aprofundar o tema tao pertinente. Mas a verdade é que concordo com o senhor Dr. E sou de opinião que as constituições da Republica devem acompanhar os tempos. E ate os portugueses com a democracia mais madura que nós já pensam em reformar a carta da nação por isso o que é que estamos a espera. É que nossa constituição é uma espécie de copy paste da C. portuguesa sem ter em conta a nossa própria realidade. Cada vez mais a figura do presidente da republica esta
    Oxalá tenhamos uma constituição equilibrada que não seja refém do socialismo radical nem do neoliberalismo selvagem.

  11. Carlos Ceita

    19 de Dezembro de 2011 at 13:37

    Cada vez mais a figura do presidente da republica esta obsoleta.

  12. Barão de Água Izé

    20 de Dezembro de 2011 at 16:00

    Para o desenvolvimento de STP, é fundamental que o Presidencialismo, como forma de governação do nosso País, seja o sistema a consagrar na Constituição.
    A alteração da Constituição deve impedir a sucessão familiar, ações militares e figuras “carismáticas” que se eternizam.
    STP tem que se libertar dos fantasmas do Presidencialismo anti-democrático exercido no passado por Pinto da Costa.

  13. Nao e' Assim

    21 de Dezembro de 2011 at 21:05

    Existe um sistema presidencialista nos Estados Unidos de America. Ve como e’ que esta a funcionar… O problema nao esta no sistema em si. O problema esta nas pessoas, individuos; homens e mulheres na gestao de coisa publica e privada. Se tivermos boas gentes com integridade, onestidade, etica, moral, e trabalho duro, entao o pais avanca.

  14. Tiberio

    23 de Agosto de 2012 at 11:46

    Muito bem!!

  15. Marcelino Delgado Junior

    4 de Janeiro de 2016 at 16:43

    Muito BEM

  16. Felisberto Bandeira

    29 de Maio de 2016 at 18:01

    O meu sentimento e que adotemos o sistema Presidencialista muitas das vezes os eleitore elegem o Presidente com o voto dereto com o inruito dele governar quando o nosso atual sistema nao permite , eu sou da opiniao que seja introduzido sistema Presidencialista, e sairemos todos a ganhar .
    Kero parabenizar Dr.Ilario Garido por clarificacao deste post sobre sistema de Governacao

  17. Dar César o que é de César

    30 de Maio de 2020 at 0:45

    Afinal a NOTA (medíocre)que PATRICE Trovoada e a sua vassalagem atribuiu a Dr Garrido não condiz nada com seu conhecimento a nível do Direito!

    Parabéns Dr Garrido pela reflexão, quanto a Lagaia ele há de pagar todo mal que causou a si!
    Diabo leva pinta cabra, pinta cabra não desculpa-me esqueci que o homem foi rebatizado com nome de “Lagaia Furtador”!

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