O Téla Nón publica na íntegra a carta de Jayme José da Costa(na foto), Presidente Interino da Assembleia Nacional, com data de 25 de Setembro e endereçada ao Procurador Geral da República. O parlamento recusa o levantamento da imunidade parlamentar, e levanta uma série de aspectos para o Procurador Geral da República responder. A troca de cartas entre a Procuradoria Geral da República e a Assembleia Nacional, por causa de escândalos de corrupção em que alegadamente os deputados estão envolvidos já é rotineira. O Téla Nón prefere que seja o leitor a tirar as conclusões.
EXMO.
SENHOR PROCURADOR GERAL DA REPÚBLICA
S.TOMÉ
Ref.0161/GPAN/2009
1.—Em resposta ao ofício de V.Exª, de referência Of.085/GPGR/09, de 22 do corrente, solicitando :
a) o levantamento da imunidade parlamentar ao Senhor Deputado Delfim Santiago das Neves e
b) autorização para que o mesmo seja interrogado na Procuradoria Geral da República, na qualidade de arguido, nos termos do número 2 do artigo 11º da lei nº 8/2008 – Estatutos do Deputado,
“na sequência dos autos de Instrução Preparatória nº545/2009, que corre os seus termos no Ministério Público, relativamente ao processo de importação de mercadorias provenientes do Brasil pela STP TRADING Lda, ao abrigo do memorando de entendimento entre a República Federativa do Brasil e a República Democrática de S. Tomé e Príncipe, no valor até 5 milhões de dólares Americanos”, tenho a honra de informá-lo do seguinte:
2. – No dia 19 do mês de Agosto do corrente deu entrada nos serviços da Assembleia Nacional o ofício de referência OF.073/GPGR/09, da Procuradoria Geral da República, solicitando que o referido senhor Deputado fosse presente a essa instituição para prestar declarações, na qualidade de arguido, comunicação a que esta instituição deu consequente resposta, através do n/ofício Ref.0146/GPAN/2009, de 31 de Agosto, informando a V. Exª de que, “ após profunda análise dos factos, a Assembleia Nacional decidiu autorizar o senhor Deputado Delfim Santiago das Neves, do Grupo Parlamentar da Coligação MDFM/PCD, a prestar declarações nessa Procuradoria Geral da República, nos autos que lhe move o Ministério Público”.
3. – Ocorre, por outro lado, que tendo o Juiz de Direito Dr. Manuel Silva Gomes Cravid solicitado, no passado dia 20 de Agosto do corrente, ainda relativamente ao mesmo processo, “o levantamento da imunidade parlamentar ao citado senhor Deputado, a fim de o mesmo responder pelos crimes de Administração Danosa, Burla Qualificada, e Alteração de Géneros Destinados ao Consumo Público”, foi o mesmo informado, igualmente em 31 de Agosto do corrente a “Assembleia Nacional, considerando não se estar perante um caso de flagrante delito e ser de todo prematura a fase dos autos que correm os seus termos nesse tribunal de 1ª Instância, decidiu não levantar a imunidade parlamentar ao senhor Deputado Delfim Santiago das Neves, do Grupo Parlamentar da Coligação MDFM/PCD, por não estarem reunidas as condições que possam justificar a alteração das suas prerrogativas constitucionais e estatutárias”. Desta última solicitação, bem como da resposta que a mesma mereceu da parte da Assembleia Nacional, dei oportuno conhecimento a V. Exª, através do n/ofício Ref.0148/GPAN/2009, de 1 de Setembro do corrente :
4. – Dos referidos contactos, resultou que o senhor Deputado Delfim Santiago das Neves, se tivesse deslocado no passado dia 11 do corrente, à Procuradoria Geral da República, para ser ouvido, conforme deliberação da Comissão Permanente da Assembleia Nacional, diligência que seria no entanto suspensa porque se tornou na circunstância necessário clarificar o estatuto processual do citado Deputado, já que, na interpretação do respectivo advogado, a autorização da Assembleia Nacional apenas autoriza o seu constituinte a prestar declarações na qualidade de declarante .
5. – Na sequência desta longa, mas necessária recapitulação dos factos e no desejo sempre retirado de colaborar efectivamente com o sector judicial, permita que faça chegar ao superior conhecimento de V. Exª algumas preocupações que se nos vêm colocando a respeito do presente caso, que outro fim não têm do que permitir à Assembleia Nacional decidir em consciência, ou seja, de conformidade com a Constituição e as leis da República.
Ora o texto fundamental, no seu artigo 95º, nº2, estabelece que “salvo em flagrante delito e por crime punível com prisão maior ou por consentimento da Assembleia Nacional ou da sua Comissão Permanente, os Deputados não podem ser perseguidos ou presos por crimes praticados fora do exercício das suas funções”.
Como V.Exª decerto compreenderá, esta prerrogativa constitucional que é concedida a Assembleia Nacional, pela sua importância e efeitos, não pode ser encarada por esta de forma abstracta, abúlica, antes obriga o órgão parlamentar à recolha criteriosa de elementos factuais passíveis de lhe permitir assumir, no momento da decisão, uma opinião mais abalizada e consciente possível.
6. – A este propósito, sem pretender enveredar por qualquer ingerência na acção judicial, dir-lhe-ei que, na sua missiva, causou alguma estranheza à Assembleia Nacional a alusão a dois aspectos bastante mediatizados no processo relativo à importação das mercadorias da República Federativa do Brasil, a saber:
– Primeiro, o facto de terem passado a dois os crimes eventualmente cometidos pela Direcção da STP – TRADING, contrariamente aos três iniciais ;
– Depois, a circunstância de se terem mantido como válidas as acusações de prática dos crimes de Administração Danosa e de Burla Qualificada, postas publicamente em causa pela nota verbal da Embaixada do Brasil(nunca citada no v/ofício) e pela comunicação televisiva de sua Excelência o 1º Ministro, o que deixa eventualmente pressupor que, a contrariar o teor destas intervenções oficiais, existem provavelmente outros elementos de suporte às mesmas acusações.
7. – Pelo acima exposto, tenho a honra de solicitar a V. EXªque, a existirem outros elementos susceptíveis de trazer a luz a este processo e permitir uma avaliação mais pertinaz da parte da Assembleia Nacional, que os mesmos sejam remetidos a este órgão, do que lhe ficaria extremamente grato.
8. – Entretanto, dada a urgência de que o assunto se reveste, cumpre-me clarificar a situação informando V. Exª do seguinte :
a) Relativamente ao pedido de levantamento da imunidade, não é possível atender ao mesmo, visto que a Assembleia Nacional já havia reunido a sua Comissão Permanente, para analisar o mesmo pedido formulado pelo Juiz do Processo, obviamente de conformidade com o despacho proferido pelos dignos procuradores – adjuntos do Ministério Público (a folhas 363 do processo), pretensão na altura recusada. Como deve ser do seu pleno conhecimento, regra geral a Assembleia Nacional não reúne em plenários sucessivos para deliberar sobre um mesmo assunto, acerca do qual já tenha sido tomada uma decisão.
Daí que, no que se atém ao referido pedido de levantamento de imunidade parlamentar, a Assembleia Nacional reafirme a sua posição anterior de recusa, extraída da resolução aprovada pela Comissão Permanente, já comunicada a Vossa Excelência em tempo oportuno.
b) Cabe-nos ainda informar-lhe de que, relativamente à solicitação para que o senhor Deputado Delfim Neves preste declarações na Procuradoria Geral da República, o mesmo está devidamente autorizado a fazê-lo no processo que lhe é movido nessa instituição, cabendo a esse órgão judicial decidir sobre o estatuto processual da audiência.
Cumpre-me, no entanto, reiterar-lhe que o senhor Delfim Santiago das Neves se encontra investido da sua imunidade parlamentar, devendo, a propósito, ser escrupulosamente respeitado o estabelecido no artº. 95º da Constituição da República, não estando, por isso, sujeito a qualquer medida de coacção.
Ciente da superior compreensão, permita que lhe enderece, Senhor Procurador Geral os meus melhores cumprimentos.
Assembleia Nacional, S. Tomé, 25 de Setembro de 2009
O PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA NACIONAL, INTERINO
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/JAYME JOSÉ DA COSTA/