Opinião

(In) dependência de São Tomé e Príncipe?

Pretendemos em jeito de sucinta abordagem verificar os benefícios da nossa independência passados que são quarenta e três anos. Mais, importa avaliar o espírito nacionalista que grassa nestas duas ilhas em plena linha do Equador.

O conceito de nação levar-nos-ia a incursões sobre as recentes investivas de muitos territórios no respeitante à sua autodeterminação, sendo os casos mais recentes a ilha de Córsega, no território francês, e a região da Catalunha, em Espanha. O que constitui uma nação? A sua língua, a sua cultura, a territorialidade, os seus rituais sociais exclusivos? Desde o povoamento suscitado por Portugal, na centúria de dezasseis, o que nos fez moldar como povo, o que nos constitui como país?

Não será fácil responder a estas questões tanto mais que as populações santomenses são fruto de uma considerável miscigenação, da confluência e da passagem de imensas culturas por estes dois torrões insulares. Um caldo cultural oriundo de imensas latitudes que constitui aquilo que nós somos enquanto povo. Tudo isto é suficiente para gerar uma nação ou seria necessário mais? Estes pressupostos que bastam para a Catalunha, por exemplo, são suficientes para nós? Fica-nos a dúvida, passados que são quatro décadas da nossa independência essencialmente por uma desconfiança que ensombra o nosso dia-a-dia. Há uma questão fantasma que não devemos ter medo de formular face à difícil história santomense das últimas quatro décadas e face à paralisia daquele que era o filão económico do nosso país – o cacau e o café –, uma vez que a maior parte das nossas roças se encontram num estado comatoso.

A questão fantasma é esta: o nosso país tem sustentabilidade económica? Esta parece ser uma questão que ensombrece o dia-a-dia do nosso país. Temos sustentabilidade económica? Há que encarar a interpelação sem complexos ou disfarces hercúleos. Os indicadores económicos recentes remetem-nos para a cada vez mais notória dependência do nosso país, que ironicamente é independente, das potências que já não sendo colonizadoras atam-nos a um tremendo garrote económico. Sabemos que não há países idílicos nem especiais. Sabemos que cada país luta com as dificuldades inerentes ao seu contexto vital. Inclusivamente o lema marxista que ostenta o brasão das nossas Forças Armadas – unidade, disciplina, trabalho – remete-nos para aquela visão inicial que Karl Marx tinha do que deveria ser uma nação formatada pelo trabalho, ou seja, algo parecido com o paraíso, autênticos édenes laborais. Não existem paraísos telúricos, sabemos que assim é. Temos consciência ainda que “independência total”, parafraseando o nosso hino é algo também quimérico, inexistente que teve apenas a sua razão de ser na euforia independentista de 1975. A conjuntura internacional tem as suas regras, temos plena consciência disso. Tanto mais que os contextos insulares são sempre limitados e insuficientes.

Porém, a escravatura da dependência só existe quando uma nação se acomoda e se contenta em comer ociosamente da mão daqueles que dizem “querer-nos sustentar” sem que nada façamos para a nossa autonomização. O que a nação tem feito efetivamente para contrariar esta realidade?

Onde estão, por exemplo, as bolsas de estudo para a qualificação de futuros quadros que possam contribuir para a fermentação de uma intelligentsia capaz de no amanhã possibilitar o eficaz funcionamento de um moderno estado-nação? Na plataforma atlântica em que nos situamos identificamo-nos mais com a realidade africana ou com a realidade europeia? Que modelo de desenvolvimento económico queremos para a nossa pátria? É outra questão que devemos ponderar face ao que sucede em outras realidades arquipelágicas: Turismo, café, cacau ou outra fonte de riqueza que possa atrair maior investimento em São Tomé. Para que tal aconteça será preciso verificar como funcionamos em termos de justiça e de segurança de tal forma que os investidores internacionais se sintam atraídos por estas ilhas. Uma coisa é certa, ninguém cá investe se não estiverem garantidas estas duas realidades estatais. Açores, Cabo Verde, Canárias, Madeira enquanto territórios insulares no contexto atlântico encontraram já os seus modelos de desenvolvimento. E nós? Era urgente esta redefinição.

Não queremos passadas que são quatro décadas dar razão ao pai da democracia portuguesa – Mário Soares –, que a folhas tantas disse que tinha sido uma asneira ter dado a independência a Cabo verde e a São Tomé e Príncipe, porque deveriam ser duas regiões autónomas atendendo à sua incapacidade de autossustentabilidade. O então Ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal aquando da independência de São Tomé e Príncipe faz-nos pensar quarenta anos depois com esta desconcertante asserção que não queremos que se transforme em profecia. Certo é que temos um tesouro entre mãos ao nível de beleza paisagística, de riqueza cultural e de muitas outras potencialidades. A questão como outrora é a mesma: (in) dependência?

Francisco Salvador

 

11 Comments

11 Comments

  1. A voz da verdade

    15 de Julho de 2018 at 20:22

    Gostei da visão! Fez uma abordagem daquilo que perspectiva o nosso país. Sucessos!

  2. Maiquel dos santos

    16 de Julho de 2018 at 7:16

    Pois, está é uma realidade crua e nua, mas ainda podemos sair desse marasmo se focamos no que queremos com determinação…
    Decisão certa pelos motivos errados ainda está errada e decisão errada pelos motivos certos não é o mais certo.
    Força aí Francisco Salvador…

  3. Carlos Fernandes

    16 de Julho de 2018 at 11:13

    Excelente. Vocês os jovens devem iniciar a mudança… pelo menos tentar. Não basta querer ser independente… temos de o saber ser. A falta de preparação da população santomense deve-se sobretudo a jogos de poder e interesse.
    Abraço

  4. Bomu kêlê

    16 de Julho de 2018 at 11:18

    És um grande comentador, deste um retrato dos quarenta anos que se passaram, das nossas fraquezas e projectastes as potencialidades, isto é, os nossos recursos naturais e quadros capacitados para enfrentarem esses desafios e exemplos de alguns países insulares como é o nosso caso mas já conseguiram atingir outro patamar económico. Abraç

  5. MIGBAI

    16 de Julho de 2018 at 11:51

    Meu irmão.
    Finalmente alguém chega aqui a dá a cara com um comentário de uma análise fria e pura da nossa realidade.
    Chorei quando li o teu comentário, porque tu tens coragem de dizer a realidade!
    Somente não concordo contigo no teu último parágrafo.
    Efetivamente teremos que dar razão a Mário Soares, e por vários motivos.
    O primeiro motivo, não é uma questão de autossustentabilidade de São Tomé, como ele afirmou, mas sim o facto deles (portugueses) não terem tido a capacidade de dizerem, que tendo sido ilhas descobertas por eles, São Tomé e Príncipe era território Nacional e que fazia parte plena de Portugal e como tal, uma possível Região Autónoma SIM, independência NÃO.
    Bastaria este primeiro motivo para derrubar a questão da autossustentabilidade verificada com a independência , ou seja sendo STP parte integrante de Portugal, essa realidade deixa de existir.
    Por isso meu caro companheiro, quando aqui chegam criaturas a dar vivas à (In)dependência, efetivamente não sabem o que dizem.
    Gostei do seu comentário bastante assertivo e isento de tendências políticas.

  6. Observador Atento

    16 de Julho de 2018 at 12:10

    Em varias ocasioes, enquanto em vida, eu tive opportunidade de abordar a questao de sustentabilidade economica com o assassinado Dr Jorge Pereira Dos Santos. Ele dizia que se STP continuasse como esta sendo governado actualmente, dentro de 10-20 anos o nosso pais seria annexado a um outro pais mais desenvolvido. Quatro decadas de independencia, nos os santomenses apostamos mais em negocios, corrupcoes, show off, vida facil e boa vida. O auge de tudo isto, os nossos differentes responsaveis desenvolveram actividades illegais ao detrimento de valores que criam riquezas como o trabalho, disciplina e unidade. Que este lema seja marxista ou nao, sao verdadeiros valores utilizados em grandes paises capitalistas tambem(UK, Franca, Alemanha…).So criando riquezas um pais pode desenvover.
    Eh tempo de parar de acreditar que a ajuda vai vir de fora para desenvolver o pais. A demais os nossos dirigentes nao sao crediveis internacionalmente…mesmo o PT. A abertura das fronteiras de STP aos narcotraficantes, aos assassinos vindos toda a parte do mundo e de investimentos financeiros illegais so trazem lixos do mundo, e nao concorrem a independencia economica de STP. Pelo contrario isto traz assassinatos e grande delinquencia, como no caso do Dr Jorge Pereira dos Santos que foi barbaramente assassinado no seu domicilio.
    Nos os familiares e amigos exigimos do governo e da PJ de STP que facam a luz sobre este crime crapuloso que foi executado a 100 metros do Palacio do Sr Presidente de STP! Estamos muito contrariados que haja pouco avanco para encontrar os assassinos do Dr Jorge Pereira dos Santos.

  7. Horácio Will

    16 de Julho de 2018 at 14:43

    Grande abraço conterrâneo. Gosto do seu apelido e espero que reflexões dessas, a não caírem em sacos rotos, possam de facto salvar o País.
    Sem menosprezar os variadíssimos e pertinentes pontos da sua reflexão, revejo a visão do Dr. Mário Soares. Apesar de ser quem continuo a estimar quase a nível de idolatria, penso que faltou-lhe elevar o seu pensamento para o verdeiro valor de um país: O CAPITAL HUMANO. Humano na sua plenitude sem se limitar aos conhecimentos técnicos. Coincidentemente, Cabo Verde e STP foram tomados como não autossustentávis. Sabendo-se que Cabo Verde era por natureza o país com maior necessidade de procura de emigração, fica-nos para reflexão a razão deste mesmo país ser considerado nos anos 90 um dos cinco únicos países africanos e único dos PALOPs acima do limiar da pobreza.
    Talvez tenha chegado o momento de valorizarmos a grandeza humana e não apenas técnica e de recursos, para exigirmos ser orientados por quem seja dessa grandeza. Senão todos os bons técnicos e recursos naturais serão lixos a testemunhar a miséria de governações mal direcionadas. Refiro-me a todas as governações desde a independência. Menos má antes das eleições livres porque ainda não estava instalada a divisão entre os santomenses.

  8. Vera Pinheiro

    16 de Julho de 2018 at 15:45

    Uma pobreza só se combate dando a educação as pessoas. É pertinente esta questão sobre a bolsa de estudos para a formação de novos quadro. Penso que seja este ponto um dos paradigmas para alavancar a nossa sustentabilidade. Muito bom artigo! Continue..,

  9. Seabra

    16 de Julho de 2018 at 21:59

    Todos os argumentos sobre o artigo em questão , são bem analisados. Trata-se de um artigo inteligente e pertinente sobre a situação de STP.
    Acabo de escutar o discurso do Arlindo Carvalho, onde realmente evocou com lucidez a preocupante vía política de STP , devido aos sucessivos governos ,especialmente, este último dirigido pelo PT-ADI, que já dura um bom momento e que tem levado STP ao abismo.
    Gostei imenso da maneira explicita e da boa redação deste excelente artigo. Contámos com mais bons artigos como o que acabo de ler.
    Volto ao discurso do presidente do PCD, que também fez um bom balanço sobre a política caôtica de STP da independência aos nossos dias… mas houve um aspecto de uma importância capital, que não foi citado tão pouco denunciado ,como sendo uma catàstrofe nacional. Refiro -me ao crime, cujo último foi dos mais HORRENDOS, do nunca visto, o do assassinato do economista sãotomense Jorge Pereira dos Santos.
    Queremos compreender o porquê deste crime suscitar um SILÊNCIO ABSOLUTO , que deixa uma camada importante do mundo político e dos próprios amigos do malogrado economista, a serem tidos por gente SUSPEITA. Que MISTÉRIO se encontra neste assassinato , que leva tempo à se encontrar definitivamente os assassinos, a serem julgados e condenados à altura do crime cometido,ora que São Tomé é uma îlha pequena onde todos se conhecem.
    Há interesse de acelerarem e de elucidarem este crime odioso e selvagem assassinato…É URGENTE !
    Alguém dizia que o local do crime fica perto do palácio, é prova que ninguém està à abrigo. Quanto aos vizinhos que não lhe socorreram, é também um outro mistério !
    DE JEITO NENHUM ESTE CRIME ODIOSO VAI FICAR NO ESQUECIMENTO. JAMAIS! JUSTIÇA SERÀ FEITA CONTRA OS CULPADOS !

  10. Ralph

    19 de Julho de 2018 at 0:36

    O autor levantou muitas questões importantes e problematicas. É provável que o Mário Soares tivesse razão dizendo que talvez tivesse sido uma asneira atribuir a independência a STP e ao Cabo Verde. Porém, há várias outras situações semelhantes em que o colonizador concedeu a uma colónia a independência antes de ser merecida. Estou inclinado de citar a independência precoce da Pápua Nova Guiné, atribuida pela Austrália também em 1975, mas há vários outros exemplos, incluindo muitos dos países agora independentes espalhados pela Oceana Pacífica, tais como Samoa, Tonga, Vanuatu, Nauru, etc. Aqueles países continuam a depender da ajuda financeira e técnica de doadores como a Austrália, os EUA, o Japão e, cada vez mais hoje em dia, a China, simplesmente para sobreviver. Não há nenhuma hipótese que qualquer um daquelas nações poderia sobreviver como territórios independentes sem a ajuda que recebem dos seus doadores porque aqueles países têm poucos recursos naturais e poucas vantagens económicas que podem ser exploradas de forma sustentável.

    O problema é que é muito difícil um país regredir para se tornar novamente um território de outra nação. Quer pelo orgulho do país a que foi concedido a independência, talvez erroneamente ou demasiad cedo, quer pela perspetiva dos ex-cononizadores, que geralmente não querem ter mais uma vez a responsibilidade de governar um território que vai provavelmente requerer muita atenção e ajuda. Tudo isto torna a situação cada vez mais difícil, para o país independente que não tenha muitas oportunidades para se tornar verdadeiramente independente, e para os doadores que se sintam impelidos a continuar a providenciar ajuda financeira. Torna-se um ciclo de dependência que é muito difícil quebrar.

  11. António Manso

    29 de Agosto de 2020 at 14:51

    ^Sou de fora, visitei são Tomé e amei esse País e os seu povo.
    Talvez se São Tomé e Principe fosse uma região autónoma de Portugal, à semelhança dos territórios ultramarinos da França, podesse beneficiar do tratamento reservado às regiões ultraperiféricas europeias. Tendo seguido pela via da independencia, não há como arrepiar caminho.
    Agora há que porfiar com base na realidade exitente, nos recursos das ilhas e nas capacidades do seu povo. Ser um arquipelago não é uma maldição não é uma condenação à pobreza, à insuficiencia e à mediocridade. A Islandia é uma ilha e ocupa a sexta posição no índice mundial de desenvolviento humano, as Seychelles são ilhas e ocupam a primeira posição naquele índice em Àfrica. São Tomé e Principe é inteiramente viável, não tenham dúvidas disso. Com riquezas agricolas, um nivel educacional elevado, com significativos avanços no domínio da saúde pública, com um potencial turistico enorme, S. Tomé e Principe tem condições para ser autosuficiente e proporcionar um bom nivel de vida ao seu povo.

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