Palavras de Jaime Gama, Presidente da Assembleia da República de Portugal, na cerimónia de lançamento do livro do Presidente do Parlamento são-tomense Francisco Silva.
Sr. Presidente da Assembleia Nacional de S. Tomé e Príncipe, Sr.ª Embaixadora da República Democrática de S. Tomé e Príncipe, Sr.as e Srs. Deputados, Sr.ª Professora Inocência Mata, Minhas Senhoras e Meus Senhores:
Temos gosto que o lançamento desta nova edição do livro de Francisco Silva tenha lugar em Portugal e tenha lugar aqui, no Salão da Biblioteca da Assembleia da República. Assembleia que ele já visitou longamente, quer enquanto anterior Secretário-Geral do Parlamento de S. Tomé e Príncipe quer na sua qualidade de Presidente da Assembleia Nacional santomense.
É um amigo e tem aqui muitos amigos. Muitos amigos santomenses, muitos amigos de outros países africanos de expressão portuguesa e muitos amigos de Portugal e em Portugal.
É uma pessoa cuja forma de pensar, de actuar, de se nos dirigir não apenas nos cativa ou nos encanta como nos faz granjear respeito e admiração. E isso transparece deste seu livro: um livro por ser livro igual a todos os livros, um livro por ser escrito por ele, criado e construído por ele diferente de todos os outros livros.
Podia ter seguido a tentação mais óbvia, a de ser um poeta. Julgamos sempre que é o caminho mais fácil, mas a poesia é o caminho mais difícil, até porque toda a poesia boa já está escrita há muitos séculos e, portanto, ser excelente e ser diferente é extremamente difícil no campo poético.
Podia ter feito aquilo que os políticos habitualmente fazem (e que é também o mais simples), mandar reunir as colectâneas dos seus discursos, torná-las um texto impresso e depois fazer o seu lançamento. Em regra são livros a que podemos chamar não tanto livros mas, sim, publicações — algo menos do que um livro, mas que sempre fica registado.
Podia ter aproveitado para escrever umas memórias no sentido tradicional ou até, se for norte-americano, no sentido mais profissional, ditando alguns tópicos a um bom ou mau jornalista que, rapidamente, se encarregaria de fazer um longo trabalho pronto para divulgação e venda comercial.
Não fez isso.
Seguiu um caminho difícil, misturando reflexões de carácter íntimo sobre pessoas, sobre locais, sobre circunstâncias, sobre etapas da vida com reflexões sobre o seu próprio país em momentos diferentes da sua actualidade, seguindo aí o que mais de perto conhece no trajecto recente: a transição e a abertura democrática, as novas responsabilidades, os desafios que a sociedade hoje encontra.
É um livro de grande alcance e interesse, pela sobriedade das mensagens, pela profundidade dos conselhos. Isso foi extraordinariamente sublinhado pela Sr.ª Professora, que tão dedicadamente escrutinou o livro, o dissecou e também, na sua leitura pessoal, o viveu com paixão e com encanto. Portanto, agradecemos muito, também, a explicação complementar com que nos abriu os olhos para uma leitura merecida, que todos devemos iniciar a seguir a esta Sessão Solene.
Francisco Silva vem na linha daquilo que de melhor tem a sociedade e a cultura santomenses, não apenas da actualidade mas de um longo caminho percorrido, não apenas no século XXI como no século XX, no século XIX, no século XVIII.
Quem estudar a história santomense facilmente vai encontrar grandes vultos na cultura, na arte, na meditação, na reflexão, na historiografia. E, se fizer a comparação com aquilo que era a cultura contemporânea da África Continental, vai ficar fascinado como um arquipélago tão pequeno é capaz de gerar uma riqueza tão grande na «Coroa do Mar», como podemos designar a ilha maior do seu arquipélago.
Na verdade, esse traço essencial da santomensidade é uma absorção de culturas diferentes, um diálogo e um convívio criadores, traduzidos na sensibilidade e na elegância da sua sociedade citadina, não só na culinária como na maneira de vestir das mulheres, nos hábitos de vida, na relação entre o serviço e o ócio, no culto da festa, na absorção da música.
Tudo isso fez com que a sociedade santomense tivesse gerado não apenas vultos imensos da sua cultura mas também vultos da cultura nascidos em São Tomé, de uma cultura mestiça e crioula, que se projectaram para o próprio Portugal, com dois génios, que foram Viana da Mota e Almada Negreiros, para vos dar apenas dois exemplos de grande projecção e relevo.
Mas refiro também Costa Alegro, ou Francisco José Tenreiro, que nos legou um dos estudos porventura mais interessantes, em termos de geografia humana e civilizacional, que podemos encontrar e que é, aliás, matriz para outros estudos que se desenvolveram com grande proveito na cultura, na ciência e na universidade.
A obra de Francisco da Silva, a sensibilidade de Francisco da Silva enraízam, naquilo que é um longo caminho, uma força, uma substância, uma consistência muito grandes de S. Tomé e Príncipe.
Estou certo e seguro que o seu exemplo de tenacidade, de serenidade, de vontade e de abertura ao futuro vai, seguramente, constituir uma mensagem que as gerações actuais saberão escutar.
É um livro, como todos os livros quando se passa da rotina à reflexão mais profunda, que nos leva com o próprio autor para a indagação sobre a vida e a morte, sobre o destino e a liberdade, sobre a relação com a mãe, sobre a procura identitária da figura do pai, também sobre a relação com o filho pequeno que desapareceu, a reconstituição da sua vida, depois, com a sua mulher, com a sua filha.
Tudo isto tem uma grande densidade, um grande peso e faz deste livro um texto tão em harmonia com o seu autor, uma harmonia feita de gentileza, feita de carinho, feita de discrição, feita de sobriedade, feita de sensibilidade.
É este o legado deste trabalho e é este o legado do Presidente da Assembleia Nacional de S. Tomé e Príncipe, que aqui temos entre nós e a quem desejamos: força, força, muita força!