Opinião

São Tomé e Príncipe …Que futuro?

(Mau Humor Estudantil: Quando a escrita se transforma na

única forma de alimentar as esperanças)

(I)

OBS: este trabalho de críticas e pontos de vista pessoais de um estudante santomense, foi escrito no início da década de noventa, enquanto estudante universitário em Kharcov, Ucrânia – Ex-União Soviética. O fato de ter sido manuscrito, obrigou a que se tornasse necessário a sua digitalização, o que foi feito paulatinamente. Contém 62 páginas. Está dividido em 8 unidades (bibliografia, introdução e que fazer?, pesca e pecuária, turismo, desporto, cultura, ensino superior, economia e política), para facilitar esta publicação de forma faseada, e evitar que a publicação seja feita tudo ao mesmo tempo, sendo que agora faço publicar a unidade 1/8 que compreende BIBLIOGRAFIA, INTRODUÇÃO E “QUE FAZER?”.

ÍNDICE

O MEU EU.. 2

INTRODUÇÃO.. 4

I. QUE FAZER?. 6

II. A PESCA.. 13

III. A PECUÁRIA.. 16

IV. O TURISMO.. 18

IV.1. O Desporto. 23

IV.1.1. A Assossiação dos Clubes desportivos. 27

IV.2. A Cultura. 32

IV.2.1. Os agrupamentos culturais. 33

IV.3. O Ensino Superior como grande vítima. 35

IV.3.1. A contribuição dos estudantes no desenvolvimento do turismo. 36

IV.3.1.1. Organização Estudantil 43

V. ECONOMIA.. 45

V.1. Sector energético. 46

V.1.1. Hidroenergia. 47

V.1.2. Fornecimento de água e energia eléctrica. 50

V.2. Outros assuntos. 52

V.2.1. Centro de aconselhamento para investimentos. 53

V.2.2. Protecção do ambiente. 54

VI. POLÍTICA.. 57

VI.1. Exemplos dos efeitos negativos dum regime (guarda-costas) 57

VI.2. A Censura. 59

VI.3. Sistema de governação para STEP. 60

O MEU EU

A certidão de nascimento de narrativa completa diz o seguinte: às quatro horas do dia 20 de Setembro de mil novecentos e sessenta, nasceu na localidade de Quifindá, da freguesia de Santa Filomena um indivíduo do sexo masculino, a quem foi posto o nome próprio de JUVÊNCIO e de família de AMADO D’OLIVEIRA, filho ilegítimo de Manuel Afonso d’Oliveira e de Maria do Sacramento Rosinha Amado, respectivamente naturais das freguesias de Caixão Grande e Santo Amaro, neto paterno (avô incógnito) e de Maria Madalena do Espírito Santo Pacunha e materno de Gregório Amado e de Helena José.

De 20 de Setembro de 1960 a 03 de Setembro de 1988 sempre vivi em Quifindá.

Recordo-me que antes de completar sete anos frequentava uma escola de mato do senhor Raúl Barata na Madre de Deus. Quando me matricularam na escola primária Silva Sebastião em Bobô Fôrro, em 1967, o meu pai retirou-me na escola de mato do senhor Raúl Barata e colocou-me noutra escola de mato desta vez do senhor Doutor em Quifindá. Segundo contam, é que o tal senhor Doutor já dava aulas mas algumas mães revoltaram contra ele, devido supostamente ao mal trato aos seus filhos e devido isso o mesmo deixou de dar aulas na sua escola de mato. Depois de tanto tempo a não dar aulas, o meu pai conseguiu convencer o referido senhor Doutor a retomar as suas aulas, facto que me tornou o seu primeiro aluno nessa escola de mato ressuscitada.

O meu pai trabalhava no TECNIL. Eu só lhe via aos sábados de tarde e domingos, pois saía de madrugada, quando eu ainda dormia e regressava de noite, quando eu já estava dormindo.

No entanto frequentei a escola primária Silva Sebastião em Bobo Forro de 1967 a 1971, tendo completado a quarta classe.

Nesse período ainda me recordo dos três professores que tive, sendo na primeira e segunda classes o professor MENDES  que residia em Chácara (1967/68 e 1968/69), na terceira classe a professora MARGARIDA que residia na Madre de Deus (1969/70)e na quarta classe a professora JULIETA que residia no prédio Náutico (1970/71. Todos esses professores nos convidavam regularmente às suas casas com o objetivo de explicações gratuitas. Isto significa que nesse tempo os professores viviam dos seus salários como professor, pelo que tinham tempo para receber os seus alunos e gratuitamente dá-los explicações.

De 1971 a 1975 frequentei a Escola Preparatória Pedro Álvares Cabral, onde completei o 2º ano, tendo reprovado uma vez no 1º ano e uma vez no 2º ano. Em 1976, já depois da independência, frequentei e aprovei no 3º ano ou, como se dizia então, 1º ano liceal. Nos anos 1977 e 1978 frequentei e reprovei no 4º ano ou 2º ano liceal.

De recordar que as aulas do depois da independência, iniciavam em Fevereiro ou Março e terminavam em Dezembro.

Em 1978, durante o 3º período, em Outubro, fiquei doente, com dores do olho. Fiquei internado de 15 de Janeiro a 15 de Fevereiro de 1979 com complicações no olho direito, que no período de internamento, ficaram parcialmente resolvidas e as dores pararam. No entanto, em 17 de Março de 1979, comecei novamente a sentir dores. No dia 19 de Março fui novamente a consulta, pois o dia 17 era um Sábado. Foi-me passada uma receita com recomendações de que devia ir internar no dia seguinte, 20, acompanhado do remédio que a receita continha. Em 20 de Março fui a internar e, no dia 23 saí de junta médica para Lisboa.

Entre 20 e 23 de Março de 1979 passei por algumas peripécias que vale a pena aqui relatar, que justificam que naquele tempo alguma atenção especial era dada aos doentes. Ora vejamos:

O interlocutor simplesmente foi peremptório em me responder que eu não devia sair do hospital, pois era para o meu bem. Eu soube que no dia 21 alguns senhores foram falar com o meu pai e receberam o meu BI.

Quatro dias foram suficientes para que me fosse concedida uma junta médica, sem algum esforço meu, e uma permanência em Lisboa de 18 meses, tudo suportado pelo estado santomense.

Nesse período de estadia em Lisboa tornei-me um leitor assíduo do jornal periódico “REVOLUÇÃO” de STP, tendo comprado todos os exemplares que regularmente eram vendidos na Embaixada. De recordar que na altura, a Embaixada de STP funcionava na Rua da Junqueira, mesma rua do Hospital Egas Moniz. Também nesse período adquiri muitos livros, o que me deu possibilidades de ter forte amor pela leitura.

Ao regressar a STP em Outubro de 1980, já com vinte anos, não podia continuar a estudar no período diurno. O meu pai não podia suportar-me no curso nocturno. Tinha, no entanto, que suportar a minha continuidade, se quisesse continuar a estudar.

Em Maio de 1982, fui admitido para o cargo de escriturário-dactilógrafo de 3ªclasse na Direcção da Indústria e Energia, após participar num concurso de admissão. Mas a minha matrícula no ano de 1982 não foi possível, pois o primeiro salário meu somente foi no mês de Dezembro, obedecendo os trâmites que se exigiam na função pública. Daí que a matrícula no curso nocturno só se tornou possível em 1983, na 8ª classe. Em 1983 ascendi ao lugar de Escriturário Dactilógrafo de 2ª classe e em 1987 Escriturário Dactilógrafo de 1ª classe todos da Direção da Indústria e Energia.

Em 1987 terminei a 11ª classe e em 1988 consegui uma bolsa que me fez estar aqui. Saí de S. Tomé em 3 de Setembro de 1988.

Frequentei, primeiro, o Instituto Pedagógico de Belgorod na Rússia de 1988 a 1989, para aprendizagem da língua russa, e, em seguida, de 1989 a 1994, a Universidade Estatal de Kharkov, na Ucrânia, na Faculdade Geólogo Geográfica e Cátedra de Utilização Racional dos Recursos Naturais e Conservação da Natureza (Харьковcкий Государственный Университет, факультет геолого-географический и кафедрa охраны природы и рационального использования природных ресурсов).

 

 

INTRODUÇÃO

O presente trabalho de críticas, que convido o leitor a chamar como quiser, pois eu próprio não sei como chamá-lo, foi produzido a partir dum dos mais precários momentos. Comecei a escrevê-lo em 8 de Dezembro de 1991, portanto, como estudante no início do terceiro ano universitário.

O facto de ser estudante santomense já é uma situação precária. Mas isso não é tudo. É que nessa altura a URSS se desmoronou e a situação dos estudantes estrangeiros aí piorou. E para os estudantes santomenses já se pode imaginar o reflexo.

Mas também não é tal situação que me obrigou a produzir este trabalho. Tal situação simplesmente me deu tempo livre para o iniciar mais cedo, já que tanto a vontade de sair de casa como a de estudar deixou de existir. O deslocar à Universidade deixou de ter o objectivo de aprender.

Todas as partes que o constituem foram feitas aos poucos ao longo de todo o tempo compreendido entre a data do início da sua escrita e a data de regresso a S. Tomé, sofrendo temporariamente ora umas ora outras modificações gramaticais e acrescento de novas frases.

Em S. Tomé, novas frases não foram acrescentadas.

Por isso, estimado leitor, não admire do facto de se algumas ideias e soluções aqui apresentadas se encontram já em acção. E se assim for, para mim só será boa novidade.

Aqui só vêm transcritos críticas, meus pontos de vista, relacionados com o futuro deste nosso país. Evidentemente que os nossos pontos de vista não podem coincidir em todos aspectos. Por isso, a dados passos, o leitor pode deparar com expressões, sugestões, hipóteses, que lhes não serão de agrado, o que pode levar-lhe, a desistir de ler ou a não ler a parte que julgar não lhe convir.

Não, convido-lhe a ler, se é que já iniciou, do princípio ao fim, pois as lições são tiradas não só das boas ideias ou dos bons actos.

Comentando esta última frase, devo simplesmente dizer que é uma pena a censura, ao longo dos tempos, não ter permitido que os santomenses tirassem lição dos maus actos. E não há dúvidas que isso reflecte no nosso desenvolvimento de hoje.

Baseando nas minhas ideias e modo de pensar, o leitor é autorizado a me chamar o nome que quiser. De qualquer modo não deixarei nunca de ser eu.

Esta escrita não foi feita à base de conhecimentos académicos, tanto mais que aqui não vem nada explícito que diz exclusivamente respeito a conhecimentos ou ensinamentos académicos, ou à base de reais e recentes informações sobre S. Tomé e Príncipe. Sabemos que informações sobre o país, para quem vive no estrangeiro, são como informações faladas transmitidas em segredo para um surdo-mudo. Principalmente para os que vivem em países onde S. Tomé e Príncipe não tem Representação Diplomática. E quantas Representações Diplomáticas temos?

Fi-la simplesmente com base em análises de alguns casos concretos de que tinha conhecimento antes de me deslocar à URSS          em Setembro de 1988.

Fi-la porque considero a apreensão do ler e escrever como um bem irreversível. Um bem que força nenhuma fará retroceder. Um bem perpétuo.

Fi-la porque no país ainda existem escolas, o que significa que o Estado, apesar de irresponsabilizar absolutamente pelos seus estudantes no exterior, está pelo menos interessado que os santomenses aprendam a ler e escrever.

Fi-la porque, afinal, sou cidadão santomense.

Enfim! Fi-la porque pouco me importa do que se pensar de mim, principalmente se tal pensar for negativo.

Aqui utilizo a abreviatura STEP para S. Tomé e Príncipe, em vez de STP. Não porque opino pela mudança, mas simplesmente porque ao imaginar S. Tomé e Príncipe a abreviatura STEP vem mais fácil.

O presente trabalho é constituído por uma pequena bibliografia, esta parte introdutória e mais seis partes diferentes. Na primeira parte que denomino de “Que fazer?”, falo das possibilidades gerais do país. A segunda parte se denomina de “Pesca”, a terceira de “Pecuária”, a quarta de “Turismo”.

Na quinta parte falo de alguns aspectos indispensáveis ao desenvolvimento do país. E na sexta parte falo um pouco da política.

O trabalho é composto de relatos de factos que sempre considerei e considerarei absurdos e fizeram parte, em grande medida, das causas que reflectem hoje no nosso atraso. É constituído de ideias e pontos de vista pessoais que sempre considerarei como possíveis embraiagens da aceleração do nosso desenvolvimento.

Sim. Pensem como quiserem. Mas a minha convicção é tal.

E não há dúvidas de que tal como nós utilizamos hoje exemplos políticos, económicos, legislativos de outros países a fim de aperfeiçoarmos os nossos, também hão-de chegar momentos em que outros utilizarão nossos exemplos para aperfeiçoarem os seus.

O importante é que cada um de nós aprenda a ser livre e a respeitar a liberdade e o direito dos outros. E é também importante que aprendamos a ter esperanças que São Tomé e Príncipe há-de mudar só no sentido do melhor. Sobretudo penso que devemos todos ser incorrigíveis optimistas.

I. QUE FAZER?

Nas literaturas coloniais portuguesas em que se fala de São Tomé e Príncipe, é hábito encontrar a expressão “Ilhas Verdes”

Sim. Não resta dúvidas que o cognome é sinónimo adequado à natureza das ilhas, principalmente se forem vistas do alto.

Isso se deve ao carácter verde das ilhas, como consequência da abundância de florestas de todos os tipos, desde as virgens ou semi-virgens até às formadas por médias e pequenas glebas de árvores de fruto ou infrutíferas de qualidades e portes diversas, além de grandes plantações agrícolas que, aliás, formam a parte principal da superfície territorial santomense.

Talvez seja tal esverdeação a motivar os portugueses a adivinhar que o solo das ilhas é suficientemente fértil.

Não parece ser por acaso que STEP chegou mesmo a se transformar em primeiro produtor e maior exportador africano do açúcar. Nem é por acaso que grande parte do território é coberto de plantações que sempre constituíram em único esteio da economia das ilhas.

Graças a essas plantações e a exportação dos respectivos produtos, as ilhas sempre estiveram, na era colonial, à altura do abastecimento regular do mercado com produtos de importação que constituem a base essencial da existência da sua população, ou seja: alimentação, vestuário, combustível, etc, etc.

Em suma, a situação é tal que, hoje, sem a agricultura de exportação, é impossível viver nessas ilhas.

Entretanto, nos últimos tempos, mais concretamente, depois da independência, tem-se verificado uma situação não incrível e catastrófica: baixou significativamente a produção do principal produto de exportação. É catastrófica, porque ao mesmo tempo crescem as pretensões para o aumento das exportações.

Se é que no período colonial as pretensões eram sobremaneiramente de importação de bens de abastecimento comercial, hoje, ou seja, no período pós independência, essas pretensões tomaram um carácter diferente: as perspectivas de desenvolvimento com a criação de infraestruturas, dignas de qualquer país soberano, se tornaram em um imperativo igual ao abastecimento de bens de consumo. E isso significa que a exportação devia aumentar e não baixar como tem acontecido. E para o cúmulo da situação a população cresce, querendo dizer que crescem também as necessidades de abastecimento em bens de consumo e não só.

Por outro lado, a situação não é incrível, já que o aumento da produção passa pelo aumento da superfície de cultivo, renovação de plantações velhas de já fraca produtividade e normal importação de produtos fertilizantes indispensáveis à nossa agricultura bem como outros cuidados.

Todavia, tanto o aumento da superfície de cultivo como a renovação de plantações velhas têm suas repercussões negativas:

O primeiro implica o derrube de novas florestas. Daí se pode perguntar: até quanto se há-de aumentar a superfície de cultivo? E depois de já não haver mais superfícies para aumentar? De qualquer modo as necessidades e pretensões para com o abastecimento e desenvolvimento hão-de continuar a crescer. E ainda que se aumente a superfície de cultivo, as colheitas daí só iniciarão muitos anos depois;

Quanto ao segundo, leva muito tempo até que as plantações renovadas atinjam a plenitude da sua produção, ao mesmo tempo que faz diminuir a produção nacional que é apoiada, de qualquer modo, por tal plantação dita velha.

Tudo isso, deixa a entender que a situação do país não é nada fácil.

O país ainda não atingiu o bloqueio natural total. Tal bloqueio se pode entender como o momento, a partir do qual a agricultura passe a poder cobrir apenas uma miserável parte das necessidades de importação, ao mesmo tempo que ainda não forem descobertas outras fontes para cobrirem a parte restante. Acredito que isso não acontecerá. Mas se as coisas continuarem assim como hoje, não há dúvidas que havemos de assistir a tal fenómeno.

Admitamos que a população atinja as fronteiras de pelo menos 200.000 habitantes e os únicos meios de obtenção de divisas continuem sendo os mesmos de hoje – agrícolas.

Uma coisa é certa. A agricultura vai-se relativamente deixando de ser a base em que deve apoiar a nossa economia. Claro que a agricultura, já que não possuímos outras fontes dignas, deve constituir-se em apoio ao desenvolvimento de outras actividades a serem bem pensadas e que poderão, num futuro próximo, mais seguramente e com maiores perspectivas, assegurar um contínuo desenvolvimento do país.

Outra coisa é certa e todos devem estar seguros disso. STEP é muito pequeno para possuir a base económica apoiada na agricultura.

Aliás, no mundo contemporâneo, qualquer país desenvolvido, por maior que seja a sua potencialidade agrícola, a agricultura representa não mais de 5% das fontes de aquisição de divisas e do produto nacional bruto.

Por outro lado, STEP é um dos poucos países, em forma de ilha e nas nossas dimensões territoriais, que possui a base económica apoiada na agricultura. Maioria absoluta de tais países têm o turismo como suporte da sua economia. E têm desse modo conseguidos suportar o peso das suas necessidades melhor do que nós.

Esta é uma das razões por que devemos rever a nossa posição em relação à agricultura e ser mais decisivos e determinados em busca de alternativas que possam favorecer um desenvolvimento adequado e acentuado, sem retrocessos.

Devemos orientar a nossa política económica tal que conduza a que a agricultura seja “destronada” do topo onde se situa como esteio do nosso bem estar. Muito menos ainda uma agricultura de difícil renovação, de tardio início de produção e efectiva produtividade e de mecanização quase impossível.

Talvez seja por acaso que os portugueses tivessem enveredado pelo desenvolvimento dessas culturas em STEP. Mas certo é que, entre as culturas tropicais, o cacau e o café, como principais culturas nacionais de exportação, são as que, com melhores resultados, económico e ecológico, se adaptam ao relevo montanhoso das ilhas. Sim. Esse relevo é o grande obstáculo à mecanização agrícola.

Todavia, a agricultura continua se cambaleando, tentando salvar a economia nacional. Mas quando o peso se tornar insuportável…

De qualquer modo, é indispensável salvar a nossa agricultura, tentando inclusivamente encontrar soluções para a sua ascensão, antes que seja possível estabelecer, com segurança, substitutos para ela.

Não sou especialista em agricultura, mas devo dizer que nasci em São Tomé, passei toda a vida em S. Tomé e fora da capital e fora de zonas urbanas, o que significa que vivi muito de perto com a cultura do cacau, o que me dá forças para traçar os meus pontos de vista, ainda que banais, sobre esse esteio da nossa economia e da nossa existência.

Em STEP, após a independência, houve uma normal produção do cacau e a consequente exportação. Tempos depois, a produção se baixou e iniciaram-se resmungos, a partir da parte superior da sociedade, sobre o envelhecimento das plantações como principal causa. É possível que seja assim. Mas porque não justificar a causa da baixa da produção com a ausência de verdadeiros cuidados para com as plantações?

 É sabido que em STEP independente, tudo entrou em decadência e a falta de produtos no mercado passou a ser um facto contínuo. E não acredito que apesar disso as nossas plantações continuaram a se beneficiar dos cuidados que lhes são inerentes: rega, adubação, sulfatação e muitos outros.

Eu próprio sou testemunho da ausência absoluta de rega aos cacaueiros em algumas plantações. E num país tão rico em água como o nosso, não seria um crime? Ainda se recordam os nossos dirigentes que no período colonial todos ou quase todos cacaueiros, por mais insignificantes que fossem para os colonos, eram regados?

Que a ciência agrícola me perdoe pelo ponto de vista que sou obrigado a adiantar:

É que estou absolutamente convencido que quanto mais adulta for uma planta de cacaueiro, maior pode ser a probabilidade duma maior produção, desde que ela seja convenientemente tratada. Baseio o meu ponto de vista fora do domínio agrícola, mas dentro da lógica de que um cacaueiro “velho” (mas não morto) possui um caule maior, robusto e mais desenvolvido, mais ramos e, portanto, com maiores capacidades de produção e de suporte.

De qualquer modo são necessárias investigações, experiências para se certificar da coincidência deste ponto de vista com a realidade.

Em STEP existe um centro de investigações agrícolas. As suas actividades parecem estar mais limitadas ou orientadas para experiências com culturas novas. Ainda que elas abranjam também culturas velhas, não seriam suficientes se é que se limitam ao território do respectivo Centro de Investigação em Pótó.

As investigações e experiências agrícolas devem abranger todo o território nacional de acordo com as situações climáticas, solo, relevo, possibilidades de rega, etc.

Para as investigações nas diversas zonas do país, basta reservar áreas que não necessitam ser superiores a um hectare entre as plantações já existentes em cada zona de investigação.

Em cada área reservada, necessário se torna a utilização de todos os meios cientificamente aprovados e susceptíveis de conduzir ao fortalecimento e, consequentemente, à uma produção excelente.

Claro que as experiências são sempre experiências, pelo que todos os meios, métodos e produtos utilizados nelas em cada área devem ser anotados, bem como os resultados periódicos e finais. Os resultados periódicos devem ser entendidos como o desenvolvimento das culturas, florescimento em comparação com a plantação circundante fora da área de investigação (momento do início do florescimento, quantidade aproximada de flores, percentagem de flores caídas, etc). Os resultados finais entendem-se como sendo a produção total de cada área reservada.

Tais investigações deverão ter um carácter constante. Estou em crer que isso conduzirá a desvendar a verdadeira causa da baixa de produção: falta de cuidados ou velhice das plantações.

Por outro lado, a RDSTP não tem oferecido aos seus estudantes das ciências agronómicas no exterior, a mínima hipótese de estudar objectivando a agricultura nacional. A RDSTP não tem permitido que os seus futuros agrónomos perspectivem a agricultura nacional.

Sim! Como sabemos, nós santomenses, não somos detentores de outras alternativas senão deslocarmos ao exterior se é que pretendemos obter formação superior.

Sim! Os nossos pretendentes às ciências agrícolas são obrigados, deste modo, a obter formação em países onde a agricultura em 100% difere de toda a nossa agricultura de exportação e não só. O Estado não lhes oferece ocasião de regressar ao país de férias, pelo menos, repito, pelo menos uma vez durante todo o tempo do curso, com o propósito de desenvolver estudos práticos relacionados com a sua formação dentro das realidades nacionais.

Qual o benefício para a agricultura nacional se pode esperar desses futuros agrónomos?

Quando refiro à agricultura nacional, não incluo as culturas do arroz, feijão, batata inglesa, beterraba, trigo, centeio ou etc, etc. Refiro unicamente às culturas do cacau, café, copra, que constituem a base da nossa existência.

Refiro, portanto, à agricultura de exportação sem me esquecer que ainda hoje podemos exportar muito mais do que estes três apontados, tendo em conta a expansão e a espontaneidade dos nossos frutos e plantas tropicais e a fertilidade do solo.

É difícil explicar a posição do Estado durante o tempo de existência da RDSTP, um país onde a agricultura tropical não só prevalece mas, sobretudo, é o suporte da economia e de todo o processo de desenvolvimento.

Para além de que a actuação do Estado santomense em relação aos seus estudantes no exterior, abandonando-os de forma generalizada ao “Deus dará”, é e sempre foi um erro, penso que ninguém hoje se discorda da ideia de que o problema da agronomia devia ser visto com lupas de cores e dimensões diferentes e que pelo menos os futuros agrónomos tivessem tido um tratamento diferente do que até hoje têm tido, se é que a direcção do país tivesse sido um pouco mais inteligente e interesseira, ou seja, pensando no país e libertada dos não bons princípios de “primeiro eu, segundo eu, terceiro eu, etc, etc e o resto para quem sobrar”.

Todavia, queiramos nós ou não, ainda que consigamos aumentar a produção agrícola de exportação, a agricultura será sempre tal e no processo de desenvolvimento ela não pode ocupar o primeiro lugar, se bem que ela deve e deverá sempre existir.

Sim! Ela deve existir.

Segundo a história, a substituição das plantações da cana-de-açúcar pelas dos actuais produtos de exportação, foi um facto do acaso. Contudo, esse acaso jogou e continua a jogar um papel primordial na conservação da paisagem esverdeada nacional. Não sei o que seria de STEP se no lugar das plantações actuais do cacau e café houvesse plantações da cana-de-açúcar.

Certamente que as ilhas já se teriam transformadas em semi-desérticas ou desérticas, com consequências que parecem bem previsíveis se lembrarmos a seca dos meados da década de 80.

Por isso, por tudo quanto possamos ser capazes de fazer, no sentido de aquisição de divisas e de desenvolvimento nacional, e ainda que a agricultura passe a ocupar não o primeiro lugar, como hoje, mas sim o décimo ou vigésimo lugar, ela deve ser conservada, cuidada e respeitada em prol da conservação do ambiente.

De qualquer modo a agricultura hoje, já se mostra impotente perante o peso das exigências económicas dos santomenses.

Os dezoito anos de independência não foram suficientes para arrancarmos da incógnita o substituto adequado da agricultura

QUE FAZER?

Sim! Eis a questão cuja resposta não deve ser quebra-cabeças só dos que ocupam gabinetes presidenciais ou ministeriais, senão de todos os santomenses em geral e a todos os não santomenses com interesses ligados a STP.

A situação geográfica de STEP é como que um recurso natural descoberto e não explorado. Essa situação geográfica é, por um lado, favorável já que nos situamos no centro do Golfo da Guiné, podendo-nos servir de centro de trocas comerciais entre países da região, bem como entre eles e o mundo extra regional ou extra africano.

Por outro lado, o fraco desenvolvimento desses países pode não ter perspectivas a curto prazo, para um aproveitamento adequado da nossa situação geográfica nesse sentido. Não quero entretanto dizer que não é possível.

Outro factor interessante da utilização da situação geográfica é o aproveitamento dos recursos marinhos, principalmente a PESCA. O aproveitamento de recursos marinhos deve estabelecer-se prioritariamente como um dos factores chave para o desenvolvimento da economia nacional.

A história nos ensinou que a PECUÁRIA é outra actividade possível de desenvolver em STEP, desde que condições políticas e económicas sejam criadas para o efeito.

Com tantos quilómetros de lindas praias oceânicas distribuídas pelas duas ilhas principais e ilhéus, num país onde o clima permite a sua utilização proveitosa até cerca de 12 meses por ano, o TURISMO é outro factor a poder ser utilizado no nosso desenvolvimento.

Sim! STEP é um dos poucos países onde o turista pode regalar-se, em qualquer ponto do país onde se encontrar não só ao sabor do óptimo clima durante todo o ano, assim como ao sabor gratuito de frutas tropicais que se espalham pelo país.

Assim, perante a direcção do país deve haver a grande tarefa de pensar bem e agir de acordo com os interesses do país e em benefício do país.

Uma das orientações principais deste bem pensar e agir deve ser a da priorização de quaisquer iniciativas de investimentos tanto para nacionais como para estrangeiros.

Evidentemente que tal prioridade deve basear-se em actividades definidas e susceptíveis de conduzir à uma ascensão da economia nacional.

Tais actividades podem ser PESCA, PECUÁRIA, TURISMO. Porém, o desenvolvimento de tais actividades, assim como de quaisquer outras, não é possível sem uma liberalização do comércio e, até mesmo à sua incentivação.

Deste modo, outra actividade a se priorizar é a do COMÉRCIO.

Portanto, temos em mãos quatro actividades principais, sem a incentivação ao desenvolvimento evolutivo das quais, a economia nacional irá, à passos largos, continuando a caminhar pelo seu já adentrado labirinto.

Por outro lado, sei que em STEP iniciou-se um processo de privatização das empresas estatais.

Estraordinário!!

A privatização que ocorre ou ocorreu, é muito importante. Mas não há dúvidas que a privatização tem suas partes negativa e interrogativa.

Por exemplo: porquê o Estado, agora, enveredou pela privatização? Talvez porque as empresas estatais se mostraram incapazes de sobreviver? Talvez para que a “NOVA DEMOCRACIA” já não venha a ser culpada do atraso do país? Talvez para que no posterior atraso do país o Estado possa dizer que já não detinha os meios de produção, que tudo estava nas mãos dos privados pelo que não pode o Estado ser culpado?

Enfim!

É certo que as Empresas do Estado se mostraram prejudiciais. Mas porquê? Nada mais nada menos que má gerência acompanhada dum insignificante, impróprio e inseguro apoio financeiro do próprio Estado.

Devemos reconhecer que qualquer privado santomense só conseguirá colocar a sua actividade no perfeito caminho de desenvolvimento se receber o indispensável apoio estatal em todos os sentidos, o mesmo apoio que o Estado não tem para si.

Recorde-se que o Estado detém o monopólio de créditos.

Isso quer dizer que mesmo depois da privatização, o Estado continuará a ser o maior e potencial investidor na economia do país. Isso quer também dizer que ninguém, mais do que o Estado, está em condições de conduzir o país ao desenvolvimento.

Porquê então o Estado foge das suas empresas?

Talvez o medo de não vir a ser considerado culpado numa posterior justiça popular?

Para que tal justiça não venha a ser realidade, o Estado terá que mostrar as suas boas intenções no desenvolvimento, dando correspondentes apoios às empresas privadas, de modo a que elas possam condignamente servir a sociedade.

A privatização não pode ser um processo que o Estado deva utilizar para se libertar da responsabilidade pelo futuro do país.

É muito importante que os santomenses saibam que nos mais desenvolvidos países do mundo capitalista, funcionam empresas estatais. E porque não em São Tomé e Príncipe, um país onde os nacionais detêm uma nula capacidade de financiamento?

Não resta dúvidas de que o actual propósito do Estado em relação à privatização, é esta: fugir à responsabilidade. E isso é o que não é de se admitir de modo nenhum.

Aposto que as empresas hoje privatizadas se deparam com não poucos problemas. Buscam apoio estatal este não os concede. Se os concede é só depois de inúmeras e desesperadas tentativas. Se o Estado não regava as suas plantações parece-me que com o privado vai ser pior ainda.

Saibam! Não sou contra a privatização. Sou é não a favor da fuga de responsabilidades por parte do Estado.

Seria ainda pior para a economia do país se as empresas privatizadas tivessem a mesma sorte dos estudantes do ensino superior, dos quais o Estado logo se esquece assim que os mesmos abandonam o país.

Por mais que o Estado pense em fugir das suas empresas julgando que assim terá resolvido o problema das mesmas, sei perfeitamente que o país não deixará de ter empresas estatais. E se continuarmos a imaginar que o Estado é sinónimo da bancarrota aonde havemos de chegar?

Porque não procurarmos a solução dos problemas das empresas estatais não no abandono delas mas sim na criação de novas formas de direcção e gerência?

Talvez valeria a pena buscarmos novo modelo de direcção e gerência das empresas estatais? Talvez valeria a pena tentarmos democratizar empresas estatais, tornando possível a eleição e não designação dum director e dando maior liberdade à gerência ?

Aliás, se um país pode ser democraticamente dirigido, apoiando-se nas suas leis constitucionais, porque não empresas para as quais pode-se perfeitamente criar exclusivas espécies de constituição?

Sim! Pensem como quiserem mas eu em mim sou de parecer que o director duma empresa estatal seja eleito por votos secretos do conjunto dos funcionários da mesma. Os candidatos a director poderiam ser funcionários da dita empresa, devidamente habilitados.

Em caso duma empresa a inaugurar, o que significa que a mesma ainda não possui funcionários, os dirigentes do país apresentariam candidatos que seriam eleitos pelo parlamento. Aliás, a participação de candidatos extra-empresariais seria também após aceitação parlamentar.

As eleições seriam realizadas de dois em dois anos. Para uma empresa recém-inaugurada, as eleições seriam realizadas um ano depois da primeira eleição através do parlamento.

Os direitos à candidatura a director teriam todos os funcionários da dita empresa desde que possuam habilitação requerida e tenham sido funcionários da mesma empresa pelo menos durante os últimos 12 meses ininterruptamente.

Com base no que foi dito em relação à possível forma de admissão dum director para uma empresa estatal, há quem diria que em quaisquer dessas eleições seria ainda melhor se entidades superiores fora da empresa também apresentassem seus candidatos. Eu não estaria contra. Tanto mais que esta seria uma boa forma de comprovação não só do nível de relações pessoais existentes entre os funcionários duma empresa, como também a competência e a confiança que os funcionários depositam nos seus superiores, o que, aliás, poderia ser uma boa hipótese para a melhoria ou aprofundamento das relações de trabalho, sem se esquecer que estas também são fortes logísticas ao sempre desejado aumento da produção e da produtividade.

No que concerne à gerência, julgo que a empresa estatal deve ser totalmente livre para manejar as suas possibilidades dentro das normas regidas pela possível “lei constitucional das empresas estatais”.

Portanto, voltando as quatro actividades principais susceptíveis de conduzir a economia do país ao desenvolvimento, vou começar pelas pescas.

Juvêncio Amado d´Oliveira

1 Comment

1 Comment

  1. Gato das Botas

    9 de Novembro de 2023 at 15:04

    Uma bela história de vida! E magistralmente bem escrita, sem pedantismos e com uma linguagem clara e objetiva. Os meus parabéns ao autor.

Leave a Reply

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

To Top