Opinião

A última Canoa do dia

Frequentemente desloco-me a vila de Micoló por dois motivos: para comer um bom peixe grelhado, porque considero um dos melhores locais onde se pode saborear essa iguaria ou para comprar peixe fresco, sobretudo concon e blôlô, duas espécies que muito aprecio.

Vou-me debruçar hoje sobre a minha última deslocação a este local para a compra de peixe fresco, de preferência a espécie atras referida que era abundante outrora naquela praia. Digo que era abundante porque lamentavelmente já não é assim hoje.  Trata-se de uma rotina que já tenho há muitos anos e que serve também para fugir um pouco a azáfama   da cidade.

Por outro lado, a intensa movimentação de pescadores, palaiês e compradores de pescado que se verificava anteriormente já não existe, consequência da escassez do pescado. Para alem da diminuição desse produto alimentar, responsável pelo maior fornecimento de proteína animal aqui em São Tomé e Príncipe, por razões que vamos tentar entender mais adiante, há quem diga que o incremento nesses últimos tempos da atividade de restauração na Vila diminuiu consideravelmente a venda de pescado ao publico comprador, porque uma boa parte é canalizada para esses estabelecimentos.

Mas a verdadeira causa da falta de pescado é mesmo a sua diminuição perto da costa o que obriga aos pescadores a irem cada vez mais longe. Ora, contrariamente as praias Gamboa, Melão e outras, todas as canoas de praia de Micoló não têm motor fora de bordo, o que torna um fator inibidor.  

Por isso é que os pescadores de praia de Micoló acusam sobretudo os seus colegas de Gamboa de contribuírem para a diminuição do pescado porque utilizam redes de pesca de malha fina inapropriadas e proibidas por Lei e, acabam por arrastar toneladas de peixes miúdos, perante a indiferença das autoridades que fiscalizam atividades pesqueira. Essa situação que já vem de longa data, foi por diversas vezes denunciadas sem resultados. Basta só ir à praia Gamboa para se constatar isso todos os dias aos olhos de todo mundo. Por isso é que se nada for feito, com brevidade, mesmo essas canoas com motor irão também sofrer as consequências e ter as mesmas dificuldades dos seus colegas de praia Micoló e outras, no que concerne a dificuldade de captura de peixe próximo da nossa costa.

O episódio recente de um barco de pesca com a bandeira de São Tomé e Príncipe que foi apreendido nos mares do Gabão é o sintoma dessa situação, porque mesmo os barcos grandes já têm a necessidade de ir cada vez mais longe para conseguir pescado em quantidade e qualidade. Perante essa situação, imaginem o drama que vive os pescadores da praia Micoló?

Neste contexto, as autoridades competentes devem urgentemente fazer qualquer coisas com vista a reverter a situação, que passará, no meu ponto de vista, por entre outras medidas, a proibição, fiscalização intensa e apreensão das redes de pesca improprias que prejudicam a atividades pesqueira.

Ontem foi o dia da minha deslocação a praia Micoló para compra de peixe fresco. Já havia poucas palaiês na praia quando cheguei porque a maioria das canoas já tinham regressado da faina. As que tinham conseguido algum peixe de baixa qualidade partiram para a venda noutras paragens. Aquelas poucas palaiês estavam à espera da última canoa. Normalmente é a canoa que chega mais tarde porque o seu tamanho maior permite ir mais longe e transportar maior quantidade e melhores peixes quando tiverem sorte. Enquanto isso, fiquei a conversar com elas, todas minhas amigas de longa data, a espera da chegada dessa última canoa.

Devido essa situação de escassez de pescado, muitos pescadores e mesmo palaiês tiveram que mudar para outras atividades. Procuro sempre animá-las e passar uma mensagem de encorajamento. Este artigo tem também o objetivo de alertar e fazer chegar a quem de direito, as dificuldades e os problemas dessa comunidade que vive quase exclusivamente de atividade pesqueira. Oxalá que me oiçam!

Por isso é que acho que os governos deviam dar mais atenção a essa questão de escassez de peixe no Pais, tendo em conta que é a nossa base de alimentação, porque se a tendência continuar, brevemente ficaremos sem peixe, arrastando consigo uma infinidade de problemas.

Acho que uma das primeiras medidas seria apoiar essas comunidades na reconversão para outras atividades, para além de outros apoios, como medidas de mitigação da sua situação económica. Já houve vários programas de apoio a essas comunidades financiadas por instituições internacionais, mas, francamente, não conheço a sua eficácia nem os resultados obtidos. O que sei, e é visível a todo mundo, é que a situação esta cada vez pior.  Falo de Micoló, mas certamente que haverá outras comunidades nestas condições.

Um dos aspetos que constatei é que hoje, torna-se cada vez difícil comprar peixe diretamente dos pescadores na praia, que normalmente era mais barato. O pescado já vem predestinado as suas mulheres(palaiês) ou freguesas habituais que por sua vez vendem com valor acrescentado ao publico, mesmo lá na praia para quem quiser comprar. Outra parte é reservada as proprietárias das tascas. Só quando sobra é que vão vender na vila de Conde ou na cidade capital, sendo que, essa última opção é mais onerosa, devido ao custo de transporte.  

Uma hora depois, chega então a última canoa. O tempo passou rápido porque apesar dos pesares foram momentos de risada e diversão proporcionadas pelas minhas amigas palaiês e outras pessoas.  Normalmente é assim quando me desloco à aquela praia.

A situação não era muito diferente em relação aos outros dias em termos de quantidade e qualidade de peixe transportado pela última canoa do dia. Contudo, consegui alguns concons por acaso não muito grandes, mas, do jeito que gosto. Não consegui o blôlô porque não havia, paciência! Fica para a próxima.

São Tomé, 13 de maio de 2023

Fernando Simão

2 Comments

2 Comments

  1. WXYZ

    14 de Maio de 2023 at 1:35

    Ca na terra ese peixe é Blôlô ou Nglôlô ?

  2. Dádiva

    29 de Maio de 2023 at 9:19

    Realmente essa situação de pescar peixinhos novos denominado por desastre, já vem sendo praticado desde dos finais dos anos 80 até a data. Estive na capital São Tomé em Junho e falei com uma peixeira e fiquei a saber que os próprios dirigentes políticos são donos de muitos botes e canoas com rede arrastão de málias pequena que arrasta todas as espécies por mais pequenos que seja. como também esses barcos de pescas europeus que já vêm a realizarem pescas nos mares de São Tomé e Príncipe nunca trouxeram benefícios para população. Não será possível alguém que ganaha com isso lutar contra o mesmo. É muita pena que as outras gerações num espaço de 15 anos terão que comer peixes congelados e exportados dos outros cantos do mundo, nesse periodo já não haverá nenhuma espécie de peixe para catura a nível das pescas tradicionais em São Tomé. É um grande trabalho a ser feito, que talvés os nossos bisnetos poderá dar início se não se coromper com políticas de igoísmo e eriquecimento fácil.

Leave a Reply

Cancelar resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

To Top