EM SÃO TOMÉ E PRÍNCIPE: resposta ao nosso compatriota Eduardo Guimaraes
Edileny Tomé da Mata
Post doutorando CAPES/ PNPD no Unibrasil/Curitiba – Brasil
Prezados/as compatriotas
Reproduzo aqui de novo o conteúdo do artigo de opinião publicado na Revista Muala no dia 10 de dezembro de 2015, em resposta ao artigo de opinião publicado pelo nosso compatriota Eduardo Guimaraes titulado “O racismo no tempo colonial e de hoje em São Tomé e Príncipe” neste jornal no dia 19 de fevereiro do presente ano.
Compartilho a preocupação central do Eduardo (se me permite trata-lhe de tu), que o mais importante em temas relacionados com o racismo na nossa sociedade hoje em dia, são as relações de poder e desigualdades herdadas do colonialismo, exercidas atualmente indistintamente da cor da pele do opressor e do oprimido. Neste sentido, no artigo de opinião aqui apresentado, finalizo pedindo que façamos uma reflexão sobre a necessária descolonização da nossa sociedade.
Porém, penso que é necessário e pertinente que falemos e escrevamos sobre as relações de desigualdade racial em São Tomé e Príncipe na época colonial por diversos motivos, dos que destaco dois: primeiramente pela reparação dos danos, dores, sofrimentos, mortes…causados na época da escravidão e colonial e, por conseguinte, compreender e lutar contra as desigualdades raciais existentes hoje em dia no nosso país e, segundo, desmistificar a figura de negro e africano que em São Tomé e Príncipe hoje é sinônimo de atrasado, burro, inferior e infra valorizado. Se olhamos para a nossa sociedade atual vemos que as desigualdades sociais, econômicas e culturais têm vínculo racial e, até me atreveria a dizer de gênero. Por isso penso que é necessário mencionar a questão das desigualdades raciais do passado sem esquecer, como defende o nosso compatriota, as desigualdades e as relações de poder atuais.
Por último, o Eduardo se apresenta que não precisou passar pela visão belicista do Fanon e do Sartre para superar a neurose colonial. Penso que é um ponto de vista equivocado, pois não somente não é ponto de vista exposto no livro “Os condenados da terra” do Frantz (uma das imensas obras de este grande referencial do mundo negro e mestiço), como que o próprio Fanon reconheceu que a questão racial não é um conflito entre brancos e negros requerendo, pois, a reflexão sobre o tema que aqui discutimos, as relações de poder nas nossas sociedades.
Feitos estes esclarecimentos, passo a reproduzir o artigo.
A minha intenção neste artigo de opinião não é fazer uma dissertação teórica nem sociológica ou antropológica sobre a naturalização da servidão e da pobreza em São Tomé e Príncipe, mas somente expor alguns relatos da vida cotidiana.
Primeiro, quero começar ressaltando um fato: é muito curioso como a gente acaba repetindo práticas sociais e comportamentos sem sequer tê-los vivido. Penso que é assim que se consolidaum paradigma social. Acrescentando a este fato, é comum do ideal convencional dotar de caráter metafísico os fatos materiais e reais da vida cotidiana como podem ser a pobreza e a servidão. Este caráter metafísico, como veremos mais em baixo, faz com que as nossas ações e explicações frente a elas deixem de ser ativas e de mudança e passem a ser de justificação e naturalização.
Na época da escravidão certas linhas teóricas e costumes naturalizavam os tratamentos desiguais e discriminatórios aos negros e negras africanos. Somente para mencionar algumas delas, argumentos teóricos de Gobineau (1967) sobre a inferioridade das raças que significava a inferioridade do negro frente ao branco, ou costumes como que os negros não frequentassem os mesmos espaços que os brancos dado o seu status inferior. Essa naturalização regulamentar de índoles social, econômica e cultural passou a ser de certa forma também naturalizada e aceita como algo normal pela maioria da sociedade. Quando digo maioria da sociedade não somente me refiro aos brancos, mas também aos negros. Fanon (1952), Marley, Anta Diop (1964) entre outros já dissertaram e cantaram que a libertação do/anegro/a se encontra no seu despojamento da consciência colonial.
Depois de ter assistido o filme “Que horas é que ela volta” em Curitiba, surgiu-me uma preocupação que compartilhei com algumas amigas curitibanas, o quanto o povo subalterno naturaliza certas práticas simplesmente porque sempre foi assim. Em espanhol diríamos por que toda la vida ha sido así. Efetivamente essa naturalização formou parte de um processo de colonialidade do Poder que a través de discursos, currículos escolares, destruição de referenciais não contaminados pelo colonial, entre outros, se determinou uma colonialidade do Ser. Não se tratou de uma ação automática, mas de um largo processo de pressão cognitiva do colonizado. Voltando ao filme, não pretendendo fazer spoiler para aqueles que ainda não o viram, eu me lembro de um diálogo entre a mãe servente e a filha, em que esta (a filha) pergunta a mãe como sabe se o comportamento dos patrões é justo ou não, e a mãe responde por que sempre foi assim, como se ela tivesse nascido escrava/servente e durante toda a sua vida teria que estar servindo. Penso que esse comportamento da mãe naturaliza a sua infra valorização e subordinação enquanto mulher e criada.
Quem da classe baixa e empobrecida de São Tomé e Príncipe não lembra a sua mãe, tia, avó… dizer que a sua situação de pobreza era destino? Que não teríamos que questionar as ordens dos patrões ou dos mais ricos porque sempre foi assim? Penso que todos. Neste sentido, penso que é necessáriomencionar que referir-se aos patrões e os ricos não somente falamos dos brancos colonos daquela época, mas também aos negros da atual elite santomense, assim como, como diz Fanon (op. cit.), os negros que tiveram contato com os brancos ou falam como os brancos e são percebidos pela maioria social como semideuses.
Esse comportamento de naturalização e normalização da condição de pobreza e servidão mostra não somente o poder das características do colonialismo na nossa sociedade, mas também o poder cultural e social da Igreja (seja ela católica, evangélica, muçulmana, adventista…) que nos impede de conceber como mundano certos fatos da sociedade. Isso significa que não somos capazes de enxergar que o fato desermos pobres tem a ver, entre outros, com uma repartição desigual das rendas e dos recursos no país, que o fato de se inclinar tanto a frente de um branco ou de um negro de classe alta, tem a ver com o caso de que o colonizador nos ensinou a respeitar sem questionar ou discutir as decisões do superior.
Essas são algumas dicas para que possamos refletir sobre a necessidade de descolonizar a nossa sociedade e, por conseguinte, começar a perceber certos atos de forma mundana ou material e menos metafísicos. Essa descolonização vai além do processo político realizado nos anos sessenta-setenta que levou à independência do país no ano 1975.
Curitiba, 08 de dezembro de 2015.
VM
25 de Fevereiro de 2016 at 10:28
Simplesmente elucidativo. Parabéns.