Sociedade

Declaração de voto

Afinal o edificio-do-supremo-trubunal-de-justica.jpg acordão do Tribunal Constitucional, sobre o requerimento apresentado por Manuel de Deus Lima, para ser investido judicialmente como  Presidente do partido MDFM-PL, não foi consensual. O Téla Nón apurou que pelo menos um juiz votou contra a decisão. A declaração de voto vencido, anexa ao acordão apresenta vários argumentos, contra a forma como o colectivo de juízes se pronunciou em relação ao caso.

Processo n.º 06 /2008

Acórdão n.º 02/2009

Declaração de voto

Assino o presente acórdão, deixando expressa a minha declaração de voto de vencido, quanto aos fundamentos – e não quanto a decisão final – que é a seguinte:

Assino o presente acórdão, deixando expressa a minha declaração de voto de vencido, quanto aos fundamentos – e não quanto a decisão final – que é a seguinte:

Antes de mais, discordo em absoluto, que na fundamentação da decisão se faça uma abordagem tão expressa e ostensiva da opinião/posição do Procurador Geral da República, que, quanto a mim, embora deva servir para reflexão e ponderação noutra fase processual, para a decisão final, que é formal e materialmente exclusivo do colectivo do Supremo Tribunal de Justiça/Tribunal Constitucional, não deve transparecer para o exterior no próprio acórdão. Aliás, já foi decidido que a PGR já não podia participar nas conferências, como já foi público e notório, o que reforça ainda mais esta minha tese.

Penso que, nem mesmo as opiniões dos juízes conselheiros, em sede de vista, devem estar expressamente reflectivo no acórdão, como se pode verificar nos acórdãos do Tribunal Constitucional português, mas sim exprimir a vontade abstracta de todo o colectivo, sem prejuízo da possibilidade da declaração de votos de vencido, na decisão final.

Aliás, não estando ainda publicadas leis que regulam a organização, funcionamento e processo do Tribunal Constitucional, além do Código de Processo Civil, temos o direito comparado de que nos podemos socorrer, maxime direito português, que embora não seja fonte do nosso direito constitucional, serve-nos de inspiração na reflexão e ponderação das nossas decisões.

Os fundamentos parecem-me contraditórios, pois, ora se concorda com a posição do PGR, ora não e entra-se numa abordagem extraprocessual e até de cariz político, o que me parece um tanto ou quanto pernicioso e perverso.

O acórdão entra na análise do fundo da causa, para depois, no fim, vir rejeitar o pedido. Ora, nos termos gerais direito processual, esbatida uma questão formal fundamental, não se aprecia o funda da causa (artigos 288.º/1 al. a) e e), 493.º/2 e 494.º/1 al. f)) do Código de Processo Civil.

O acórdão faz uma abordagem de questões internas do partido sub judice, os méritos e deméritos da decisão ali tomadas e pior disso tudo, é que, além de falar de eventual inconstitucionalidade que nem sequer foi ventilada e nem está em causa, faz uma intromissão na vida do partido, “exortando” o mesmo para repor a legalidade. Esta é a parte mais infeliz deste acórdão, porque o Tribunal Constitucional, no âmbito das suas competências e em sede contenciosa – assim como se faz na jurisdição administrativa em que só se anula os actos e não se intromete naquilo que deve ou não ser feito pela administração pública – no âmbito das suas competências, só anula ou declara nulo, tanto os actos normativos, em sede de fiscalização de constitucionalidade, como actos eleitorais e do contencioso partidário. Porque, se tivesse que pronunciar sobre a validade da deliberação do partido, aí sim – o fundo da causa – limitar-se-ia a anular ou não tal deliberação, estando-lhe vedado exortar o que quer que seja.

O fundamento essencial para a rejeição desta acção deve ser tão simplesmente o da incompetência do Tribunal Constitucional – artigo 474.º/1 b) do Código de Processo Civil – porque a “Investidura Judicial” prevista no artigo 1500.º deste diploma, além de não ser aplicável aos partidos políticos (mas sim às sociedades comerciais e civis), é uma questão que não se pode suscitar junto deste Tribunal, mas sim nos tribunais comuns, e, por maioria de razão, como reza o artigo 474.º/1 c) in fine   do mesmo Código, é “evidente que a pretensão do autor não pode proceder”.

Não se pode converter esta acção de “Investidura Judicial” em “acção de impugnação de anulação de deliberação”, como prevê o artigo 133.º da Constituição, porque não parece ser aquela a manifestação inequívoca da vontade do requerente, tanto mais que procurou seguir uma via cautelar e não principal que é de anulação. Outrossim, estamos em sede de uma matéria que carece regulamentação legal, como está prevista no citado artigo da Constituição.

Aliás, como não podia deixar de ser, a problemática da liberdade de regulamentação interna dos partidos, prevista nos artigos 35.º e 63.º também da Constituição, exige que o legislador deixe alguma margem para que estes decidam se os seus actos internos são ou não judicialmente impugnáveis e mesmo sendo-o, se deve ou não esgotar-se primeiro as vias de recurso interno.

O que corroboro felizmente, é que a presente acção de “Investidura Judicial” não procede, nem poderia mesmo proceder na jurisdição comum, porque, como bem diz o acórdão, este instituto não é aplicável aos partidos políticos, mas sim (e apenas) às sociedades comerciais e civis.

HILÁRIO GARRIDO

Juiz Conselheiro do Tribunal Constitucional

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