Análise

Rumba de Dekker Baptista kabakuêlis na arena internacional dos EUA

A recente condecoração de Dekker Baptista, jovem karateca são-tomense, num pódio de fama internacional na prática da modalidade não deve ser ignorada nem tão pouco relegada a boca do acaso, partindo do princípio pelas mais bravas barreiras por que teve de tropeçar até entrar na roda dos grandes.

Através do Téla Nón vamos conhecendo alguns jovens que tentam a sorte nas distintas modalidades e nos vários clubes portugueses de escalão menor com a ajuda alheia e, não só, na busca da sua afirmação desportiva, tudo em nome de São Tomé e Príncipe. Há apostas ganhas! Naide Gomes é uma actualidade da qual não nos vamos dar ao luxo de despachar que não é a nossa. Desconhecido de muitos, Dekker desperta o nosso ego com o hastear da bandeira e do hino do mais pequeno país dos PALOP e da lusofonia, no pódio de Las Vegas, triunfando-se com a medalha de bronze.

Kabakuêlis, sem significado algum para o mundo, foi a magia da vitória de Dekker Baptista, tornando-se assim uma marca que pudemos conotar ao sucesso, a imaginação e a auto confiança que fazem falta ao deficit do país que, é também pertença de todos que não se sentindo uns fora-da-lei na razão que a própria razão lamenta em ser-lhes imposto outras estratégicas que visem um olhar contextual a distância da plataforma de desenvolvimento de São Tomé e Príncipe.

Se no campo desportivo kabakuêlis atinge uma marca invejável, ao nível musical, no mais concreto a música de São Tomé e Príncipe, somos nós próprios, os filhos da Santa Terra que assumimos kabakuêla. É no mínimo curioso, caricato e chocante a nossa bôkôfobia. Tentaremos sem precipitar o zelo da consciência de cada um de nós, concentrarmo-nos nos letratos que se seguem, sem os quais despistávamos do conceito afim.

Nem pusemos os pés na Santa Igreja aonde a criança de cinco anos recebera a bênção das águas do rio Jordão pelas mãos do Padre em substituição do Apóstolo São Baptista. Não se tratava de um casamento onde sim, presenciávamos de fato e gravata mesmo com o cheiro ao mofo por défice de uso e as nossas companheiras em passarelas pousavam para a memória futura. Assistíamos sim, ele a mentir a Sua Santidade que a amava na dor, na tristeza e na alegria até ao fim da vida e ela, faltando a verdade ao Senhor, jurava ao Padre que fazia das palavras do noivo, o único amor da sua vida, as palavras dela sem um pingo de mentira a mistura. Nem ele, nem ela mereciam a pele de políticos para as palavras serem acusadas de falsas promessas ainda mais perante o representante divino!

Comparecemos a hora marcada do esbanje com sacos, marmitas, cartões com garrafas e panelas a boa maneira da terra (quando somos convidados para a festa, gen non vai di mão a abanar não!) e quando eram três da tarde com as mesas pintadas de tanta fartura, a barriga já rejeitava tudo quanto tivesse que ser enviado as tripas. Nem coisa seca via buraco pá descer. Os rapazes já esfregavam as meninas. Mentira! Tarachavam as moças que gente grande punha as mãos nos olhos envergonhados a tapar a boca, reclamando-se de que antigamente não era assim, como que o mundo fosse feito para as angústias. Algumas kôtas para lá de quarenta com tangas a mostra, também faziam o esforço de exibirem as tarachichas para serem moças-novas. As meninas gostam da esfrega! Os tempos passaram e a coisa é a outra! Já há muito que a dança com a dama apertada ao sexo e a receber uma esfrega de aquecer as veias, deixou de ser a falta de respeito autorizada. Não é tabu, não!

Inconformados os mais velhos, avós, tios, primos e amigos dos amigos dos pais da inocente criança que corria nas brincadeiras com as outras crianças que só cheiravam a comida, quando passavam das cinco da tarde insistiam em querer ouvir a música da terra. Nem que fosse só uma! Pediram ao jovem casal, dono do regabofe. Repostaram no DJ já no caminho dos quarenta de ternura. Suplicaram aos ouvidos deste e daquele que viam aos ouvidos do rapaz das músicas. Chêi! Nem uma música di terra ôcês non põe pá gen tira kuesa no coração!?

Já passavam das seis, finalmente! Soprou um vento de saudades das ilhas de São Tomé e Príncipe até ao salão da boda do baptismo, algures em Lisboa. «Plêmê limon ku pachença ô, pá non piá chê ká tó awa». Com a ajuda de Deus, um silêncio rodeou os olhares da festa. Estranheza. Provocação. Indignação. Parecia que ninguém conhecia a música de Godinho do Mindelo. O casal sexagenário que vez ou outra lá impedia que o reumatismo se exibisse tão cedo e metia-se no meio das nossas tarachichas, tirou as coesas do coração e os dois espremiam com a máxima paciência o limão em busca do líquido, enquanto os jovens que davam vida a tarde dançante, com as garrafas aos goles, apupavam de fazer aos outros chorar.

Seguiu-se-lhe uma cantiga de Bulauê Pastelim de Uba Cabra vibrando aos ouvidos aquele instrumento com que o mais velho de camisa de Oné, substituía o piano que só o velho Lambuko com o seu berimbau ou coisa parecida nas suas cantigas de cascar gente os dentes, até as orelhas sabia tocar de luchan em luchan, di Ribamato até Cidade d’Alê e que o tempo leva ao desaparecimento. Umas duas orelhas saíram a sala. O pai da inocente criança abençoada na sua entrada no reino dos Céus pegou na avó, octogenária da festa e matou-lhe uns pingos de saudades reumatizadas no vaiar dos jovens.

A Puita de Samangungu de Cabeça Água veio em rajada baralhar os estômagos e lá os nossos colegas jovens na sua maioria na casa dos vinte, trinta anos e nem tanto, todos mais novos que a própria independência da terra, alguns até da democracia, voltaram a sala numa manifestação de fazer o inglês ver. As meninas não davam kumba aos mais velhos que já viam sendo rejeitados desde as tarachinhas. Trocavam a vez e esperavam pelos seus pares de enguiçar o Periquito ou Tluki, o velho Valé que insistia em cada um com a sua, porque cada gen tem cheiro dele. Nem San Zinha, nem Pedlêlu, nem Aninha do General João Seria de África Negra. Nem África Verde. Nem Os Untues. Nem Os Leonenses. Nem Bom Dia Primo. Nem Rumba de Sangazuza. Nem PP Lima. Nem Camilo, nem Gapa, nem Juka, nem Kalu, nem Ailton, nem Garrido. Nem os outros. Nem as moças, nem esses rapazes novos da praça. Nada!

O Jazz é americano. Quem lhe trepou ao pódio? A Samba é brasileira. Quem lhe subiu ao Cristo Rei? O Funana e a Morna são cabo-verdianos. O Reggae de Bob Marley da Jamaica. O Zouk das Antilhas. O Fado. O Kuassa-kuassa. O Tango. A Valsa. Cada um com o seu selo. O Semba e o Kuduro.

No entendimento artístico, a música é aquilo do que se pode fazer dela culturalmente. Com dois paus, duas latas, duas colheres, uma garrafa e um sopro de voz dança-se a coisa. A nossa Puita. A nossa Dêcha. O nosso Bulawê. A nossa Rumba. «Bô iska vidja Mora ô

Podemos gabar-nos em afirmar que as Universidades pelo mundo fora e muito em particular as portuguesas e as escolas de formação profissional na Tuga concorrem ao saber centenas e centenas de jovens estudantes, uma grande quota intelectual para a nossa população de pouco mais de cem mil habitantes.

São estes jovens estudantes e outros, os primeiros a assobiar a música da terra em qualquer convívio e muito especialmente nos nossos baptizados, casamentos, aniversários e todo o tipo de festas com que vamos dançar o Verão que já aquece, preferindo todas as outras, aonde pelo contrário, devia ser o palco promocional da nossa melodia aos olhos de convidados lusófonos e outros.

Devíamos dar ao César o que é dele e excluir deste rol da nossa estrangeirice o pessoal do Príncipe. Não perde um só momento em dançar e cantar de forma tão apaixonada a cadência melódica da nossa Dêcha. Falso! Estivemos numa actividade em que a Associação dos Amigos do Príncipe – AAP – recolhia oportunidades e concelhos associativos para a melhor afirmação no seu papel social junto das comunidades e não foi do espanto quando os protagonistas da tarde de sábado preferiram tarachar as pulas. Não é coisa de todos os dias ter branca de borla no peito. Não venderam a marca das ilhas. Nem a Dêcha de Camilo Domingos espetado na sala de Ameixoeira ouviu-se naquela tarde.

Todos nós, vestimos diariamente o fato e a gravata de Primeiro-Ministro, com ou sem estatuto de militante partidário, mas no dever patriótico e, anunciámos sistematicamente ao país e ao mundo as linhas programáticas de desenvolvimento de São Tomé e Príncipe. Sem necessitarmos deste traje formal porque não elegemos e vendemos a nossa marca? Quando é que trazemos ao mundo a nossa marca para que o mundo vá as ilhas mastigar tudo de bom que vem por acréscimo e que temos em abundância de embebedar aos olhos turísticos? Quando? A nossa fauna e a nossa flora ainda permanecem endémicas na linha do Equador, no beijo de Atlântico a África.

Não são os outros, não! O complexo de inferioridade para aqui assumida de bôkôfobia é patente nas nossas manifestações de querermos ser o que não somos. Cabe-nos a nós, os são-tomenses e hoje mais do que nunca vendermos a nossa marca. Já somos muitos para lá do Equador. O leve-leve já ocupa o seu espaço, mas não chega. Assumamos a nossa música. É ela a nossa identidade.

Voltemos a kabacuêlis! Dekker Baptista é bronze do Open de Las Vegas. Com esta notícia de ouro o Téla Nón presenteou-nos com o que muita falta faz ao nosso ego disparatado da terra mãe por culpa de outros e nunca da nossa resignação. Quanto mais vemos o esforço alheio em entender a deriva do pensamento, mais confrontamo-nos a margem das intervenções para aqui desnorteadas da sumula evolutiva a que pretende este jornal on-line julgado de poder interpretativo da sabedoria das palavras.

Temos aqui um exemplo de luta, constância e criatividade com o selo de São Tomé e Príncipe. Não é todos os dias que, mesmo as mais conceituadas Nações do Mundo, chegam ao pódio. Para que no dia a seguir a vitória do jovem karateca não lhe relegarmos a má vontade do esquecimento, achamos oportuno voltar a kabakuêlis com que devemos render a suprema homenagem a Dekker Baptista. Questionamos. Kabakuêlis pode tornar uma marca para acabarmos com a nossa fobia pela música nacional?

A música no seu figurino artístico tem sido uma mais-valia com projecção consoante a aposta de cada povo, ao ponto de premiar a sua cultura. A África vem entrando com ou sem conflitos no alfabeto ocidental e, não só, através da sua cultura que complementa o sabor e o sacrifício profissional, notabilizando o que de melhor a Humanidade pode digerir. A juventude são-tomense não se vai acomodar e aprisionar ao complexo menor para que amanhã não venha culpabilizar aos outros pelo rapto da sua identidade.

Ao bem da verdade e com os testemunhos da iliteracia que nos são ofertados, no risco de provocar o colapso de pensamento, devíamos poupar o tempo e em dois lances ou dois golpes de karaté traduzir a nossa embaixada.

Primeiro. A Nação são-tomense homenageia Dekker Baptista, bronze do Open de Las Vegas, cidadão do ano em virtude de ter levado ao pódio internacional o nome, o hino e a bandeira de São Tomé e Príncipe. A chama mantem-se acesa na espectativa do ouro no Xº Jogos Africanos de Maputo.

Segundo. Até quando os jovens são-tomenses apostam na venda da marca melódica das ilhas, poupando a música da terra do vexame da nossa bôkôfobia? Até quando a nossa hostilidade pela música da terra?

«Não podia mais decepcionar nem a mim mesmo nem tão pouco vocês que tanto têm buscado apoios e me incentivando nesse processo. Apresento aqui mais uma vez a minha total gratidão a todos que deram as suas contribuições para essa minha nossa conquista e que tanto torcem para a gente kabacuêlis.» Palavras de agradecimento de Dekker Baptista, medalha de bronze no Open de Las Vegas.

15.05.11

José Maria Cardoso

13 Comments

13 Comments

  1. Monte Cara

    17 de Maio de 2011 at 16:40

    Compatriota José Maria!
    Pabens pelo excelente texto.
    Concordo consigo em tudo que disse.

  2. Mina di Célivi

    17 de Maio de 2011 at 17:09

    Podem me explicar se “Kabakuêlis” é a nova palavra que entrou em vigôr devido ao novo arcodo ortográfico??
    Sinceramente!!!

    • Fred

      17 de Maio de 2011 at 22:05

      Kabakuêlis = Acaba com eles!

  3. voz do povo

    17 de Maio de 2011 at 20:51

    Todos nos temos o dever de promover a nossa cultura, de modo a dar ba conhecer ao mundo o bom e melhor de nós mesmos e acima de tudo da nossa nação.

    Exemplar demonstração do Dekker.

    Termino solicitando ,uma explicação ou significado sobre “kabacuêlis”

    Obrigado!DEKKER

  4. Aoaní d'Alva

    17 de Maio de 2011 at 21:14

    Kabakuelis é um grito de guerra, uma palavra de força, criada de forma a usar o sono forro adaptado a fonética japonesa, uma vez que a modalidade do Dekker é o Karaté. Dúvidas tiradas, devo dizer: Parabéns Dekker. Continuamos com a campanha para te levar aos jogos de Maputo. Aproveito aqui o forum e o Tela Nón, para pedir a todos que contribuam para que Dekker Baptista possa ir ao Reino Unido em junho, participar de um campeonato, que o há de preparar para os Jogos Africanos de Maputo. É importante que os atletas compitam para poderem estar em forma e avaliar os seus pontos menos fortes. Desde já muito obrigada. Via o Dekker e Viva STP!

    • Aoaní d'Alva

      17 de Maio de 2011 at 21:26

      nosso*

    • voz do povo

      17 de Maio de 2011 at 21:54

      OK,

      Obrigado!

  5. voz do povo

    17 de Maio de 2011 at 21:53

    Todos nós temos o dever de promover a nossa cultura, do modo a dar a conhecer ao mundo o bom e melhor de nós mesmos e acima de tudo da nossa nação.

    Exemplar demonstração do Dekker.

    Termino solicitando ,uma explicação ou significado sobre o “kabacuêlis”

    Obrigado!DEKKER…

  6. Digno de Respeito

    18 de Maio de 2011 at 4:03

    Optima comparação. José M. Cardoso, revela-se muito atento ao pormenor que vai a sua volta. A sua preocupação com a marca santomense é também a preocupaç~ode uma grupo de jovens que já vem reflectindo sobre o assunto. Já há grupos reflectindo sobre o assunto. Está interessado em colaborar? Tem porta aberta. Contudo, permita que lhe felicite uma vez mais pelo texto. Realmente a AAP, ve demonstrando o seu sentido patriótico para com a Ilha do Príncipe. Mas, o facto de se dedicarem as causas das Ilhas, não significa que não possam partilhar outras culturas. De contrario estariamos a entrar no princípio do contraditório. Logo, questionaria: o que é o desenvolvimento global?

  7. Fe em Jesus

    18 de Maio de 2011 at 8:27

    Good. Muito bom

  8. meymadra

    18 de Maio de 2011 at 8:43

    “Até quando a nossa hostilidade pela música da terra?”
    respondo, ate quando a gente começar a ter uma RADIO NACIONAL e verdadeiros DJ´s

  9. kwatela

    18 de Maio de 2011 at 14:02

    so os k vivem na diaspora sentem o que escreveste com emocao meu amigo e camarada.ao ler isto vieram-me as lagrimas aos olhos por lembrar o nosso modus vivendi la na nossa ilha.obrigado por me lembrares mais uma vez que sou saotomense.olha meu caro lembrei-me agora do poema de agostinho neto”havemos de voltar”sim havemos de voltar, as lagrimas caem por ser ainda uma miragem, mas a esperanca mantem-se firme e hirta.BEM HAJA A TODOS

  10. Jorge Cardoso

    27 de Maio de 2011 at 14:17

    Devo admitir que JMC escreve dos melhores textos ja lidos por mim em todos os espaços cibernauticos do mundo. Tive o prazer de ler ate ao fim este brinde de 1ª categoria.

    Sobre o assunto em si, realmente, é de se lamentar a atitude dos nossos DJs santolas em Portugal. Estão tão estrangeirado que ate mete nojo.

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