Opinião

Telhado de vidro do Parlamento são-tomense

Os são-tomenses maioritariamente jovens, em Agosto de 2010, apostaram, nas novas caras da Acção Democrática Independente para os “novos” responderem e encontrarem soluções políticas e legislativas a penúria endémica das ilhas do Equador.

Ao priori, a nova geração desprovida de culpas no cartório, contrariamente aos cabelos brancos do MLSTP/PSD, do PCD e até do solitário MDFM, os nossos anjinhos assumiram a dupla responsabilidade, por um lado, a de afastar qualquer poeira que suje o fato do Governo, e por outro, terminarem a legislatura com o próprio fato isento de nódoa corrompida.

Num país em que ao dedo acusador dos políticos se lhes exige olharem pelo próprio espelho, os jovens deputados têm a nobre missão de mudar o estado de coisas com que compromete o bom funcionamento da casa das leis para que amanhã não venham a ferir dos estilhaços da pedra que possa ser atirada ao telhado de vidro do nosso Parlamento.

Nas movimentações das últimas presidenciais confrontamos com um grupo de colegas que apoiavam e acreditavam na vitória de Delfim Neves ao mais superior cargo da Nação. No direito da transparência democrática, bruxamos-lhes a cara. Como é que um candidato vaiado em variadíssimos casos de corrupção não esclarecidos e encoberto pela batina da imunidade parlamentar iria vencer adversários menos sujos ou até descomprometidos com o rasto nojento da corrupção em São Tomé e Príncipe? Um dos jovens que o país confiara a licenciatura numa das universidades portuguesas já ao meio dos estudos, deu do seu juízo que Delfim Neves, ao contrário dos outros corruptos e avançou várias figuras ex-governantes do nosso martirizado povo, tem mão aberta. “Ele dá ao povo um bocado daquilo que rouba. Não lhe interessa chegar numa zona e distribuir dinheiro.”

Embora no período de caça aos votos, não levamos à letra este exagero do jovem académico. Distribuir dinheiro num país sem qualquer fonte económica e que vive de doação internacional para o OGE (Orçamento Geral do Estado) em mais de 90%? Todavia, nos arquivos de emigração é corrente nas ilhas por parte dos nossos conterrâneos que tentaram a sorte no estrangeiro que o primeiro Presidente de um país africano independente fazia isso mesmo. Sobrevoava o seu pedacito de África lançando maços de notas ao seu povo. Lá o dinheiro era proveniente de exploração mineira.

Outras formas de exibir o cacau também não faltam aos nossos conhecimentos. Na semana passada foi notícia em França que 16 milionários franceses reuniram-se e exigiram ao Governo de Sarkozy a criar um imposto extraordinário sobre a riqueza privada, demonstrando o contributo dos homens do dinheiro para ajudar o país no novo plano de austeridade económica. Este exemplo vem da semana anterior de um multimilionário americano que apelou ao Governo Democrata de Obama para “deixar de mimar aos ricos”, isso mesmo, deixar de mimar aos ricos, impondo-lhes mais impostos sobre as suas riquezas. Também da Alemanha já há algum tempo ouviram-se vozes milionárias neste sentido, dos políticos taxarem mais aos ricos, ao invés de continuarem a exigir mais dos pobres para resolverem os défices financeiros. Enfim! O poder económico do capitalismo habituado a mandar na agenda dos governantes agora, mais bondoso, já se disponibiliza a ajudar aos pobres através da redistribuição mais justa dos rendimentos das suas riquezas.

Em Portugal, porque a moda veio para ficar, o Governo e a oposição tentam convergir na ideia de criação de uma taxa especial sobre o rendimento, no campo mais amplo a riqueza, ou seja, sujeitarem aos ricos com uma carga fiscal mais pesada. E em São e Príncipe? Claro. Num primeiro fôlego, somos obrigados a saber se temos homens ricos. Temos?

Da semana passada, vem-nos a boa nova do Governo são-tomense. Através do balcão único foram criadas, no país, ao longo de um ano mais de 200 empresas. Com tanta iniciativa de organização económica e financeira privada não nos faltarão riqueza a breve trecho. Dúvidas!? Recordemos que os emissários do Banco Mundial, apesar de ajustes temporais, mais humanos que antigos números financeiros, encontram-se no país a vasculhar as contas públicas com objectivo a abrir as portas do país aos novos investidores e, não só. O momento escolhido, após o estado de graças do país, não é o melhor para o nosso desconsolo.

Delfim Neves, líder parlamentar do PCD apresentou no hemiciclo na semana pós presidenciais acusações confirmando o desvio de 40 mil chapas de zinco das alfândegas de São Tomé com a cobertura legal do Governo de Patrice Trovoada. Segundo Delfim Neves, foram dois roubos simultâneos, tendo em conta que o Governo primeiro, anulou um despacho das autoridades aduaneiras que estabelecia o levantamento deste produto pelo pagamento de 440 mil USD pelo valor simbólico de 44 mil USD, desfraldando os cofres do Tesouro Público em cerca de 400 mil USD, dinheiro suficiente para ajeitar o estado degradante da saúde do hospital Ayres de Menezes. Segundo, o produto sem qualquer concurso público evaporou-se das alfândegas para o destino incerto.

Entretanto, porque o país viveu recentemente um longo período de bênção, na boca da rua consta de que as mesmas chapas de zinco compradas ao abrigo de doação do Governo japonês e alfandegadas desde 2009, foram distribuídas pelas figuras de ADI para a compra de consciência, o nosso famoso banho para o agrado do povo. Nada que seja inédito na nossa democracia. Das mercadorias esquecidas nas alfândegas, a população de Santa Catarina saiu da escuridão com a oferta do Governo, do gerador eléctrico de um grupo de três geradores abandonados há mais de três anos. Ainda temos tristemente presente, o filme do início desta legislatura referente a um contentor de medicamentos achado no mesmo porto, esquecido pelo Governo cessante, produto de doação internacional que o tempo se encarregou a danificar. A desresponsabilização deu-nos a triste sorte de aparecer nas nossas alfândegas produtos de utilidade pública que não são reclamados pelo próprio dono, o Estado.

Na palestra do Téla Nón não faltam Santos e Pecadores. Uns insurgindo em defesa de Delfim Neves pela coragem em abrir o fundá do actual executivo. Outros sujeitando o nosso deputado a condenação púbica exigindo-lhe explicações nos desvios de milhões da Doca Pesca, passeios de Água Grande, empréstimo brasileiro e até dos milhares de USD que arrancou a ferro e fogo do paupérrimo cofre do Estado são-tomense. Ao final de contas, o que pretendemos fazer do nosso país?

Os deputados da Nação não podem acusar, porque são acusados de “gatunos”. Não devem fiscalizar, porque são advogados em causas próprias. O que fazer com a nossa democracia? Um jogo partidário onde os eleitores periodicamente são convocados para cumprir a insígnia de “povo põe, povo tira!” alternando os figurantes do poder e da oposição?

Os agricultores de Pinheira desesperam pela inauguração da conduta de água para a irrigação do campo que prometia abastecer o mercado de bens essenciais de primeira necessidade. Erros de construção podem levar a evaporar 103 mil euros de financiamento estrangeiro, voando consigo o sonho de uma vida melhor e do emprego a várias famílias com crianças a reclamar pão, escola e saúde. Será que os nossos deputados já estiveram no local dos seus eleitores, trabalhadores da terra, para exigirem contas ao Governo?

Nos países que ressuscitam de cinzas pós conflitos armados ou outros, vemos surgir para apaziguamento das partes, a Comissão da Verdade e da Reconciliação Nacional ou com outro figurino vocabular no propósito único de unir e levantar o país aos olhos do Mundo.

A justiça é um poder de independência sagrada ao serviço da democracia. Todavia a sua subordinação aos jogos de interesses aniquila a sua imparcialidade sujeitando-a a apresentar-se a sociedade com dois pesos e duas medidas. A corrupção e a imunidade parlamentar tornaram-se “comadres do coração” e a justiça limitada ao figurão de certificar-lhes a comunhão. A nossa balança desequilibra-se com a justiça para os políticos e os ricos e, a justiça para o Zé do luchan e o João da candonga.

Os nossos jovens deputados de ADI ainda sem pecados, em nome da disciplina partidária não podem ultrapassar as orientações vindas de cima. Encaixotados nos vários Ministérios e serviços públicos e, com as mãos atadas a subordinação e ao salário, há muito que perderam as promessas eleitorais da defesa dos soberanos interesses do povo que lhes confiou o lugar na cadeira do Parlamento.

Nas chamadas democracias tradicionais, Delfim Neves, com o terceiro lugar angariado dos eleitores são-tomenses nas recentes presidenciais, regressa ao Parlamento, munido de balão de oxigénio, de prestígio político e de autoridade moral para, junto aos seus kambas, fiscalizarem e pedirem explicações em tudo quanto acharem desviante de normas institucionais, quando mais exibem documentações que comprovam a anormalidade pública. É diferente na nossa democracia?

No nosso São Tomé e Príncipe, será que temos de criar a Comissão da Mentira e da Usurpação Pública para que possamos pôr fim aos desvios dos bens do nosso sofrido povo que ciclicamente os políticos dão o banho na disputa dos votos?

Sem cultura moral não haverá nenhuma saída para os homens.” Albert Einstein, físico e humanista alemão, autor da teoria da relatividade (1879 – 1955)

31.08.2011

José Maria Cardoso

1 Comment

1 Comment

  1. João

    1 de Setembro de 2011 at 22:42

    Parabens. Dizes coisas certas, mas tu sabes que a rapaziada não gosta ouvir…
    João

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