Diversos

Os Filhos da Pauta

Doutorbelinda1.jpga Belinda Wakongo, a partir de Amsterdam, levanta a voz para falar dos “Filhos da Pauta”. Uma matéria de reflexão com São Tomé e Príncipe a sua terra natal no centro do debate.

Ainda quando pequena, já dizia a minha santa bisavó que macacos que muito pulam estão à procura de chumbo. Sabemos que existem são-tomenses pulando de um ramo para o outro, mudando de ideais consoante a cor das notas e o seu valor, e pela ganância feroz por um lugar no trono. E, mais cedo ou mais tarde, acabam traídos pelas armadilhas que foram remando ao longo do seu percurso, que na volta se esquecem de contorná-las. Os tiros já não saem mais pela culatra, atingem-nos em cheio!

Esses senhores e a sua corja pertencem a uma classe denominada de filhos da Pauta. Esses filhos da Pauta são os fiéis apóstolos de uma doutrina implantada em São Tomé e Príncipe, regida por um conjunto de regras de conduta e acções em sociedade, tendo como principal ambição o assalto ao poder.

A honra por que infligem os filhos de São Tomé e Príncipe advém das inúmeras e sucessivas normativas de educação transmitidas pelos progenitores aos seus descendentes, sustentadas por uma Pauta institucional, a qual seguem à risca, sem desviar sequer um milímetro, fazendo cumprir como de uma ordem militar se tratasse. Pode-se mesmo dizer que o lema é viver por tudo e morrer por nada… Ao contrário, julgo eu, é um suicídio moral e intelectual muito grave.

Os progenitores, na sua maioria dirigentes ou ex-dirigentes públicos, defendem normativas de se diferenciarem de outros cidadãos que integram o nosso país, de acordo com determinados paradigmas definidos em outras paragens onde prolifera a ditadura, um circuito fechado onde se vão comendo aos poucos entre poucos.

Caso os elementos desta pobre nação, São Tomé e Príncipe, não reúnam todas as condições figuradas nessa mesma Pauta, são sumariamente excluídos da vida sociocultural em que integram os autoproclamados “gente gorda”. Os seus nomes aparecem em todas as Pautas de relevo político e económico-social do país. A luta desenfreada para que esse estado de coisas persista eternamente é o lema dessas famílias de sobrenome, muitas vezes fartas e sobejamente famosas, por mais diversas razões, no interior e no exterior.

Essa gente que pertence a quadrilha de assalto ao poder, perante o povo, teria basicamente duas perspectivas. Primeira: aquando dos males se assolarem no seio dos seus lares, não ter piedade alguma. Porque não se tem pena de quem não se admira. Segunda: tudo que destrói é maligno, como um cancro, e não há volta a dar quanto aos que pilharam o bem público são-tomense. Seja a morte lenta e dolorosa o final dos seus dias. Não haveria nada que deixasse um povo sofrido tranquilo, como dizia o Jykiti – santomense.blogspot.com – no seu momento de desabafo. O que não é bom não faz a mínima falta.

Não se trata propriamente de uma novidade, que para alguns até dá raiva só de ouvir, mas de vários planos obscuros dos políticos que soam sempre aos do diabo que nunca come em silêncio. Ninguém o vê a comer mas ouvem-se falar dos ditos planos ao romper da alvorada. A sensação que me dá é a equivalente ao de ver um defunto dançando no seu próprio funeral.

Os sinais dos tempos levam-nos a ter de tomar algumas precauções de modo a que não façamos parte do seu plano macabro. A educação dos nossos filhos deverá servir de exemplo para a humanidade, logo o virar das páginas conduz-nos a uma tomada de decisões elegantes, tal como a de tentar ilustrar as normativas que se inserem nessa Pauta cegamente cumprida pelos mais célebres descendentes de criminosos políticos.

Fala-se tanto do combate à corrupção, ao parasitismo, à injustiça, etc., mas as sucessivas gerações que compõem a camada mais jovem da nossa sociedade vêm seguindo, embora erroneamente, todos os passos diabólicos e bastante peculiar desses antigos governantes, ultrapassando todos os limites do remediável e do absurdo.

Nota-se que quando algo tende a alterar o rumo dos acontecimentos – das ideias -, baseado num postulado hierarquizado, é como se lhes desferissem os corações com as setas envenenadas. Os seus fiéis seguidores tornam-se violentos e insuportáveis perante a verdade e a desilusão do que lhes fora incutido pelos pregadores políticos é maior do que as suas próprias almas.

Urge-me, na qualidade de cidadã são-tomense, atenta aos males que grassam no nosso quotidiano, descrever sucintamente a lista que define os padrões defendidos no tal plano do diabo – na supracitada Pauta -, assimilados por alguns dos filhos de São Tomé e Príncipe:

1.       Amar os animais e jamais os seres humanos; um animal nunca o trairá ou bufará, fazendo chantagens e reclamando pela “sua” parte do assalto;

2.       Não adorar o seu povo, as suas tradições e seus valores nem a sua terra; adorar sim o dinheiro, os bens materiais;

3.       Instale antena parabólica nas suas mansões e ao povo dê o prazer de assistir telenovelas brasileiras, algumas portuguesas – para o enriquecimento da língua de Camões – tal como a “Vila Faia”, jogos do campeonato português, dos seus três “grandes”, para que se recorde sempre com nostalgia o passado colonial;

4.       Perfilhe o seu gato de estimação com o nome de Asdrúbal, o seu cachorrinho de “Fubá”, a sua galinha querida de “Jessica”, os seus filhos com nomes americanos, ingleses, franceses, alemães, russos e outros extravagantes e impronunciáveis em português – desde que não sejam africanos;

5.       Passar as suas férias em Punta Cana, Champs Elisés, Bois de Boulogne, New York ou no Hawai, sem olhar para as despesas, levando consigo quem bem pretender;

6.       Quando o mal se abater como um dilúvio sem tréguas, escapar sem olhar para trás; e se a crise se der com efeitos irreparáveis, onde possa ser apontado como responsável, negar sempre e mandar ir pela sombra os impertinentes;

7.       Condenar sempre o desgraçado do povo, salvo se autoridades superiores decidirem o contrário, em recurso, a investigação de ausência de culpa atribuída jamais será precedida;

8.        Proteger e dar prioridades e impunidades absolutas, quantas forem necessárias, a todos os seus parceiros da classe, da raça, nem que para isso seja forçado a se prostituir – melhor, os pobres infelizes – ou aniquilando o agoirento povo;

9.       Os nossos maiores amigos são os ricos; eles sempre acabam por ter muitos amigos e nunca nos deixam ficar mal, por isso manter sempre a maior distância possível dos pobres, desprezar sempre o “nome de pobre” ou desconhecido, ignorando-o, bem como gente carente que somente faz-se acompanhar de infortúnios;

10.    Barrar incessantemente aos pobres e gente sem prestígio nacional as portas do sucesso, do brio, da posteridade, nem que para isso se engavetem ou se queimem os projectos implementados, isto é, se não for para mim nem para os meus, não será para mais ninguém;

11.    O seu sangue jamais se deverá misturar com o dos parasitas da sociedade, que constantemente nos importunam com queixas de falta disto e daquilo; deveriam mais é trabalhar mais tal como nós e lutar para merecerem o que lhes conferiria;

12.   Comprar os bens públicos ao desbarato com esquemas de poder, construir mansões luxuosas em melhores locais estratégicos da capital, comprar os modelos mais recentes de automóveis de luxo, para impor o seu estatuto de poderoso e intocável;

13.   Embustear sem o mínimo de pudor e sem dó os que pelos seus meios possa alcançar um posto de direcção, de comando, de controlo e de gestão; através de usurpação profissional, sexual, financeiro destacar-se perante os seus semelhantes;

14.    Pense que enquanto os pobres coitados do Monte Macaco, por exemplo, desfrutam de um almoço de fruta-pão assada na fogueira com desastre cozido regado com azeite de palma, na sua sala de refeições existe uma mesa farta, com inúmeras iguarias, desde cozido de batata inglesa à murro com bacalhau da Noruega; filé mion afogado com cebola e alho francês, recheado com miúdos; subway de filet com molho de barbecue; big mac com coca-cola; lombo de tamboril na brasa; espetada de codorniz grelhado no forno; caril de camarão e pescada com arroz frito; costeleta bem passada com batata frita e ovos estrelados; açorda com sopa de pedra ao sabor do vinho do Porto; guisado de lampreia à avó Clotilde; estufado de frango à Elisés com spagetti; lasanha, caviar, lagosta, pão com mortadela, sapateira com picante e pimenta; a acompanhar: brandy, cognaque, champagne francês, whisky, Beyer Ranch; cervejas Paulaner Weissbier, weihenstephan e Carlsberg; licor Beirão e, para finalizar, um charuto cubano e cachimbo de Chicago;

15.    A corrente eléctrica não fora inventada para iluminar os destinos dos pobres, entretanto esta deve apenas ser distribuída aos que dela melhor sabem dar proveito; logo os geradores de energia eléctrica deverão sempre encontrar-se em residências de pessoas de bem – sublinha-se, detentores de cargos públicos e de renome ao nível nacional -, para os salvaguardar dos demónios da escuridão que emanam das almas dos infelizes da maioria da população;

16.   Na hora de conquistar a confiança do povo para a acessão de lugares cimeiros na sociedade, distribuir algumas esmolas – e nunca criar postos de emprego – aos pobres e gente de classe inferior, das regiões longínquas, inacessíveis, despidas de condições de habitabilidade, onde são remetidos à sobrevivência diária por merecerem;

17.   No princípio, não gostará de ladrões porque metem medo, mas com o tempo começará a trabalhar com eles e… até porque existe um velho ditado que diz: “quando não se pode com o inimigo, junte-se a ele” – para um bom entendedor meia palavra basta;

18.   Tente usar um vocabulário mais vernáculo para se defender de ataques de adversários invejosos e discursar perante os fiéis seguidores da sua política títere;

19.   Perante os inimigos que são o povo, e que detestam a gente fina e com saber, não há que lhes dar um aperto de mão, e que tal um aperto de pescoço; despedir compulsivamente todos os desconhecidos da sua laia, seus parentes e os demais que se interfiram no negócio da “família” ou lhe julguem por uma acção concertada e coerente;

20.   No seu melhor pano não cairá a nódoa, será o senhor do seu destino e do do povo, quando Deus lhe indigitar para essa missão; por isso será detentor do saber supremo e evitará por parte de potenciais cérebros a sede do conhecimento, mesmo que a árvore da sabedoria tenha secado;

21.   Jamais será um bufo, um traidor da classe, se denunciar o inimigo da elite – os verdadeiros amantes da Pátria são-tomense –, porque o resto é interessante como o bócio;

22.    Se diante de uma discussão com um adversário político se sentir enxovalhado, com um nervosismo jovial, lembre-se que o diabo está sempre atrás da porta; portanto não hesite em instante algum acusá-lo de todos os males de que conhece, com laivos de malcriadez;

23.    Que sejam gorados os esforços dos mais carenciados que buscam um bem-estar para a sua vida miserável, com sistemáticas perseguições aos nossos responsáveis de ensino, para se formarem no exterior, visto que são os maiores responsáveis pela situação em que se encontram;

24.    Que sejam gorados as oportunidades e os acessos a um sistema de saúde mais direccionado a população, aos medicamentos com preços elevados face aos seus miseráveis rendimentos, ao acompanhamento dos serviços sanitários em residências e zonas problemáticas em termos de saneamento básico;

25.   Banir da cena política e da vida social e cultural todo e aquele que demonstre primar-se muito pela inteligência;

26.    Predispor -se sempre a fazer algo de muito importante por São Tomé e Príncipe, mesmo que isso apenas represente o caminho para atingir o fim – o seu objectivo final – que é assumir o seu merecido lugar de destaque na sociedade, conforme os seus progenitores; e a enriquecer-se o mais rapidamente possível, nem que para isto tenha que vender a sua própria terra com os seus habitantes incluído no pacote;

27.    Não deixar causar tanta celeuma por questões que sabe de antemão qual é a solução; estabeleça regras suas e com base nelas tome posições que achar convenientes para cada caso em particular, sendo que poderá sempre manter as aparências;

28.   Saiba que essa gente que tudo pede e nada dá em troca, o ingrato do intelectual que vem do povo, não é flor que se cheire; em caso de reclamação da sua parte, a resposta a dirigir-lhe resume-se em mandar enjaulá-lo ou humilhá-lo perante os seus semelhantes ou estranhos com pouca formação cultural;

29.   Detestar as regras dos outros, ser rebelde, desafiar as autoridades, e, se possível, demonstrar o seu poderio económico e financeiro, exibindo o harém de que detém, a sua colecção de carros de topo de gama, as suas luxuosas moradias e os seus últimos gritos de grife, e atirar – abrir fogo da sua arma – num indefeso que lhe importune por acidente;

30.   O facto é que de facto depende do fato que de facto se usa; posto isto, cada macaco deve se encontrar agarrado ao seu galho, assim os pobres serão sempre esquecidos e os ricos, estrangeiros brancos, os seus maiores aliados em todos os sentidos, recordados e homenageados sem marco;

31.   Os cidadãos que se revoltam contra o serviço prestado pelos seus progenitores em nome da nação são-tomense, tendo dado tudo de si, desde o saber à experiência de uma vida, não merecem qualquer consideração da sua parte, sejam eles colegas ou amigos seus;

32.   Cada um tem a vida que quer, por isso deixe chorar os miseráveis; sabe-se que a vida é dura, portanto não há dó nem misericórdia; até porque não é Deus… – Ele que criou o mundo que resolva os seus problemas;

33.   Sempre que emprestar uma quantia a alguém, pense sempre que não é para pagar; se lhe emprestou é porque quis, não é obrigado a devolver-lhe;

34.   A cada desgraça que bata a porta de um pobre diabo, é para partir a maralha a rir; é que sempre se pode exorcizar uns fantasmas; o desespero é uma coisa tramada – lembre-se que sair do pobre ao nobre pode ser uma tarefa impossível para os estúpidos, mas para os seus fora uma questão de estalar dos dedos;

35.   Vox populi, vox Dei”não passa de uma grande blasfémia, pecado que branda os céus; tenha isso sempre em mente;

36.   Os tachos virtuais sempre dão pão a muita boa gente; o que resta não presta mesmo para nada;

37.   Se um menino pobre que caminha para a escola lhe pedir boleia, juntamente com os seus filhos, abalroe-o com o seu carro; e caso haja regatos pelas vias rodoviárias, faça projectar lama em sua roupa, porque dá mesmo azar ajudar os pobres;

38.   Saber demais pode trazer problemas; já se provou na ciência, através do Einstein que apenas descobriu a Lei da Gravidade quando a maça lhe caiu em cima da cabeça;

39.   Um bandido sempre admira o outro, logo não há nada a temer; siga com veemência todas as normativas que lhe fora sido transmitidas ao longo da sua infância;

40.    Na política, seja um poeta em vez de doutor; comece por dizer nos seus discursos algo como: “Deus os guarde na morte, como não os conseguiu guardar em vida”;

41.    A vida que leva na Terra é um simulacro de “qualquer coisa” e este é um sistema que veio mesmo a calhar, aproveite, saboreie e curta o quando puder;

42.   Quando estiver no comando da coisa pública e tomar medidas cirúrgicas para deter o mal, os infelizes irão se revoltar, mas não se preocupe que poderão rezar, contudo, Deus não lhes ouvirá, porque não admitirá subordinações;

43.   Enquanto reinar, sacar até ao tutano o resultado do suor do seu povo – ele existe para o servir e deverá fazer o proveito na altura que entender necessário;

44.    Aos pobres necessitados e doentes, dê-lhes esperança e prometer-lhes-á mundos e fundos, hoje, amanhã e sempre;

45.   Nunca falar de quem tem pensamento avançado de libertinagem e má governação, que confunde-os com a democracia e possui falta de humildade no seu coração; evite-o ao máximo, dado que poderá denegrir a sua bela imagem de cidadão exemplar;

46.    Não trabalhar, porque quem o faz é por ser muito estúpido; como bem sabe, Deus não dorme, basta pedir que a sorte lhe bata à porta;

47.   Perdoar não cabe a si, nem aos seus, por não ser responsável pelo animal que há em si; não é esse o seu dom, apesar de ser um santo iluminado;

48.   Quando chamado pela justiça humana a responder pelos seus eventuais erros, negue sempre e clame inocência, atribuindo a culpa a terceiros – jamais um filho de Deus cometera algum mal ao seu próximo;

49.   Todos os que o julgarem mal, mesmo por um mero equívoco, serão punidos severamente pela mão do criador; a maior justiça é a divina, e a humana apenas serve para os otários;

50.   Só alguém intratável pensará que a sua revolta corresponderá à sua indignação; cada um tem a paga que merece e a sua felicidade jamais poderá ser abalada por um sentimento de dó ou solidariedade para com o infeliz;

51.   Nunca se importar com o hino nacional, o juramento da bandeira ou a honra jurada com a mão sobre a bíblia da igreja católica, porque é tudo uma grande palhaçada;

52.   O amor constrói, porém o ódio destrói; mas o que é que isso lhe interessa? Pense;

53.    Primeiro eu, segundo eu, terceiro eu, e, o resto é olho por olho, dente por dente;

54.   Lutar pelos seus sonhos e ser persuasivo que tudo conseguirá; fará o impossível para que isso aconteça – nem que para isso se veja forçado a calar muita gente;

55.   Todos os que sonham apenas não vêm alcançados os seus sonhos não por sua vontade, que por si viriam Jesus Cristo;

56.    Quem se interferir no seu caminho de vitória, depois de uma longa caminhada sofrida, com ferro e fogo o derrubará;

57.   O paraíso é uma enorme ilusão e o inferno é aquele em que vivemos neste mundo; salve-se quem puder;

58.   A sua maior fé está ao alcance do poder e não no bem do próximo;

59.   Afoitar os jovens pobres a proferirem frases obscenas e admirarem imagens que façam menção às drogas, à criminalidade, ao sexo, relembrando-os que tudo o que não experimentaram se deve ao seu atraso cultural;

60.   Não invocar seu próprio nome em vão; respeitar e fazer cumprir todas as normativas descritas nesta Pauta, por um São Tomé e Príncipe livre, justo e próspero.

Para terminar, digo que qualquer cidadão, verdadeiro filho de São Tomé e Príncipe, jamais se sentirá orgulhoso de fazer parte de uma pauta com tais padrões dogmáticos. É uma pena que muitos ainda estejam vestindo a pele do lobo, mas rapidamente conhecerão o seu epílogo.

Dra. Belinda Wakongo

Amsterdam, Thursday, October 27, 2008

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