Opinião

Habitação Social em São Tomé e Príncipe

A construção de novos condomínios de luxo à luz da vontade de construir casas sociais para os pobres.

A temática da habitação social e sua vocação são questões por si só bastante conhecidas, quer por via de vários exemplos já contruídos pelo mundo fora, quer pela grande quantidade de produção literária de suporte a este tema atemporal.

Em São Tomé e Príncipe, em diferentes ocasiões e a diferentes intensidades, assistimos a sucessivos experimentos e a distintas abordagens ao tema. Frequentemente, a estruturação deste processo passa pela construção barata de empreendimentos imobiliários onde se busca essencialmente um maior número de unidades de habitação possível.

Esta tendência vem gerando um avolumar de construções que sistematicamente falham na capacidade para dar resposta à necessidade gritante de casas para os mais desfavorecidos, e solucionar o elevado défice de qualidade e sustentabilidade urbana.

Ao longo dos vários distritos é possível constatar a existência de alguns exemplos de construções de casas pré-fabricadas, casas geminadas e mais recentemente, construções de prédios em regime de condomínios fechados. Todavia, continuamos a ter imensas situações de famílias ou comunidades inteiras a sobreviver em habitações precárias e em territórios esquecidos.

Ora, a habitação social é sem dúvida um dos temas centrais quando falamos do direito habitação e a cidade, do direito a qualidade de vida, do direito a própria dignidade humana, em suma do próprio exercício da democracia.

Contudo, volvidos quase meio século de existência enquanto nação independente, não se regista especial interesse em recuperar os modelos e tipologias habitacionais já testados no arquipélago, como o caso das casas geminadas construídas nas roças agrícolas durante o período colonial. As tentativas não replicáveis e deficitárias na sua capacidade de produzir e fazer cidade, resumem-se hoje a pequenas construções isoladas, com pouquíssimas infraestruturas de suporte necessárias para consolidação desses novos tecidos urbanos.

A questão do urbanismo e da paisagem são frequentemente postas de lado, e, por conseguinte, essas construções são marcadas pelas poucas possibilidades que oferecem para desencadear o desejado efeito arquitetónico e urbanístico transformador desses novos assentamos que se pretendem estabelecer, e finalmente convertem-se em pequenas células marginais face à realidade social do país e das necessidades dos seus próprios utentes.  

A aparente incapacidade de produzir exemplos que possam ser disseminados ao longo do país partilham um mesmo denominador comum a que podemos chamar de vontade de construção de casas e apartamentos para os novos-ricos sociais.

O exemplo das casas geminadas coloniais contruídas no arquipélago,  enquanto modelo de habitação social modular, evolutivos, ofereceriam bastantes possibilidades para novos usos e grande capacidade enquanto estrutura urbanística e de organização do território para se adaptar às necessidades atuais, sendo viáveis para solucionar a escassez crescente de habitação qualificada e de utilização mista para famílias mais necessitadas, tendo em conta a característica dominante dessas famílias ( isto, é o costume de terem um pequeno quintal onde cozinham à lenha, plantam uma fruteira, cultivam uma pequena horta, e criam algumas galinhas de forma a garantir o sustento imediato quando escasseia tudo).

Sendo certo que a construção de habitação social busca viabilizar a população de baixa renda ou em situação de risco, tais projetos deveriam procurar estabelecer sinergias entre seus habitantes com o entorno urbano e a natureza, e não fomentar descontinuidades.

Contrariamente, os novos bairros apresentam-se não como o romper físico e o romper do princípio de oposição estabelecidos pela construção de extensos muros de vedação em blocos de cimento onde se gastam imensos recursos técnicos, materiais e financeiros com forte impacto para os ecossistemas. Esses mesmos bairros são igualmente marcados pela impossibilidade que cria a população nela residente do usufruto do espaço natural circundante característico de São Tomé e Príncipe enquanto país tropical.

A presença da natureza como elemento potenciador das relações humanas e da melhoria da qualidade de vida, torna-se igualmente, num tema permanente do projeto, de forma que todos os edifícios deveriam estar pensados de modo que além de facilitar a interação do homem com a envolvente natural, tirar maior partido do potencial agro-florestal e agro-urbano desses novos bairros sociais.

Outro aspeto importante a se ter em conta nesses novos assentamentos passa pela construção, ainda que pontual, de pequenas infraestruturas ou equipamentos públicos que outorguem valor as essas comunidades e que pela sua natureza agregadora de massas sejam capazes de impregnar uma forte componente cívica e cultural para uma população extremamente jovem como a nossa. Tal facilitaria também a apropriação dessas novas estruturas afastando, desde logo, os vários estigmas, tornando-as mais viáveis a formação de uma nova realidade urbana unitária no país.

A importância de um debate sério e inclusivo sobre o tema da habitação e de outros temas afins é extremamente urgente se olharmos para as elevadas taxas de natalidade e o aumento da esperança média de vida a nível nacional, as preocupações em torno da sustentabilidade, e a necessidade de utilização de técnicas alternativas de construção e de materiais locais.  Em outras palavras, definir como, quando e onde construir, bem como a relação com o poder político, e dos políticos com o setor da construção, a fim de se alcançar a concepção e elaboração de uma estratégia e agenda única para o tema, ficando, desde logo, claramente estabelecido o caminho a seguir.

Waldmar de Figueiredo

Arquitecto

1 Comment

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  1. Gato das Botas

    21 de Setembro de 2023 at 16:01

    Um texto de opinião com propósito, conta e medida. Bem escrito e sem necessidade de protagonismo. Como todos estes textos de opinião deveriam ser. Parabéns!

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