Adrião Simões Ferreira da Cunha
Estaticista Oficial Aposentado – Antigo Vice-Presidente do Instituto Nacional de Estatística de Portugal
14 de Setembro de 2018
“MEHR LICHTI”
“Mais Luz“: Últimas palavras de Göethe ao morrer pedindo que abrissem a janela do quarto para entrar mais luz e que são interpretadas como significando “Mais Instrução, Mais Saber“. Johann Wolfgang von Goethe (1749–1832) escritor alemão e pensador que também fez incursões pelo campo da ciência. Como escritor, Goethe foi uma das mais importantes figuras da Literatura Alemã e do Romantismo Europeu.
Com base no Recenseamento da População de São Tomé e Príncipe realizado em 2011, abordo neste Artigo alguns aspectos da matriz social de São Tomé e Príncipe.
Publicados os dados do Recenseamento de 2011 os Órgãos de Comunicação Social Santomenses, de acordo com a respectiva sensibilidade editorial, deram espaço à comentação dos respectivos resultados abordando alguns aspectos positivos e negativos da realidade Santomense neste começo do 3º milénio, mas, tanto quanto me foi possível saber, não deram relevo às Taxas de Analfabetismo e de Universitários Diplomados enquanto factores determinantes do processo de desenvolvimento de São Tomé e Príncipe.
A Taxa de Analfabetismo exprime a percentagem da população que não sabe ler nem escrever sobre a população com 15 e mais anos, e a Taxa de Universitários Diplomados exprime a percentagem da população possuidora de um curso superior universitário sobre a população com 25 e mais anos.
A Taxa de Analfabetismo de São Tomé e Príncipe segundo o Recenseamento da População de 2011 era 9,9%. Contudo, por probidade intelectual, impõe-se reflectir sobre qual seria se o conceito usado naquele Recenseamento integrasse, além dos indivíduos que não sabem ler e escrever, os que sabendo ler e escrever, não sabem interpretar um texto corrente e efectuar um cálculo mesmo que simples, o que traduz o conceito de Analfabetismo Funcional.
A Taxa de Universitários Diplomados de São Tomé e Príncipe segundo o Recenseamento da População de 2011 era 3,1%, o que indicia a necessidade do surgimento progressivo de mais elites políticas, económicas, sociais e culturais que são fundamentais para acelerar o processo do desenvolvimento.
Penso ser consensual que o Analfabetismo é um dos factores que dificulta a capacitação para acelerar o processo de desenvolvimento face às mutações a que o País está sujeito, agora mais do que nunca pela mundialização dos problemas e, sobretudo, das respectivas soluções, cuja análise não pode centrar-se sobre aspectos parcelares e sem relevar a diferença dos conceitos de desenvolvimento e crescimento, já de si de extremas algo difusas.
O desenvolvimento exprime o nível de qualidade de vida da população, medindo-se pelo grau de satisfação das suas necessidades básicas e secundárias [rendimento, habitação, saúde, educação, lazer], de forma a melhorar o seu bem-estar, enquanto o crescimento exprime a riqueza produzida por um país, correspondendo ao aumento da riqueza resultante da produção de bens e serviços, podendo não haver grande preocupação na forma como está distribuída pela população.
As poucas vantagens comparativas de São Tomé e Príncipe no competitivo processo da globalização obriga a investimentos estratégicos na Educação para converter o capital humano em capital socioeconómico e cultural porque as Taxas de Analfabetismo e de Universitários Diplomados dificultam a aceleração do processo de desenvolvimento iniciado com a Independência, cuja relação de diferença com os países mais desenvolvidos considero de grau e não de natureza, assumindo que os desníveis existentes relativamente a esses países prendem-se mais com diferenças a nível das situações políticas, sociais, económicas e culturais, do que a nível da mentalidade profunda.
De facto, a Educação é um atributo da Sociedade para que contribuem de forma permanente a cultura, as tradições, os valores do povo, e as políticas públicas para atender às necessidades do desenvolvimento e às expectativas de realização pessoal e profissional de cada cidadão, sendo um catalisador e portanto um factor determinante do desenvolvimento, enquanto principal ferramenta para capacitar capital humano qualificado, cada vez mais necessário, uma vez que sem qualificação é impossível a um país competir nesta “Era do Conhecimento“.
Assim, Educação e Sociedade estão indissoluvelmente ligadas, condicionando-se mutuamente, em que o ritmo de evolução de uma determina o ritmo de evolução da outra, sendo a Educação o mecanismo privilegiado para afirmar e preservar a identidade nacional, transmitir valores cívicos, e formar os recursos humanos para enfrentar o desafio do desenvolvimento.
Com a Independência São Tomé e Príncipe alargou o acesso ao sistema educativo, à educação básica e ao ensino secundário, mas o ensino superior é ainda frequentado por uma camada restrita provinda das classes económica e culturalmente mais providas, embora existam mecanismos de incorporação de membros de classes mais modestas, como bolsas de estudos, subsídios e outros apoios concedidos por várias organizações não-governamentais e privadas que têm desenvolvido programas de assistência financeira ao ensino superior, sem esquecer bolsas de estudos concedidas por alguns países, designadamente Brasil e Portugal.
Em geral as pessoas sabem que os homens se distinguem dos outros animais pela sua capacidade de raciocínio, mas não que há uma diferença entre os próprios homens, ou seja, entre os que têm a capacidade de raciocínio em termos de futuro [abstração-concepção ideal-antecipação] e os que a não têm.
A capacidade de raciocínio em termos de futuro exige de modo determinante a posse de muita e variada informação sobre o “mundo” [local, regional, nacional e internacional], numa perspectiva do passado como do presente, capacitadora de exercícios de análise, síntese e prospectiva, que permitem uma atitude crítica sobre o presente e consequente actuação visando a delimitação dos contornos possíveis para construir um futuro colectivo melhor.
A incapacidade de assimilar informação, ou seja, receber, reflectir, conservar, e saber orientar-se no labirinto de informação que cada vez mais está disponível, impede a formação de opinião e, consequentemente, a assunção de atitude, ou seja, de participação, só se podendo participar quando se tem voz sempre que se tem vez, sendo que nas Sociedades abertas, como é a de São Tomé e Príncipe, ter vez é possível de se procurar e encontrar para expressar a voz, tendo presente o poder da palavra sobre a palavra do poder.
Convém ter presente que a informação segundo é veiculada pela imprensa, rádio ou televisão, impõe aos indivíduos a posse de diferentes requisitos para a assimilar, em que a televisão remove em parte o obstáculo do analfabetismo na medida em que, não exigindo uma audiência adestrada, isto é, que os destinatários saibam ler e escrever pelo menos, é potencialmente apreensível por todos: iletrados e instruídos, mas suprime o mecanismo da reflexão e, como tal, é redutora da racionalidade na produção de efeitos na opinião e no comportamento dos indivíduos e dos grupos que integram a Sociedade.
Nas Sociedades democráticas a Educação toma o indivíduo como referência fulcral, procurando transmitir-lhe a memória, valores e saberes do seu tempo, mas procura também ensiná-lo a aprender e sobretudo “aprender a ser“, o que implica também a aquisição do sentido da solidariedade e da cidadania, sendo um factor fundamental de desenvolvimento, como meio de emancipação plena do ser humano, com vista à sua libertação das forças opressoras, sejam elas de natureza física, biológica, social, económica, ou cultural, que comprometem ou limitam o seu bem-estar e a sua felicidade.
A Taxa de Analfabetismo e a Taxa de Universitários Diplomados são uma das dificuldades de São Tomé e Príncipe para acelerar o processo de desenvolvimento, e a informação apresentada a seguir mostra a posição em que se encontra São Tomé e Príncipe relativamente aos outros Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa e a Timor-Leste:
– Taxa de Analfabetismo (ordem decrescente): Moçambique 49,9%, Guiné-Bissau 45,8%, Timor-Leste 34,5%, Angola 34,4%, Cabo Verde 17,2%, São Tomé e Príncipe 9,9%, Brasil 9,1%, Portugal 5,2%.
– Taxa de Universitários Diplomados (ordem crescente): Angola 0,1%, Moçambique 0,4%, Guiné-Bissau 1,1%, São Tomé e Príncipe 3,1%, Timor-Leste 5,2%, Cabo Verde 7,6%, Brasil 11,3%, Portugal 15,9%.
Já dizia o poeta popular português António Aleixo na 1ª metade do século XX: “Não sou esperto nem bruto, nem bem nem mal educado. Sou simplesmente o produto do meio em que fui criado“, o que consubstancia que o homem é, sobretudo, o resultado da sua circunstância, entendida como um conjunto complexo de informações, normas, valores, comportamentos e realizações materiais que diferenciam as sociedades humanas e que actuam sobre cada indivíduo levando-o a adoptar uma estrutura de valores pessoais que lhe permite conjugar atitudes de pertença e diferenciação relativamente à comunidade de referência da sua circunstância.
Havendo vários períodos de formação ao longo da vida de cada indivíduo, admite-se que existe uma capacidade de actuar no domínio da circunstância através de forças de partilha e troca de informações que se situam no exterior da família e da escola, as quais, embora cimentadas numa herança cultural comum, deverão actuar no respeito pelo valor da diversidade enquanto elemento capacitador do florescimento do pensamento divergente susceptível de proporcionar o desenvolvimento permanente da circunstância que propicia o desenvolvimento do próprio Homem.
Na verdade, o pensamento divergente é um valor fundamental das sociedades democráticas caracterizadas pela capacidade de lidar com conflitos, e preocupadas com a procura do rigor, as actividades de reflexão e criatividade, numa dimensão cultural alargada onde, a par da defesa dos valores de cultura própria, se procura o diálogo entre as expressões políticas, culturais, económicas e sociais diferenciadas, embora o conflito possa ter um sentido pejorativo, como algo que devesse ser evitado, mas divergir é inerente às sociedades democráticas que respeitam o pensamento divergente, isto é, os vários discursos, sendo o conflito resolvido pelo confronto de opiniões.
Assim, a melhoria da formação educacional do povo Santomense é a orientação estratégica que mais poderá diminuir resistências ao desenvolvimento, na medida em que permite aos cidadãos compreender os processos em causa, assim como lhes alarga o leque de possibilidades de intervenção na Sociedade, tendo presente que nas sociedades democráticas os cidadãos participam nas decisões políticas sendo ao mesmo tempo sujeitos delas.
Este esforço é determinante para criar a massa crítica indispensável à formação das futuras elites dirigentes capazes de produzir racionalidade e orientação para a evolução da Sociedade, tendo presente que o processo do desenvolvimento, por estar sujeito à internacionalização é muito rápido, pelo que esse esforço só terá o sucesso desejado com o contributo dos que estão nos patamares educacionais e culturais mais elevados, logo as elites políticas, sociais, económicas e culturais, apelando aos valores mais sublimes da sua cidadania.
Uma elite pode ser considerada um grupo dominante na Sociedade, possuindo o conceito várias definições: grupo situado numa posição hierárquica superior com o poder de decisão política e económica; grupo numa camada hierárquica superior numa dada estratificação social, podendo igualmente ser o grupo eleito para exercer o poder político sobre a maioria num sistema de poder democrático.
As elites Santomenses, além da substância da sua preparação e da sua competência técnica, para o serem verdadeiramente, têm de cumprir diariamente deveres que abarcam valores, atitudes e padrões de comportamento, ou seja, trata-se de ética, e o seu sucesso na vida política, na vida académica, nas profissões liberais, na gestão de entidades públicas e privadas, tem de ancorar aqui, partir daqui e retornar sempre aqui.
De salientar que no processo de desenvolvimento o INE, dispondo de total independência na sua acção como preceituado na Lei do Sistema Estatístico Nacional, é um Centro de Racionalidade na tomada de decisões a todos os níveis da Sociedade, e como tal é uma infraestrutura determinante do processo de desenvolvimento.
De facto, a moderna engenharia da institucionalização e do funcionamento dos Sistemas Estatísticos Nacionais nos Estados de direito democrático considera que os INE, embora instituições sociais não imunes às alterações vertiginosas do meio envolvente e como tal não imutáveis, são uma espécie particular, muito diferentes dos outros organismos públicos, posto que: não regulam, não inibem, não controlam e não executam Políticas Governamentais.
Apesar do número significativo de países em que existe consenso sobre esta asserção, convém ter presente que as Estatísticas Oficiais que produzem e difundem à Sociedade também são um bem diferente dos outros, devendo ser pertinentes como credíveis, e a sua credibilidade assentar na reputação de quem as produz, ou seja dos INE.
Na verdade, nenhum outro organismo público como os INE tem de se esforçar tanto para se manter demarcado do Governo e dos partidos políticos, ou seja, de qualquer sinal de que as estatísticas oficiais que fornecem à Sociedade foram afectadas por considerações que não sejam as da imparcialidade na escolha dos fenómenos, sectores e actividades a quantificar e da objectividade na forma de os medir, chamando-se a essa demarcação independência, e na ausência de independência verdadeira e demonstrável, as Estatísticas Oficiais que produzem e difundem, por muito bem tecnicamente fundamentadas que sejam, não passarão o teste da credibilidade junto da Sociedade.
Mas a independência dos INE não significa que se devam subtrair ao teste da relevância das Estatísticas Oficiais que produzem e difundem à Sociedade, sendo do interesse público que os assuntos que clarificam objectivamente [quantificam] sejam os que estão no topo das preocupações da Sociedade e do Governo.
Neste quadro o INE é responsável pela produção e difusão das Estatísticas Oficiais de São Tomé e Príncipe, que são fundamentais para reforçar a identidade nacional e formar uma opinião pública informada numa base objectiva, bem como para a formulação, execução, monitorização e avaliação das políticas públicas, e dão aos parceiros sociais, aos investigadores, aos estudantes e aos cidadãos em geral, uma visão realista do meio em que vivem e actuam, dando um contributo para reforçar o exercício da cidadania e, consequentemente, o processo democrático.
Neste contexto a estratégia de desenvolvimento a ser assumida pelo INE deve ter como Objectivos Estratégicos:
1- Reforçar a qualidade das estatísticas oficiais visando a optimização, aperfeiçoamento, flexibilidade, modernização e eficiência do processo de produção estatística, através do seu desenvolvimento científico metodológico e tecnológico.
2- Satisfazer com qualidade e oportunidade as necessidades de informação estatística oficial da Sociedade, contribuindo para o reforço da confiança nas estatísticas oficiais e a sua melhor utilização, aperfeiçoando a comunicação e promovendo a literacia estatística.
3- Optimizar o funcionamento do Sistema Estatístico Nacional.
Renato Cardoso
16 de Setembro de 2018 at 15:23
Permita que o felecite pelo brilhante artigo que concebeu e abordagem sincera que caracteriza suas análises.
Aborda questões essenciais que deveriam servir de debate entre as elites de São Tomé e Príncipe.
Infelizmente essas elites se existem não revelam maturidade e consciência social suficiente para liderar.
Os indicadores que o INE apresenta embora não haja grande percentagem de quadros superiores a pouca disponível não é capaz.
Não é normal viverem serenamente nos seus cantos e preocuparem apenas em servirem—se do País e tratarem dos seus adeptos.
O povão só lhes interessa para viverem faustosamente e eles na miséria total.
A era do conhecimento vai tardar porque não lhes convém.