Opinião

Coronavirus e Transculturalidade

Por : André Ferdinand
Ph.D em Ciências Sociais
USTP

A pandemia da Covid-19 não deixa o comum dos mortais indiferente seja ele analfabeto, educado, rico ou pobre. Já constitui uma malha do tecido existencial do ser humano. A vulnerabilidade da humanidade face ao coronavírus interpela os cientistas a reconsiderar o modo de construção dos raciocínios modernos no qual foi montada a arquitectura da globalização.

A OMS e os cientistas da vida já deram o que podiam dar até então na justificação dos procedimentos de mitigação e controlo da pandemia. No entanto, com a propagação generalizada do novo coronavírus, urge a necessidade de dar um olhar epistemológico na abordagem que os uns e os outros adotaram no processo de gestão da pandemia.

A problemática que levantamos aqui é uma questão remota que por vezes sofre o veto do tabu nas tribunas oficiais: a colonização.

O século XIX foi marcado por um movimento expansionista das grandes potências europeias que ocuparam territórios “virgens” na África e na Ásia principalmente. As razões desta expansão foram múltiplas: a supremacia militar e económica da Europa naquela altura, o nível muito alto da instrução pública (em 1914 a Europa granjeou muitos prémios Nobel), a busca da matéria-prima para a produção industrial maciça ou a procura de mercados para o escoamento dos produtos industriais. Mas, esta lista seria incompleta se omitirmos mencionar a missão civilizadora da colonização:

« L’essor scientifique du XIXe siècle et l’accumulation des découvertes entraînèrent dans la population européenne une véritable foi dans la science et le progrès. Elle était persuadée que le devoir des Européens était de faire profiter de ces bienfaits les populations attardées qui croupissaient encore dans l’ignorance » (Bernard Phan 1999).

Esta missão civilizadora incluía a educação, a saúde e a religião. Naturalmente, a colonização torna-se nesta perspectiva um assunto altamente cultural em que dois esquemas culturais se cruzam em terra colonizada: as representações culturais dos autóctones e a cultura nova.

A partir deste momento, as colonias entram num período de dominação cultural estrangeira durante a qual foram obrigadas a “esquecer” os seus valores culturais intrínsecos para adotar os das potências colonizadoras. Dai que, surgiu a instrução pública que conhecemos hoje e o sistema sanitário moderno que temos hoje em África. De salientar, que foi também a missão civilizadora da colonização que introduziu na África a cultura cristã de um Deus Todo-Poderoso que deixou instruções muito claras à humanidade sobre como lidar com o seu quotidiano num Livro Sagrado intitulado, A BÍBLIA SAGRADA.

“La caractéristique d’une culture est d’être ouverte, parcourue de lignes de force spontanées, généreuses, fécondes “. (Fanon 2001, p. 46).

No entanto, a real condição cultural do autóctone ficou muito mais enriquecida do que pensamos. Ao lado da língua da colonização por exemplo, desenvolveu-se a língua materna (isto é o falar da população indígena).

Se considerarmos o ex-império colonial português, além do Português, os ex-colonizados fazem uso das suas línguas maternas (contrariamente a Portugal que tem apenas o Português no seu repertório linguístico). O mesmo modelo foi desenhado no sistema sanitário. Além da medicina moderna legada pela colonização, continuou-se o desenvolvimento paralelo da medicina tradicional que chamamos vulgarmente de “medicina da avó”.

Este dispositivo é explicitamente visível no continente asiático: na China ou na Índia por exemplo, existe uma dualidade sanitária que se completa perfeitamente: a medicina moderna e a medicina tradicional que migrou em conhecimento científico transmissível nas cadeiras universitárias. Em África, esta mesma medicina tradicional carece de estudos científicos com objectivo de codifica-la e enriquece-la, de forma a termos num futuro próximo alguns Institutos de medicina tradicional africana de referência.

Por outro lado, a África tornou-se o continente mais religioso. Após a fase de evangelização intercontinental inaugurada pela Europa durante a colonização, a mesma atravessou um deserto metafísico que abalou a fé cristã no continente europeu. A crise moral que conhece a Europa atualmente é um derivado do ateísmo voluntário do continente.

A fé viva se encontra neste século XXI no continente africano, de tal modo que temos uma missão civilizadora para com o continente Europeu. Faltar de retribuir à Europa o que nos ensinou enquanto éramos ainda “primitivos” é falhar ao dever histórico.

Sobre este alicerce epistemológico, vamos aqui emitir a nossa opinião sobre como encarrar a pandemia da Covid-19 na África e principalmente em São Tomé e Príncipe.

LEITURA CULTURAL DA PANDEMIA DA COVID -19

A partir dos dados obtidos no site www.covidvisualizer.com (27 de Abril de 2020), elaborámos um quadro estatístico desenhando a situação atual da pandemia em alguns países que temos selecionados como amostras nos continentes Asiático (China e Índia), Europeu (Itália, Espanha, França, Inglaterra) e Africano (Marrocos, Egipto, África do Sul, Camarões e Costa de Marfim). A referida tabela se presenta da forma seguinte:

Veja a análise na íntegra no documento word –  Coronavirus e a transculturalidade

14 Comments

14 Comments

  1. Pedro Costa

    30 de Abril de 2020 at 21:27

    Existem sempre artigos por aí com temas e sobre este, gostaria de perceber o alcance deste tema. Neste momento que o país e o mundo padece dos malefícios deste vírus, vir para aqui com temas deste género, que nem sequer perdi o meu tempo para o ler até ao fim, só deve ser para se dar a conhecer!
    O importante nesta altura, do meu ponto de vista, se é alguém que está no país, seria mais importante aparecer por cá alguém que viesse expor o seu empenho na sensibilização junto da população menos entendidas na matéria. Eu teria mais tempo para ver um trabalho elucidativo de alguém que viesse cá dizer especificamente que fez isto e aquilo. Isto sim, seria de louvar. Algo para bem dos menos letrados, dos mais ignorantes, dos teimosos.
    Agora isto!?

    • Pedro

      1 de Maio de 2020 at 12:49

      O Pedro Costa nem se quiser tomou tempo pra ler o artigo, e já vem críticas. É só inveja e mais nada. Já conhecemos muito bem estes tipos de pessoas como tu que pensam que amam muito STP e o povo santomense, mas na realidade nada. Um analfabeto comenta sem ler, um letrado lê, analisa e depois comenta. Li o artigo, gostei e elogio o autor, que tomou tempo pra escrever . No termino do artigo consta algumas propostas ao governo e ao povo santomense em geral de forma a combater o Covid-19 em STP. O autor deu o seu contributo, desafio-lhe a fazer o mesmo, dê o seu contributo. Pela próxima, faça comentário digno de um letrado.

  2. Vanplega

    30 de Abril de 2020 at 23:40

    Calma, que vai ficar tudo bem.

  3. Ilídio Almeida

    1 de Maio de 2020 at 8:30

    Estou mesmo a ver a missão civilizadora que os Europeus fizeram em DRC ou em Sudão ou em Ruanda !

    Religião é uma praga que os europeus levaram em África! Isso sim.

    Exploitation is not civilization.

    Better read your people history again ( a história do povo da África )

    And it’s written in the Bible.

    • António Martins

      2 de Maio de 2020 at 7:56

      Meu caro os brancos estão ligados a melhor e ao pior da África e o nosso continente seria de igual o último mesmo se não houvesse a colonização. Viveríamos na nossa maneira rudimentar de viver sem tecnologia, estudo nem conhecimento. Por isso, entendo o ponto de vista do autor quando se refere à missão civilizadora (a parte boa dos brancos na África ). Quanto à religião,nunca foi e jamais será uma praga. Já existia antes da colonização, apenas foi alterada a crença, que algo que foi dado ao homem natural de forma a ter esperança e fé em coisas não visíveis. O homem em toda a sua ganância acha que pode ser o melhor, o maior,mas a história já nos ensinou que o homem é incompleto e fraco. Deus é o forte.

  4. SEMPRE AMIGO

    1 de Maio de 2020 at 9:39

    Concordo consigo caro PEDRO COSTA! Repare bem “na fisionomia do rosto da cara”do autor do texto! A imagem fotográfica corresponde com o artigo publicado.

    • António Martins

      2 de Maio de 2020 at 8:24

      Fisionomia do rosto da cara significa o quê, meu senhor?

  5. sem assunto

    1 de Maio de 2020 at 11:57

    Senhor Professor Doutor, pregar o Pan Africanismo no momento de crise, de desespero aonde a questão maior é a luta pela sobrivência, é um ato revolucionario oriundo de alguém que entende de que chegou a hora do continente Africano, sair do grande sono.
    Pena que estás em São Tomé, terra minuscula de pessoas ignorantes , eles não querem ler estes artigos é muito complexo para os mesmos, querem sim falar o dia interio da misquinhez da nossa politica, de pessoas, quem roubou mais, quem roubou menos etc.
    Parabéns pela grande reflexão, no interim quiz alertar nos para a necessidade de valorizar mos cada vez mais a Medicina Tradicional, voltar as origens, e secundarizar o legado colonialista, dado que isto é imperativo, afinal em cada civilização produz se, também, o saber útil e palicavel.

    • Afrikan Pride

      6 de Maio de 2020 at 9:59

      Pregar o Pan-Africanismo?? Eu efectivamente li o artigo todo, a parte aqui publicada, mais o resto no word original, e de Pan-Africanismo vejo NADA! Agradecer e retribuir à Europa que nos tirou do estado “primitivo”? Isto por uma pessoa licenciada em Ciências Sociais? Será que ele já ouviu falar de Tumbuktu, seja da primeira Universidade seja da 1ª Biblioteca do Mundo? Qualquer uma das duas bem maior e com mais alunos e professores do que a famosa biblioteca de Alexandria? Do conheciemnto da escrita e da matemática, com artefactos arqueológicos que datam de há mais de 37mil anos, na refião da actual Swazilância? Que a medicina, a “moderna” com cesarianas, operações ao cérebro já era praticada em Afrika, com utensílios identicos aos que hoje se utilizam, também há milhares de anos atrás, muito antes dos Gregos sequer se chamarem Gregos? Que foi a Afrika, e o conhecimento das civilizações africanas, a egípcia incluída, que fora, literalmente CIVILIZAR a Europa medieval e bárbara?? E já agora, que a BIBLIA sagrada é um plágio adaptado de várias tradições e personagens africanas?? E ainda !agradece ao seu antigo amo, dono, que permitiu ao povo africano continuar com a medicina tradicional?? Tiraram-lhe tudo, até o orgulho na sua História, branquearam os faraós e tudo o que veio da civilização egípcia como se os egípcios fossem brancos e não negros, como verdadeiros africanos? Esse artigo infelizmente, é uma vergonha para o povo africano, mínimamente conhecedor da História de Afrika, porque quem o escreveu está limitado a 400 anos de escravatura, e não faz nenhum esforço para se libertar dessa mentalidade de escravo! Africa é muito mais, são milhares de anos de História, de Progresso, de Civilização ANTES de, 1º os Arabes e depois os Europeus, “inventarem” a escravatura, física primeiro, e mental, agora!! Qh! E as religiões tradicionais afrikanas, ANTES da evangelização cristã, são religiões que protegem e respeitam aquilo que nos dá vida, que nos permite viver, e que sim, merece o respeito de entidade suprema, sobrenatural, dona da vida e da morte: a NATUREZA!

  6. Pedro Costa

    1 de Maio de 2020 at 15:11

    Pedro, pelo que vejo na sua escrita, parece-me ser alguém que está nos lados de um determinado país ( termo tomou) ou que regressou. Por outro lado, para seu crescimento intelectual, não me deves tratar por TU, porque não me conhece em lado nenhum. Fiz a minha análise, do artigo e se eu disse que nem sequer perdi o meu tempo para ler até ao fim e porque vi a partida que não me acrescentaria nada e nem contribui em nada nesta fase. Trata-se de vários “copy paste” e estar em Blá-blá sem nexo, mais vale não escrever nada.
    Infelizmente ou felizmente não me conheces bem. como diz, talvez sejas um dos resíduos dos resíduos que deixei neste país.
    O meu AMOR é o meu amor e o seu amor é o seu amor ao país. Isto é muito relativo e discutível. A minha interpretação das coisas de certeza é muito diferente da sua e por isso, não o ponha em causa. O autor deu o seu contributo, tudo bem. Que contributo?
    E por fim, será que o seu nível de compreensão é igual ao meu ? O meu contributo seria ter-lhe a minha frente numa palestra dando-lhe um “banho”. O meu contributo e já que me lança um desafio é o seguinte:- Tratar alguém que não se conhece por tu não é correcto. Ok

    • Vanplega

      1 de Maio de 2020 at 19:20

      O Pedro, kkkkkkkkk se nao queres ser tratado por TU, entao, deves ser tratado por VOCE.

      A escolha e tua

    • António Martins

      2 de Maio de 2020 at 7:44

      Do mesmo modo que tratar alguém que tu não conheces de resíduo não é correto também…

  7. Como será

    2 de Maio de 2020 at 15:08

    Dr.Andre, com esta PANDEMIA, Senegal surprende, eles tem um grande Instituto de investigacao Cientica, eles estudam varias patolologias com variantes locais, que tem ajudado muito no control da covid-19.

  8. Zagaia

    3 de Maio de 2020 at 19:05

    Essas acções, verifucam se, porque não são pessoas educadas,enfim…..não tiveram quem as educassem.
    Não atribuo culpa â esse senhor,coitado, naturalmente, abriu olho num seio de uma família destruturada que é a maioria em STP e infelizmente nem a família, nem a sociedade civil nada fazem para inverter essa situação.

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