Análise

África – 50 anos entre a neocolonização, a democracia e a utopia

Sob a sigla da OUA, 32 representantes de governos africanos, reunidos em Adis-Abeba, capital da Etiópia, o único país africano não colonizado pela expansão ocidental europeia, constituíram no dia 25 de Maio de 1963 e pela iniciativa do Imperador Etíope Haile Selassie, a Organização de Unidade Africana com as directrizes que ficaram registadas na Carta da OUA:

  • Erradicar todas as formas de colonialismo em África;
  • Promover a unidade e solidariedade entre os estados africanos;
  • Defender a soberania, integridade territorial e independência dos estados africanos;
  • Coordenar e intensificar a cooperação entre os estados africanos, no sentido de atingir uma vida melhor para os povos de África;
  • Promover a cooperação internacional, respeitando a Carta das Nações Unidas e a Declaração Universal dos Direitos Humanos;
  • Coordenar e harmonizar as políticas dos estados membros nas esferas política, diplomática, económica, educacional, cultural, da saúde, bem-estar, ciência, técnica e de defesa.

Se chamarmos a esta temática, cada um dos pontos agendados em 1963, em qual deles se atingiu realização satisfatória? É exagerado aplicar-se realização plena, porque estaríamos a ser injustos para com a História.

No primeiro item a questão está resolvida. A África, salvo a situação prevalecente no Sara Ocidental, já não é colónia ocidental, como que dizer, o povo africano já não é oprimido e exposto em jaulas públicas nas grandes capitais europeias pelos povos expansionistas nos mais de 500 anos, cinco séculos da dominação colonial.

O fardo da História e as páginas pós-colonial na relação Europa-África continuam a espoletar reacções como que os factos históricos, mesmo com os esforços de cooperação dos novos tempos, não se lhes abonasse um olhar de duas facetas.

A partilha da África, ensaiada desde os meados do séc. XIX pelos interesses coloniais e conseguida na Conferência de Berlin 1884/85, dirigida pelo chanceler alemão Otto von Bismarck e, repartida arbitrariamente entre os ingleses, franceses, portugueses, italianos, belgas, espanhóis e alemães, ditando pedaço para aqui e pedaço para lá, sem qualquer respeito as fronteiras ancestrais, culturas, costumes e religião das várias etnias que povoam o continente, continua a dar ingredientes para diversos estudos acerca do início de mais um período sangrento nas relações entre os europeus e africanos, colonizadores e colonizados e, que até ajudou a reacender achas para a 1ª Guerra Mundial, deixou cicatrizes que persistem e declaram genocídios, guerras étnicas e religiosas dentro e nos limites dos estados africanos.

A maioria dos países representados, na altura, em Adis-Abeba, com o vendaval dos 17 estados independentes em 1960, vinha de duas potências, Inglaterra e França que atentos a emancipação dos povos africanos partiram para a independência política dos países ocupados em África. E a económica?

Portugal Imperial sob o regime salazarista, erradamente, entendeu manter a sua fronteira una do Minho ao Timor, armar e enviar os militares portugueses, sem qualquer distinção, para a defesa da sua África Ultramarina, saldando a resistência a História (guerra de 1961 à 1974) em milhares de perdas de vidas humanas, quer de um lado, quer do outro, como são os números sangrentos das guerras.

Com os Cravos nos canhões dos militares portugueses, no dia 25 Abril de 1974 e passados os sinais de discórdias e dos ressentimentos das independências das suas ex-colónias, com um fluxo ascendente de africanos a fugir da nova guerra entre os irmãos, da ditadura, da pobreza e de todo o mal político, económico e social nos novos estados-Nação, Portugal – concentremo-nos um pouco no caso vivencial – passou a ser o refúgio dos antigos colonizados.

Não faltaram a esse êxodo, filhos de pais brancos e abandonados com as mães negras, em busca das origens paternas e muito mais que isso a sua certificação portuguesa, ou seja, serem reconhecidos em letra da lei, pelo pai português no documento oficial de identificação do mulato. Juntaram-lhes ainda, trabalhadores da administração colonial e militares que estiveram ou não do lado da metrópole em busca dos direitos adquiridos na Segurança Social.

Nas periferias da Grande Lisboa e não só, começaram a nascer aldeias negras, algo que não era novo, se atendermos aos barracões dos trabalhadores de obras, fidjo matcho, vindos parar a metrópole ainda antes de 1975, ano das independências da África portuguesa, mas foi fácil dar-se as vistas com a nova realidade, dado ao crescimento exorbitante dos novos vizinhos.

A partir dos anos noventa, o Estado português através de prerrogativa europeia, não só deu início a legalização da situação documental de residência aos novos trabalhadores estrangeiros envolvidos na betãonização e modernidade de Portugal, como também deu melhoria habitacional, mudando muitos de barracas sem água, luz e saneamento básico para habitações condignas, após um rastreio mais ou menos justo. Novos bairros com cara de cidade ergueram-se, dignificando o lado humano dos trabalhadores estrangeiros ao troco de rendas baixas e aos olhares atentos a sua guetização.

Essa atitude social louvável, para o mal dos africanos, ainda não entra na agenda dos dirigentes africanos, mesmo os dos países riquíssimos, onde sim, a neocolonização permiti-lhes injectar somas astronómicas nos bancos europeus e nas suas economias, na compra de mansões no seu solo e de luxaria dos diabos e, para agudizar ao mal, quando o ocidente virar-lhes as costas, é-lhes congelado o bem da África. Basta lavar cara a cidade, passear nos supermercados e cantar o fado?

Qual a meta intelectual a exigir aos nascidos ou residentes nos bairros? Podem elevar os estudos para além da escolaridade obrigatória? Um simpático professor e director de uma turma do secundário da periferia lisboeta – ainda não se sentia a podridão social da crise – ilustrou-nos a questão. A Escola não é exigente para com os alunos vindos dos bairros, porque sabemos das limitações dos pais em acompanhar aos seus estudos, daí, o limite é transportamos-lhes até ao nono ano.

Não faltaram alunos a ultrapassar a meta do Estado e, hoje, algumas famílias dos bairros podem gabar-se de terem filhos nascidos ou criados num bairro negro europeu, mas que o objectivo de formação foi atingido. Quantos diplomados? Mesmo contados nos dedos de mãos, não é como se conta um deputado ou uma vice-procuradora. Universitários a sair dos bairros, idolatra-se, embora carregando a sua cruz aquando de candidatarem-se a um serviço público ou privado, obrigarem-se a transferir endereço para o de um familiar ou amigo.

Na mesma linha de pensar, quantos jovens dos bairros, filhos dos pais que das quatro da manhã às oito da noite embutidos na correria limpeza-obras, habitam o convento prisional? De quem a culpa? Negligência dos pais? O que terá falhado na estratégia para ajustar aos agradecimentos a História comum Euro-África?

Nesta rúbrica, devíamos refugiar-nos em vários estudos sob a utopia das independências africanas com o peso da neocolonização e da nova agenda mundial em África, direccionada a salvar a economia do mundo e os dividendos que os africanos poderão adquirir na sustentabilidade da economia continental para a verdadeira e total independência da mãe África. Não faltam caminhos a indicar o melhor aos africanos com ditames do mercado internacional a determinar os preços das matérias-primas do continente paralelamente com as ajudas públicas ao desenvolvimento da África a fechar as suas torneiras que, pouca água, já escorriam ou caia para fora do vaso das flores.

Se os ocidentais despertados com a invasão de capital chinês – chineses já dançam quizomba e kuduro – no investimento da África, com custos em contramão aos recursos naturais, diga-se verdade, a própria Natureza, viraram de novo as suas políticas económicas ao continente africano, (para ver quem saca mais riqueza!?) China e países emergentes ou ocidente, o que restará aos meninos dos bairros de lata e as ossadas negras de gente humana em desfiles cadavéricos para câmaras fotográficas venderem imagens concorrenciais de africanos sem comida, sem escola, sem saúde, sem infra-estruturas que lhes permita, ao menos o sonho de contribuir para uma outra África? Não só de música e de maratonistas.

Apesar dos conflitos que sangram o continente, a unidade mantem-se entre os estados, pese ao fantasma dos golpes que nos primórdios das independências cumpriram a agenda dos antigos colonizadores. Actualmente, com a democracia ajustada demais no bubu de certos estados, a quem se responsabilizar dos golpes?

No dia 9 de Julho de 2002 e com todas as organizações regionais e tantas outras, mais ou menos, ao estilo do organigrama europeu e, na pretensão do Coronel Kadhafi, líder da Revolução Verde, (assassinado pela partilha do petróleo líbio aos olhos calados dos manos africanos) a OUA, foi mudada de nome para União Africana, a UA, congregando no seu seio mais de cinquenta estados africanos. A presidência rotativa calhou, primeiro a Thabo Mbeki, na altura presidente da África do Sul, mantendo a sede original em Adis Abeba.

Os tempos mudaram e, ainda bem, ao favor da África com investimentos estrangeiros a competir-se sem grandes receios nos tradicionais riscos e, o que fazem os dirigentes africanos que deviam incentivar aos nacionais na absorção de capitais estrangeiros, na sofisticação do ambiente de trabalho e na dinamização do mercado nacional e regional, evitando que as matérias-primas continuem a ser transformadas lá fora, retirando o emprego aos jovens deambulantes no presente e desesperados para com o futuro?

Nos cinquenta anos da África com posters dos dirigentes africanos, ricos e pedintes, em pomposos cortejos internacionais, acomodemo-nos nos panfletos da negritude, do nacionalismo e da independência, amarrados a utopia das linhas mestras rubricadas no dia 25 de Maio de 1963?

Coordenar e intensificar a cooperação entre os estados africanos, no sentido de atingir uma vida melhor para os povos de África, (Carta da OUA), passados 50 anos, meio século, obriga a quebrar a fuga de cérebros e retirar os proveitos das oportunidades do vento que sopra em direcção ao continente. Nisto, conciliar os investimentos estrangeiros e as inegáveis margens de lucros a par do empreendedorismo, – criatividade que não falta aos jovens africanos enquanto não alcançam a governação – da criação de empregos aos africanos e de melhoria de infra-estruturas sociais que possam elevar a África para o nível de um parceiro da globalização e não uma neocolónia, onde valem as fortunas dos governantes em convívio harmonioso com as imagens de sofrimento do povo para estender-se-lhe as mãos de caridade da Santa Sé.

José Maria Cardoso

23.05.2013

2 Comments

2 Comments

  1. ERC

    23 de Maio de 2013 at 14:31

    O colonialismo não acabou, ele apenas està disfarçado numa forma mais humana e sedutora!

  2. Cidadão Nacinal

    25 de Maio de 2013 at 11:27

    Africanos acordaram, só assim poderemos ter o controlo total das nossas riquezas , porque existe uma técnica de Saque das riquezas africanas pelos europeus, americanos e russos o que coloca na miséria a vida deste povo, obrigando-os a imigração.

    O que Portugal está a fazer São Tomé e Príncipe é bloquear o seu desenvolvimento, eliminou todo site do Parlamento Santomense,da administração interna, fazendo ligação directamente com o de Portugal, nós não somos província portuguesa, isto é impedir sermos conhecido e bloquear as ajudas externas, isto é abuso de poder na interferência directa no assunto do país independente.

    O que é ridículo é que Portugal está a querer ter como obrigação 2 biliões de euros do do petróleo Angolano para 2013, segundo a notícia Zon- África, se isto não acontecer o PM demiti-se ,isto é ridículo e injustiça Financeira contra Angola, aquele povo não vê nada.

    Em 2012 Portugal teve receita do petróleo de Angola cerca de 4 biliões de euros(4.000.000.000,00€) segundo a notícia
    na TV informação mesmo assim há um racismo extremo, querem matar-me por cima do meu dinheiro (18.000,00€) e 7.000,00€ do Tribunal de Trabalho da Clínica Coração de Jesus que a Freira do Coração de Jesus roubou 400.000,00€ e fugiu a justiça, pela notícia oficial, e não querem pagar 7.000,00€ a um Cidadão que luta pelo rigor e se recebesse este dinheiro iria investir no meu Estudo Universitário de DIREITO com especialidade Área Jurídica Laboral.

    Espero que o DEUS doma o coração daquele Juiz e do Governo, para liberar este valor ou pagar esta Bolsa de estudo que tanto quero e estou preparado com todas bases para frequentar com sucesso.

    Das duas palestras que assisti do Sr Dr.º Mário Soares, Tanto na CCB e na Ala Nova da Assembleia da República pelo convite eu não vi nenhum Negro na multidão presente de elites e deputados, fiz questão sempre cumprimentar-Los o Único que reconheceu a minha presença foi o Sr Dr.º Almeida Santos O Politico mais Democrático e Modernismo da Sociedade Portuguesa, todo restos são arrogantes autoritários e negativo para politica Africana.

    Políticos portugueses mudam de atitudes e de arrogância politica porque isto é uma passagem.

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