Cultura

“Quem Somos Nós?” – A última parte

V PARTE

Após esta breve reflexão sobre a nossa história de séculos e sobre a forma como ela contribuiu para forjar o que somos hoje, abramos aqui um breve parêntesis para fazer uma incursão pelas noções de Cultura, Nação e Estado, de modo a encontrar eventualmente resposta para alguns dos problemas com que se confronta a sociedade santomense e que podem estar na base dos desequilíbrios estruturais que nos vêm dificultando as possibilidades de desenvolvimento.

Como é do conhecimento geral, o conceito de Nação está intimamente associado ao da Cultura, a ponto de ser comum afirmar-se que é pura farsa falar-se de nações sem que estas tenham como base e fundamento a Cultura.

No que respeita aos Estados, não dispõem de qualquer sustentabilidade os que não têm como substrato a existência de uma nação ou de um conteúdo cultural aglutinador.

Chegados aqui, parece-me de todo pertinente colocar-vos algumas questões, na perspectiva de, juntos, podermos encontrar respostas para as mesmas:
Não será que uma certa indefinição de que se vem revestindo a nossa identidade se prende com a ausência desse conteúdo cultural aglutinador, que, na opinião abalizada de Amílcar Cabral, “ está na base da capacidade de elaborar ou fecundar elementos que garantam a continuidade da história e determinam, ao mesmo tempo, as possibilidades de progresso ou de regressão de uma sociedade”? (19).

Não será tempo de nos preocuparmos com um problema que parece afectar sobremaneira o nosso desenvolvimento e avançarmos, decididos, na reflexão profunda sobre o papel da cultura na construção do Estado e a relação entre a cultura e o desenvolvimento?
Como caracterizar a situação de um Estado como o santomense em que, por vicissitudes históricas, tudo parece indicar que a Nação está ainda em formação e a Cultura, por inibição, insensibilidade ou incompreensão das elites, está muito longe de assumir o papel aglutinador que hoje dela se esperaria?

Será que é entendido pela elite santomense que a indiferença por ela manifestada para com a sua Cultura poderá estar a contribuir para dificultar a formação da Nação, força aglutinadora e catalisadora de qualquer Estado?

Se a Cultura é o embrião fortificador da Nação e esta o sustentáculo imprescindível do Estado, é tempo de debatermos sobre a nossa identidade, na perspectiva do desenvolvimento de uma política cultural que tenha em conta as particularidades do tecido social santomense e o reforço e consolidação do Estado de direito democrático ora em construção.

Num tempo tão fortemente marcado pelo consumismo e em que a globalização, tendo embora em conta as inegáveis vantagens que aporta, traz também consigo os germes de uma hegemonia cultural não muito favorável aos interesses identitários dos povos, torna-se imprescindível que cada país, sem cair em nacionalismos de espírito agressivo e chauvinista, busque as melhores formas tendentes a preservar a sua identidade e nação.

Relembro a propósito um conhecido político português que afirmou em dada ocasião que “nos momentos difíceis, só com a mobilização das energias colectivas, a afirmação de uma grande ambição nacional e a valorização do que melhor somos e temos, é possível combater os reflexos negativos da auto-satisfação e do conformismo, partindo, com espírito crítico e a indispensável tensão criadora para a aventura exaltante de construção de um futuro de esperança para todos …”(20)

Tenhamos, pois, a sagrada missão de acarinhar, promover e divulgar os valores que reflectem e ilustram as fibras mais íntimas do nosso sentir colectivo, ou seja, a nossa cultura. Reapropriemo-nos dessa herança que vem dos fundos do tempo e, fazendo-o, reconheçamo-nos como os detentores de um passado pleno de ensinamentos e de valores.

Não tenhamos quaisquer dúvidas: a situação apela a todos, adultos e jovens, para a necessidade de promover a luta pelas grandes causas por que vale a pena lutar, ou sejam, o amor à pátria e ao povo, a fidelidade às nossas raízes históricas e culturais, a defesa do ambiente, da justiça e da liberdade, a luta contra a futilidade, a miséria, a exclusão, a ignorância e o medo.

É esta a tarefa que, ao fim e ao cabo, nos incumbe a todos. Terá de ser esse o caminho a seguir. Oxalá o saibamos trilhar com determinação, responsabilidade e êxito.

Albertino Bragança 

NOTAS

– Francisco José Tenreiro – “A Ilha de S. Tomé”, Junta de Investigação do Ultramar, Lisboa, 1961, pág. 91.
Carlos Agostinho das Neves, in “S. Tomé e Príncipe na Segunda Metade do Séc. XVIII, Secretaria Regional do Turismo, Cultura e Emigração, Funchal, e Instituto de História de Além-Mar, Lisboa, 1989.
Isabel Castro Henriques, “ São Tomé e Príncipe – A Invenção de uma Sociedade”, Documenta Histórica, Lisboa, 2000, pág39.
(4) Carlos Agostinho das Neves, in “S. Tomé e Príncipe na Segunda Metade do Séc. XVIII, Secretaria Regional do Turismo, Cultura e Emigração, Funchal, e Instituto de História de Além-Mar, Lisboa, 1989, pág 189,
(5) Idem, pág. 156.
(6) Piloto Português, Navegação de Lisboa à Ilha de S. Tomé (séc. XVI – ca. 1545), Lisboa, Portugália, s.d.
(7) Arlindo Manuel Caldeira, in #Mulheres, Sexualidade e Casamento em São Tomé e Príncipe (Séculos XV a Século XVIII). Edições Cosmos – Grupo de Trabalho do Ministério da Educação para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, Lisboa 1999.
(8) Augusto Nascimento, in “Nova História da Expansão Portuguesa – O Império Africano”, pág 274, Editorial Estampa, Lisboa – 1998.
(9) Carlos Agostinho das Neves, obra citada, pág 161
(10) Carlos A. das Neves, idem, pág.190.
(11)) Carlos A. das Neves, idem, pág 91.
(12)) Carlos A. das Neves, idem, pág 92.
(13) Camilo Querido Leitão da Graça – Cabo Verde, Formação e Dinâmicas Sociais, pág. 36, Instituto da Investigação e do Património Culturais, Praia, 2007.
(14) Carlos A. das Neves, idem, pág 92.
(15) Francisco José Tenreiro – Obra citada, pág.
(16) Idem.
(17) Augusto Nascimento, “Entre o Mundo e as Ilhas – O Associativismo Santomense nos Primeiros Decénios de Novecentos”, pág 16, UNEAS, S. Tomé e Príncipe – Julho – 2005.
(18) Camilo Querido Leitão da Graça, obra citada.
(19) Amílcar Cabral – “Unidade e Luta”.
(20) Mário Soares – “Intervenções”, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, volume 8, pág 50.

2 Comments

2 Comments

  1. Joao Baptista Efígie

    30 de Outubro de 2019 at 14:35

    Umas boas análises deste articulista. Leio sempre e com prazer.

  2. Nanana

    1 de Novembro de 2019 at 22:48

    Obrigada ao Albertino Bragança, pela partilha gratuita deste trabalho.
    Pois a pesquisa, síntese e composição, dão muito trabalho…

    “Quem não sabe de onde vem, dificilmente saberá para onde vai”.
    Deve ser por isso, que os Santomenses andam assim, a deriva, hoje.

    Comecei a me questionar sobre as minhas origens, pelas diferentes histórias que ouvia das pessoas mais velhas da sociedade Santomense, e porque era confrontada, muitas vezes com as seguintes afirmações:
    “… és estranha, não és como a maior parte dos Africanos, tens outras pilhas…”

    Decidi por-me a investigar, e confesso que fiquei até melhor, mais tranquila comigo mesma, depois de conhecer um pouco mais, as minhas origens.

    Obrigada, pelo seu texto, pois ele confirma muito do que li, e acrescenta alguns aspectos não menos importantes da nossa géneses e por conseguinte, explica a postura da maioria dos Santomeneses.

    Somos Africanos, sem dúvidas. Mas somos especiais em muita coisa. E só a Nossa história, de facto ajuda-nos a compreender-mo-nos.
    Obrigada!

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