Opinião

Registos de factos históricos

Ouvi em formato podcast mais um debate de Perguntas Incómodas, promovido pela Solange Salvaterra Pinto, através da RSTP. Desta vez, o tema foi: O papel da Associação Cívica Pró- MLSTP (Cívica), no processo pré e pós-Independência.

Tendo eu vivido intensamente aquele período conturbado antes da Independência Nacional e depois de Revolução de 25 de Abril de 1974 em Portugal, cumpre-me também deixar aqui o meu ponto de vista sobre o assunto.

Não fui ativista da Cívica, mas fui um entusiasta e participante ativo em muitas reuniões promovidas por essa Associação, bem como em quase todas suas manifestações publicas e comícios, para reivindicar a Independência Nacional.

Não podia deixar de ter essa participação porque, também fui vítima direta das agruras do regime colonial, através dos meus familiares próximos e eu próprio, pois, naquela altura, ainda muito novo, já trabalhava numa firma comercial em que havia muita desigualdade e discriminação racial acentuada em relação aos negros.

Para alem disso, já tinha alguma consciência política porque muitas vezes ouvia com o meu pai e mais tarde sozinho, os programas transmitidos pelos nacionalistas são-tomenses emitidos a partir de algumas rádios africanas, onde os mesmos estavam exilados em vários momentos.

Era também frequente ouvirmos Angola Combatente, transmitido pelos guerrilheiros do MPLA, assim como a Radio Voz de América, Voz de Alemanha e outras rádios que davam voz aos nacionalistas dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa que lutavam contra o colonialismo português. Portanto, tenho muito orgulho em ter participado nessa luta heroica.

Não quero me pronunciar sobre o papel da Cívica na luta pela nossa independência porque foi exaustivamente defendido e bem, pelos dois participantes do painel, eles próprios dirigentes da Cívica.

Por isso é que não vou perder o meu precioso tempo para contrariar aqueles que defendem constantemente e de forma obsessiva de que a CONQUISTA da independência foi um erro. Até porque a independência nacional é um ato consumado e irreversível, e não faz sentido, 46 anos depois, estarmos aqui a discutir e por em causa esse acontecimento maior da vida de São Tomé e Príncipe.

Aqueles que defendem que se deveria ter outra opção, talvez porque eles ou seus familiares viveram bem na era colonial ou por outra razão, e em consequência, sofrem de um certo saudosismo doentio, que continuem a lamentar sozinhos. Para estes, um conselho que lhes deixo: investiguem e leiam a história do sistema colonial português em Africa para não estarem constantemente a dizer disparates.

Ninguém desmente que se cometeu erros pós-Independência, fruto da inexperiência sobretudo na governação.  Entretanto, já temos 46 anos de existência como Pais independente, temos hoje muitos quadros formados, dispomos de recursos para desenvolver o Pais, ainda assim, continuamos a cometer os mesmos erros que nos coloca num atraso inaceitável.

Por que razão isto acontece? O que se passa com nós os são-tomenses? É isto que devíamos estar aqui a debater até a exaustão e não, se o Pais devia ascender a Independência ou não. Sinceramente, recuso-me a ter esse tipo de discussão seja com quem for.

Relativamente aos elementos da Cívica, acho de facto que houve uma certa ingratidão em relação aos mesmos conforme lamentavam os dois antigos ativistas dessa Associação que participaram no debate.

Embora eles tivessem cometidos alguns erros, os dirigentes da cúpula do MLSTP de então, não tiveram a capacidade e o discernimento de os compreender sobretudo pelo facto de serem muito jovens na altura e não foram tolerantes para com eles e nem tiveram em conta o facto de terem tido um sacrifício patriótico enorme de abandonar os seus estudos no exterior e vir ao Pais para dar a sua contribuição na luta pela Independência nacional.

Devo corroborar também que as ações desses elementos agrupados na Cívica foram determinantes para a conquista da nossa Independência nacional a 12 de Julho de 1975.

Por tudo isso, o retorno dos mesmo para concluir os seus estudos devia ser um ato pacifico e custeado pelo Estado.

Decididamente, nós os são-tomenses, sobretudo as elites, não aprendemos com os erros cometidos. Diríamos mesmo que nesse aspeto todos nós temos culpas no cartório. Ficamos muitos agarrados ao passado, conservando rancores e não conseguimos desembaraçar-nos deles. Nós nunca somos culpados de nada. Colocamos sempre em posição de vítimas e arranjamos constantemente culpados para os erros que nós próprios cometemos e os nossos próprios insucessos e problemas de vida.

O mais grave é que transportamos esse sentimento para a vida política. Durante os primeiros quinze anos da Independência, perdemos grande parte do nosso tempo a culpar o colonialismo pelos nossos insucessos. Com a instauração do multipartidarismo e ate a presente data, passamos a culpar o MLSTP em vez de corrigir os erros por eles cometidos anteriormente e avançarmos. O curioso é que muitos demarcaram-se do MLSTP e criaram ou filiaram noutros partidos, usando os mesmos métodos e cometendo os mesmos erros. Claro que deste modo, a situação nunca poderá melhorar, pelo contrário.

Vejamos: todos os partidos políticos existentes na nossa praça, já governaram o Pais ou participaram na governação. Ainda assim, o Pais não se desenvolveu, está mais desorganizado, a nossa administração publica esta um caos, a pobreza aumentou e a corrupção é mais visível.

Então, por que razão alguns Partidos ou mesmo algumas individualidades continuam a culpar apenas MLSTP pelos desaires do Pais? Por que razão não temos a coragem de assumir que a culpa é de todos nós e concertamos ideias para que se encontre a melhor solução para sairmos desse desastre socioeconómico que nos encontramos, apesar da alternância política e termos experimentado quase todos os sistemas de governação?

Por isso é que advogo sempre que o ADN do são-tomense não muda de maneira nenhuma pelo facto de pertencerão partido A, B ou C, porque é tudo a mesma coisa. Todos têm cometido insistentemente os mesmos erros, não se mudam os velhos métodos que não têm resultado e não se faz reformas, deixando tudo como esta e a espera de bons resultados. Nota-se uma certa cumplicidade no seio da classe política, provavelmente com outros objetivos que não tem nada a ver com a melhoria de vida da população e o desenvolvimento do Pais. Eu desafio qualquer um a provar o o contrário.

Grande parte de elementos da Cívica regressaram ao Pais sobretudo quando houve a abertura para o multipartidarismo, apos concluírem os seus estudos. Uns regressaram ao MLSTP, seu partido de origem, outros participaram na criação de um Grupo de Reflecção que resultou mais tarde na criação do Partido de Convergência Democrática (PCD).

Hoje, esses elementos estão diluídos na sociedade são-tomense sobretudo são altos quadros da Administração Central do Estado. Alguns deles chegaram a ser Ministros ou mesmo Primeiro Ministro. O juízo de valor e a avaliação do desempenho de cada um deles, fica ao critério de cada um. Uma coisa é certa: os próprios elementos da Cívica não faziam parte de um grupo homogéneo como se pensava.

Nesse contexto, uma curiosidade que se fosse possível saber, como é que seria São Tomé e Príncipe hoje se não se tivesse forçado a saída do Pais dos elementos da Cívica naquela altura?

Se estão lembrados, esse Grupo de Reflexão apoiou Miguel Trovoada nas primeiras eleições presidenciais depois da abertura do Pais a democracia. De recordar que Miguel Trovoada também contribuiu para ´´expulsão“dos elementos da Cívica. Mas estes, enganados talvez pelo facto de Miguel Trovoada ter sido preso pelo regime de Partido Único de Pinto da Costa, por divergências no seio do MLSTP e por ter estado também no exilio por algum tempo, pensavam que já era outra pessoa.

O Grupo de Reflexão transformado em PCD ganhou as primeiras eleições multipartidárias no Pais como maioria absoluta. Ainda assim, e por razões inexplicáveis e num golpe político como ele nos habituou, o então Presidente da República Miguel Trovoada derrubou o Governo de maioria absoluta do PCD, cujos elementos ajudaram a sua aceção a Presidência República, para depois criar a sua própria formação política, Partido de Ação Democrática Independente (ADI).

Se retomo esses factos históricos é para refrescar a memoria de algumas pessoas que continuam a culpar apenas o MLSTP pelo fracasso de todo mal que ainda acontece em São Tomé e Príncipe, como já referi.

Enfim, são as perplexidades da política e dos políticos são-tomenses!

São Tomé, 17 de Outubro de 2021

Fernando Simão

7 Comments

7 Comments

  1. Bem de São Tomé e Príncipe

    19 de Outubro de 2021 at 17:11

    Boa reflexão, senhor Simão! Seria bom para muitos jovens deste país acederem à leitura do panorama político-histórico santomense.

  2. Arlindo+Vera+Cruz+D'Alva+Gomes

    20 de Outubro de 2021 at 1:27

    Prezado Conterrâneo Santomense

    É o Cancro que persiste em muitas mentalidades das elites dos Países
    Africanos.

    É tempo de arregaçar as mangas, e delinear estratégias e prioridades de desenvolvimento.

    Arlindo Vera Cruz D’Alva Gomes

  3. ze+Maria+Cardoso

    20 de Outubro de 2021 at 3:09

    Eu nada digo. Ainda usava calção roto e pés no chão.
    Um professor, dos que construiram a cabeça pós-independência, ensinou-nos de que a independência, é a mais preciosa pedra de um povo. A maior verdade.
    No imaginário, há um país sem nome, em que a seca e a fome colonial, mataram parte do seu povo, o que permitiu ao mundo abrir-lhe as portas e espalharam-se pelos países, incluindo as ilhas no meio do mundo.
    Após a independência, tal e qual STP, começaram de zero. Pelo trabalho, esforço, organização, suor e “zuntamon” consentidos, Deus fez-lhe o milagre. A chuva caiu e acabou a fome colonial. Estão construindo de muro, uma grande Nação.
    Aquele povo, é muito orgulhoso pela conquista da independência.
    Obrigado pelo contributo.

  4. ONDE+MESMO?

    20 de Outubro de 2021 at 9:53

    Sr. Fernando Simão, ninguém lhe pediu que perdesse o seu precioso tempo a tecer considerações sobre isto ou aquilo. O Sr. por iniciativa própria entendeu tecer considerações do debate sobre o tema “QUAL O PAPEL DA ASSOCIAÇÃO CÍVICA PRÓ-MALSTP NO PROCESSO PRÉ E PÓS INDEPENDÊNCIA”. Assim sendo, acho que lhe ficaria bem respeitar as opiniões do terceiro participante no debate o Sr. ALcídio Montóia Pereira.
    Também tenho a minha opinião sobre as ascensão de S. Tomé e Príncipe a independência na altura (1975), e não é por uma questão de eu ou os meus familiares termos vivido bem na era colonial ou não, esse tipo de complexo fica-lhe muito mal aliás, o Sr. também vivia bem já que tinha um emprego numa casa comercial (era privilegiado).
    Se não concorda que S. Tomé e Príncipe deveria ter passado por um processo de preparação (formação de quadros) antes de ascender a sua independência, guarde consigo e não apelide outros com ideias diferentes da sua de sofrerem de algum saudosismo doentio do passado. Opiniões são opiniões e devemos respeita-las e discuti-las.

  5. Nuno Menezes

    20 de Outubro de 2021 at 10:16

    De tantos paragrafos que assim existe nesta noticia e nao completei de ler todos, e quem sabe por erro meu, e o que me chamou a atencao foi esse paragrafo

    Ninguém desmente que se cometeu erros pós-Independência, fruto da inexperiência sobretudo na governação. Entretanto, já temos 46 anos de existência como Pais independente, temos hoje muitos quadros formados, dispomos de recursos para desenvolver o Pais, ainda assim, continuamos a cometer os mesmos erros que nos coloca num atraso inaceitável.

    Apenas palavras calmas, eu a ler esse paragrafo fico calmo, mais no entanto nada se faz para o minimo desenvolvimento,esse minimo desenvolvimento tem haver criar posto de trabalho,para assim fazer cada cidadao ter o minimo em casa e pagar o IVA e ao mesmo tempo se devenvolver Sao Tome and Principe o Pais mais pequeno na colonia Portuguesa, o termo o mais pequeno ‘e um facto, um facto que deixa a mim confuso,ele pequeno nao se consegue desenvolver,agora imagina ele ser grande aonde a dificuldade em desenvolver seria mais complicado, o desempenho nao ‘e apenas criar Hotel,pensao, isso funciona apenas se existir turista, o desempenho criar fabrica, essa mesma fabrica pode ser fabrica de Leite,fabrica de galinha,fabrica de sumo tropical,aonde ao desempenhar estamos a criar postos de trabalho,tambem temos a agricultura que assim podemos aplicar a nivel interno do Pais uma situacao que assim ‘e obrigatorialmente nos a Populacao consumir,e forca de vontade nao existe, uma psicologia programada uma psicologia medicada e adormecida e controlada, e esse controlo existe lucro e troca da outra parte que assim controla.

  6. SEMPRE AMIGO

    20 de Outubro de 2021 at 12:25

    Sempre que tenho a oportunidade de ler ou de ouvir falar dos erros do passado(a “primeira República”),fico ansioso a espera que o dissertante me indique quais foram esses erros.Seriam coisas que ,no contexto da altura deveriam e poderiam ter sido feitas de uma outra forma? Por exemplo,a nacionalização das roças coloniais foi um erro?Em 12 de Julho de 1975 mais de 80 por cento da poplulação de STP era analfabeta,não sabia ler nem escrever.Mais de 90 por cento dos trabalhadores da função pública só tinham até a quarta classe, inclusivamente os que exerciam as funções de direcção.Por isso teria sido um erro decretar a grautuitidade do ensino um desígnio nacional??Há gente,santomense,que defende que o 12 de Julho de 1975 nunca deveria ter existido, foi,segundo ela, um dia desgraçado para o povo de STP. CREDO!Vejam até onde chegamos! Nestas circunstâncias,só nos resta concordar inteiramente com quem afirmou que “CRITICAR FORA DA CONTESTUALIZAÇÃO HISTÓRICA E POLÍTICA,conduz FATALMENTE a CONCLUSÕES ERRADAS”.

  7. Pascoal+Carvalho

    26 de Outubro de 2021 at 20:39

    Subscrevo, e também revejo-me nesta reflexão.
    É que, enquanto formos olhando para trás arranjando culpados e recordando os erros, em nada a nós servirá para o tão almejado processo de desenvolvimento nacional de STP.
    Estamos mais que na hora de cada um assumir as suas culpas e, procurar emendá-la, olhando para os desafios que os tempos modernos nos oferecem, de forma coesa e consistente, aceitando inclusivo as diferenciações.

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