As bolsas de pobreza que circundam a capital do país e as cidades distritais, são apenas uma ponta do iceberg. Só mesmo no interior profundo, no meio da floresta que cobre as ilhas se pode dar conta do verdadeiro drama. Aliás a quando da organização de um dos fóruns de unidade e reconciliação nacional, o Téla Nón registou declarações de alguns dirigentes políticos do país, que não conheciam o interior, e que por isso mesmo, manifestaram-se surpresos com o nível de degradação da vida humana verificada durante uma ronda pelo país profundo. Vida quase primitiva, que se agudizou nos últimos anos.
O interior de São Tomé e Príncipe, representa cerca de 90% do território nacional. Excluindo as pequenas cidade de São Tomé e de Santo António do Príncipe, todo resto é floresta densa, onde milhares de pessoas vivem na extrema pobreza. Na maior parte das comunidades ainda não chegou a era da electricidade, só água de rios e nascentes sem qualquer protecção mata a sede das populações.
Falar do interior profundo em São Tomé e Príncipe, implica descrever a vida nas antigas roças. Os quartos das sanzalas construídos nos finais do século XIX, com espaço para receber apenas uma tarimba, onde os escravos e mais tardes os contratados, repousavam depois do trabalho infernal nas plantações, continua a ser hoje no século XXI, lar de famílias são-tomenses numerosas.
Alberto Floreano(na foto), jovem de 35 anos, tem aspecto de um homem de mais de 40 anos de idade. A dureza da vida, a pobreza sufocante tirou-lhe dezenas de anos de mocidade. Vive na Roça Caridade região centro-sul de São Tomé. Partilha um quarto de cerca de 2 metros quadrados, com 7 filhos e a mãe. «Toda gente aí dentro. É neste bocado de cela onde vivemos», reclamou.
O cenário é mesmo de uma cela, aliás haverão prisões onde o espaço é maior. Preso pela pobreza, num espaço sem divisão e consequentemente sem privacidade, o jovem diz que o nome da roça CARIDADE, não é feliz. «Caridade, é um nome bonito. Caridade faça caridade, dá caridade. Graças a deus é um nome bonito, mas não tem sorte», frisou.
Alberto Floreano, é um exemplo de milhares de pessoas que habitam a roça Caridade e as zonas do interior de São Tomé. As crianças acabam por ser as principais vítimas da pobreza. O acesso a educação implica sacrifícios. «Os meus filhos estudam em Água Izé(7 quilómetros), vão a pé e vêm a pé. Como estão na féria trabalham. Trepam fruteiras para pessoas e pagam-lhes pelo serviço. Também vendem banana e ganham algum para ajudar o pai», explicou Alberto Floreano.
Numa altura em que as mulheres intelectuais e detentoras de cargos políticos, exigem mais oportunidades para as suas colegas da elite, na base social assiste-se a desgraça das mães chefes de família, aquelas que são também castigadas pela pobreza.
Balbina Ângela(na foto), 32 anos de idade é mãe de 4 filhos. Vive na Roça Santa Cecília próxima da Roça Caridade. O marido não se responsabiliza pelas crianças, e antes de abandonar a casa agrediu Balbina que ficou com a perna esquerda lesionada. «Não vejo a cara do pai. Aliás tenho o pé esquerdo aleijado, por causa de uma agressão do pai dos meus filhos. E agora tenho mais dificuldade para trabalhar e sustentar os meus filhos», desabafou.
É a violência doméstica no seu maior esplendor. O centro de apoio as vítimas está baseado na capital. Balbina vive muito longe para ser socorrida. O marido ingrato, segundo a mulher, foi recebido com amor no espaço de 2 metros quadrados pertencente a sua mãe, e onde o marido viveu com ela gerando os 4 quatro filhos.
O cenário verde de Santa Cecília, não deixa morrer a esperança da mãe chefe de família. Há muita fruta-pão, banana sempre aparece, matabala também, e o búzio é abundante.
Recurso financeiro é que não rende. Com mais de 50 agricultores proprietários de terra, a maior parte das parcelas estão abandonadas. O gosto pelo trabalho agrícola morreu junto com a geração de contratados que começaram a chegar ao país desde o início do século XIX.
Poucos descendentes dos contratados de Angola, Moçambique e Cabo Verde, herdaram a garra pelo trabalho agrícola. Domingos Tavares é um dos antigos contratados de Cabo Verde. A maior parte dos seus companheiros já faleceu. Ele que está na terceira idade não consegue viver sem pegar no machim, enxada e outros instrumentos para fazer a terra produzir alimentos. «As pessoas não trabalham os lotes de terra. Posso dizer que aqui nesta roça que tem mais de 50 agricultores, só eu trabalho o lote», declarou.
Esforço de trabalho cujo fruto é simplesmente roubado, pelos que optaram pela preguiça como forma de vida. «Enquanto estou aqui no quintal as pessoas já estão a roubar banana no meu lote. Eles controlam-me. De manhã vou para o lote e tudo está bem. Venho para casa tomo o pequeno-almoço, e quando regresso já não encontro banana», pontuou Domingos Tavares.
O mesmo acontece com a criação de animais. Porcos, galinhas, são roubados todos os dias. A autoridade está distante. A reforma agrária operada desde 1991, destruiu a autoridade local nas roças. Para além de guardas-nocturnos e diurnos, as roças contavam com feitores e capatazes, autoridades que impunham ordem e mando nas comunidades que eram fonte de riqueza para o país.
Abel Veiga