Opinião

Estou bem, graças a Curandeiro!

É frequente ouvirmos a expressão: «Estou bem, graças a Deus» e, geralmente é a resposta quando alguém procura saber de nós se estamos bem de saúde ou se tudo está correndo bem connosco. Esta expressão, muito antiga, faz parte da língua portuguesa e utilizada por todos falantes de português, não importa se são cristãos ou anticristãos, ateus ou agnósticos. É também utilizada em outras línguas como o mesmo objetivo e significado apenas com algumas nuances para além da sua forma traduzida. Portanto, ela já não é património de nenhuma instituição religiosa, é apenas uma expressão de todos os falantes do português, embora tenha origem na religião.

Escolhi esta frase emblemática e popular da língua portuguesa, para assinalar a comemoração hoje, de 5 de maio, dia da Língua Portuguesa e dos Países da CPLP.

Esta expressão é também o mote para abordar a prática de feitiçaria, um tema quanto ou tanto controverso em todo mundo, mas que não deixa de ser uma realidade que incomoda e prejudica o desenvolvimento e, com a qual convivemos todos os dias aqui em São Tomé e Príncipe.

Duma maneira geral o são-tomense acredita piamente, tanto em Deus como no (Curandeiro/Feiticeiro). Coloquei essas duas palavras entre parêntesis porque embora tenham significados diferentes em português, mas, contudo, para o são-tomense, é quase a mesma coisa. Por isso é que geralmente diz-se apenas que: «vou ao curandeiro», para significar os dois momentos.

Vai-se ao curandeiro quando se tem problemas de saúde para ser tratado, ou então para o feiticeiro para saber quem está a por a pessoa doente para que seja feita o tratamento para anular o feitiço e se possível virar o feitiço contra essa pessoa. Por outro lado, se a vida está a correr mal a alguém ou tem problemas no trabalho com algum colega ou chefe, por ter a perceção de que são eles os causadores do mal, vai ao feiticeiro para saber quem é esse suposto malfeitor.

Por acreditarem tanto em feitiço, os são-tomenses têm também pavor a essa prática, ao ponto de em vários momentos nesta função pública são-tomense que conheço bem, alguns chefes não tomarem medidas com os subordinados perante falhas graves, passiveis de um processo disciplinar, devido a ameaça de feitiço. Esta é também uma das causas da indisciplina na Administração Pública e no Pais em geral.

Por causa desta promiscuidade, há alguns desses indivíduos que não passam de charlatões, e na fúria de ganharem muito dinheiro, colocam-se nas posições de curandeiro e feiticeiro ao mesmo tempo. Os curandeiros não só utilizam ervas, folhas, cascas de madeira e raízes medicinais, como também alguns rituais religiosos e/ou práticas satânicas para cuidar os seus doentes.

E aqueles que acreditam que o feitiço resolve tudo, nem veem e nem ponderam outras soluções que possam contribuir para que a sua vida melhore, como aptidão profissional, cumprimento do dever profissional, bom comportamento no trabalho etc, fatores que concorrem para sanar conflitos frequentes no ambiente de trabalho.

E na vida social acontece a mesma coisa. Se não conseguirmos gerir bem os nossos recursos e finanças familiar, se a mulher tenha conhecimento de que o marido tem outra relação amorosa, se a mulher pretende conquistar um namorado de que muito gosta, se desejar fazer mal ao outro por qualquer motivo, bem como outros aspetos da vida social, a solução imediata é ir ao curandeiro para resolver o problema, não importa o custo a ser despendido. É bom referir que quanto as relações amorosas, não é apenas uma prática das mulheres. Os homens também vão ao curandeiro para conquistar uma mulher que deseja, embora com menor frequência.

Esse fenómeno calamitoso de feitiçaria, está enraizado em todos sectores da sociedade são-tomense e até já entrou em força na política. Como exemplo, nas últimas eleições legislativas, regionais e autárquicas, a maioria absoluta do ADI, surpreendeu a muita gente devido ao comportamento do seu chefe, Patrice Trovoada durante o tempo que esteve na oposição assim como no período da campanha eleitoral que, em apenas uma semana de ter chegado ao Pais depois de uma longa ausência, conseguiu mobilizar muitos são-tomenses com as suas propostas consideradas como enganosas.

A opinião publica e mesmo alguns sectores dos partidos políticos que perderam as eleições, estão convictos de que essa performance eleitoral do ADI deveu-se ao feitiço trazido por Patrice Trovoada, até vaticinaram a sua proveniência. Ora, os são-tomenses já se habituaram a encontrar explicações simplistas para os problemas, uma dessas formas é através do feitiço, em vez de usarem mecanismos sociopolíticos e científicos para estudar esses mesmos fenómenos e encontrar as explicações, com objetivo de melhorar o desempenho no futuro.

Portanto, aqui em São Tomé e Príncipe, a crença em feitiçaria anda de mão dadas com a crença em Deuses porque quase todos os são-tomenses que vão as igrejas e templos para rezar para que a sua vida e a sua saúde lhes corram bem, são os mesmos que vão aos curandeiros para resolver esses mesmos problemas. E não pensem que essa crença reside apenas nas classes menos instruídas. Acontecem de forma surpreendente em todos os extratos sociais. Alias, as classes mais altas são aquelas que têm mais poder económico para pagar o curandeiro que muitas vezes exigem fortunas como argumento para que o trabalho fique bem feito. Esse é de facto um dilema terrível e é um dos nossos grandes problemas.

Sendo assim, se dizemos que «Estou bem, graças a Deus», porque acreditamos num Deus, por que não usarmos também a expressão enunciado no texto: «Estou bem, graças a curandeiro», se acreditamos no feitiço? Penso eu de que o problema reside no facto de a maioria dessas pessoas acreditarem e irem ao feiticeiro, mas por vergonha, não o dizem publicamente. 

São Tomé, 5 de maio de 2023

Fernando Simão

5 Comments

5 Comments

  1. José Luís

    5 de Maio de 2023 at 22:04

    Excelente tema a ser debatido. Curandeiro ou feiticeiro, ja fazem parte cultura são-tomense. Ha que se fazer um estudo profundo, para melhor se compreender estes dois fenómenos

  2. WXYZ

    6 de Maio de 2023 at 2:12

    Feiticeiro, Curandeiro, Estrijão (ke xtlijon), Lugar onde se faz “Paga DV”, O Sr. que trabalha com livro, Missa de Defunto, Entroito, etc, etc, etc tiveram suas origens com o catolicismo introduzido ca nas ilhas. O verdadeiro Curandeirismo Africano trazido pelos escravos do continente (Angola, Mocambique, Guine) ja esta praticamente em desaparecimento. Agora quase que se mistura tudo.

  3. Renato Cardoso

    6 de Maio de 2023 at 8:24

    Os pressupostos do referido comportamento radical no profundo obscurantismo e na génese das gentes das Ilhas associadas à falta de literacia galopante.
    Como o articulista refere-se não escapam os falsos tenentes e religiosos que às 6h00 estão na igreja nas missas matutinas e à noite nos curandeiros. E os ditos doutores e ministros não escapam!
    E quando torturados até à morte as pessoas idosas quando são pobres inventando que são feiticeiras.
    Por estas e outras que a sociedade das ilhas continuam vivendo nas antípodas do conhecimento e do saber.

  4. zeze

    6 de Maio de 2023 at 11:04

    Já podemos dizer também, “Estou bem, graças ao médico.” ??????

  5. CARMEN ARAUJO TROVOADA

    16 de Maio de 2023 at 7:55

    O senhor MAKUMBEIRO Patrice Trovoada, é o maior BRUXO que existe em STP, em funciona e ter PODER de DOMINACAO pondo a disposiçao dele (pago pelo contribuinte saotomense)vàrios feiticeiros e marabus que trabalham pra ele. No seu perfil ele pôs uma foto de um feiticeiro ganiano com a intençao de intimidar certas pessoas.
    Jà os feiticeiros da Guiné presajam um desgraçado fim a este maquiavélico homem chamado Patrice Trovoada assim como a sua propria descendência. Seremos os espatadores deste desfecho fatal, o fim dele vai ser tao mau tal como ele proprio viveu. Neste mundo, hà sempre quem é mais forte do que nos.

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