Opinião

A atração sexual mórbida pelas crianças : uma “ tradição cultural ” dos são-tomenses?

Está a ser notícia: no meado do mês do novembro deste ano da pandemia, um cidadão “são-tomense” foi apresentado à autoridade judiciária portuguesa indiciado de abusar sexualmente as suas filhas, aliás quatro filhas, centenas de vezes ao longo de mais de uma década. Ouviu-se vários pronunciamentos sobre a questão e viu-se emergir muitas publicações nas redes sociais, com sentimentos de repulsa a este ato ignóbil. Pois é.

Aterrando em alguns destes episódios, sobretudo na nossa ilha-arquipélago, sim, esta prática não foge o eixo orbital da nossa realidade. É uma imagem que mais profundamente se grava, nos assombra, e fumega debates e campanhas de sensibilização. Exposto mesmo a uma leitura misantrópica do sujeito, ou mesmo, um sentimento de antipatia aos maníacos de crianças.

Creio que, neste caso concreto, a antipátheia(“afeição contrária”) pelo pedómano aflorou-se ainda mais pelo que se disse. Ficamos a saber, através dos vários serviços noticiosos lusitanos, quer público quer privado, que o tal “pai inumano”, provavelmente para fintar a entidade judiciária portuguesa, teria alegado que a sua prática hedionda tinha como alicerce a “tradição cultural”.  Isto, no essencial, seria injusto, abusivo e revelador de uma descomunhão patriótica. É caso para se perguntar: em São Tomé e Príncipe, abuso sexual de menores é tradição cultural?

Certamente, partindo daquilo que são as nossas manifestações culturais, isto é, da identidade que nos expõe enquanto povo, podemos responder, com vozes tonitruantes: Não! Abusar sexualmente das crianças não é e nunca foi a nossa identidade cultural; é, antes de mais e sobretudo, um crime punível pela lei vigente em todas as dimensões territoriais na nossa ilha-arquipelágica.

No entanto, a verdade seja dita, o sopro dos ventos de tolerância e de compreensão que se faz sentir dentro do nosso espaço territorial em relação à esta epidemia que atinge as nossas crianças, sobretudo, quando os nossos legalistas, que deviam protegê-las dessa vulnerabilidade, manifestam sintomaticamente esta mania e convivem com esta prática, talvez, penso eu, seja o estímulo, ainda que injustificável, para que os cidadãos de segunda ou de terceira (já que esta diferenciação parece está agora na moda) confundam aquilo que é crime com a cultura tradicionalmente são-tomense. Admitindo, como José Mattoso, no seu texto sobre A Escrita da História: “Tudo isto são analogias para tentar exprimir o indizível…”.

Ora, num certo sentido, não deveríamos estranhar que as ações daqueles que observam rigorosamente as leis servem de espelho – tanto para bem como para mal – onde a plebe da nossa sociedade lê o próprio rosto. Ou seja, enquanto a classe nobre for privilegiada no combate a este flagelo, os plebeus julgarão que gozam do mesmo direito. Enquanto não houver uma tomada de consciência, em sentido vertical, ou de cima para baixo, as nossas campanhas de sensibilização, diálogo se discussões serão autenticamente um “faz de conta”.

Talvez sob este horizonte, esta prática deixará de ser uma mania e se tornará qualquer coisa, como cultural, não no seu sentido tradicional ou de manifestação de um povo, mas pelo circuito vicioso que se vai criando. Lembrando: “a escravidão é a nossa in-dignidade porque retira a dignidade a todos nós” (Francisco PP.).

Por isso, antes que esta configuração paradigmática se aproxime de nós, efetivamente, é importante que abandonemos esta vil maneira tolerante de viver e abraçar com verdade a expressão latina “Dura lex, sed lex” (“A lei é dura, mas é a lei”). Deste modo, abrirá à estrada do cumprimento da lei, realmente, como um martelo sentencial para todos os casos e sem exceção. E assim, assim só, aqueles que têm atração sexual mórbida pelas crianças entenderão que a tradição cultural de um País e um crime infantil não se coaduna: sendo a tradição cultural a nossa identidade, enquanto que a violação de crianças, um crime exposto a uma aversão popular. De sobra, enfim, fica a resposta sobre para que serve as leis que abrigam as nossas crianças… Um desafio para todos e cada um de nós! Boa reflexão.

Francisco Salvador

 

6 Comments

6 Comments

  1. Vergonha!

    3 de Dezembro de 2020 at 10:34

    Finalmente, alguém resolveu falar do assunto. Como sempre, muito certeiro na exposição do conteúdo que toca a nossa sociedade. Vale a pena reler!

  2. Isa

    3 de Dezembro de 2020 at 11:42

    É tão bom ler as tuas reflexões. Tudo dito e bem dito.

  3. fim ao abuso sexual de criança

    3 de Dezembro de 2020 at 14:30

    Parabéns meu caro, aqui disse tudo: …”enquanto a classe nobre for privilegiada no combate a este flagelo, os plebeus julgarão que gozam do mesmo direito. Enquanto não houver uma tomada de consciência, em sentido vertical, ou de cima para baixo, as nossas campanhas de sensibilização, diálogo se discussões serão autenticamente um “faz de conta”- exactamente!!
    Se os que estão no topo da piramide fazem e nada lhes acontece, que exemplo estão a dar ás bases??um exemplo de impunidade pois ninguém é responsabilizado…tão simples e só.
    Aproveito para acrescentar quanto ao tema de “tradição/cultura” :
    -definição de cultura conforme consta no dicionário: “podemos definir a cultura como a rede de significados que dão sentido ao mundo que cerca um indivíduo, ou seja, a sua sociedade. Essa rede engloba um conjunto de diversos aspectos, como crenças, valores, costumes, leis, moral, línguas, etc.”
    Ora sendo assim e pegando nesta definição do dicionário o tal arguido do caso de abuso das filhas estará assim tão longe da verdade quando fala em cultura do seu país? Pois então a cultura não envolve os COSTUMES e a MORAL ? E qual é a moral e os costumes que se vem aqui no país? Vamos por o dedo na ferida e devolver a dignidade ás nossas crianças!!!Infelizmente muitos dos familiares destes meninos/as são cumplices desses abusadores…a troco de quê? de migalha….temos de acabar com isto!

  4. Chega!

    3 de Dezembro de 2020 at 17:43

    É verdade esta chamada de atenção: “a escravidão é a nossa in-dignidade porque retira a dignidade a todos nós”. É preciso repensar STP que queremos. O país não pode continuar a ser conivente com os crimes dos senhores de poder.

  5. Isto é abuso!

    3 de Dezembro de 2020 at 17:47

    No dia em que o Povo se erguer, os homenzinhos de poder não terão sonho…2020, vão gostar!

  6. Fernando da Costa

    4 de Dezembro de 2020 at 20:47

    Mão pesada para esses todos malandros! As crianças não podem viver com trauma devido esse sem coração…

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