Cultura

Acordo ortográfico da língua portuguesa

Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 é um tratado internacional que tem por objectivo criar uma ortografia unificada para o português, a ser usada por todos os países de língua oficial portuguesa. Foi assinado por representantes oficiais de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe em Lisboa, em 16 de Dezembro de 1990, ao fim de uma negociação entre a Academia de Ciências de Lisboa e a Academia Brasileira de Letras iniciada em 1980. Depois de obter a sua independência, Timor-Leste aderiu ao Acordo em 2004. O acordo teve ainda a presença de uma delegação de observadores da Galiza.

    No artigo 3.º, o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990 previa a sua entrada em vigor a 1 de Janeiro de 1994, mediante a ratificação de todos os membros. No entanto, como apenas Portugal, em 23 de Agosto de 1991, o Brasil, em 18 de Abril de 1995 e Cabo Verde ratificaram o documento, a sua entrada em vigor ficou pendente.

    Em 1998, na cidade da Praia, Cabo Verde, foi assinado um Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa que retirou do texto original a data para a sua entrada em vigor.

    Em Julho de 2004, os chefes de estado e de governo da Comunidade dos Países de Língua portuguesa (CPLP), reunidos em São Tomé e Príncipe, aprovaram um Segundo Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico que, para além de permitir a adesão de Timor-Leste, previa que, em lugar da ratificação por todos os países, fosse suficiente que três membros da CPLP ratificassem o Acordo Ortográfico para que este entrasse em vigor nesses países.

Em 2008, a Assembleia da República acabou por ratificar o Segundo Protocolo Modificativo em 16 de Maio.

Entretanto, os chefes de Estado e de governo da CPLP, reunidos em Lisboa no dia 25 de Julho de 2008, na Declaração sobre a Língua Portuguesa manifestaram “o seu regozijo pela futura entrada em vigor do Acordo Ortográfico, reiterando o compromisso de todos os Estados membros no estabelecimento de mecanismos de cooperação, com vista a partilhar metodologias para a sua aplicação prática”.

QUAIS AS RAZÕES DO FRACASSO DOS ANTERIORES ACORDOS ORTOGRÁFICOS?

Perante o fracasso sucessivo dos acordos ortográficos entre Portugal e o Brasil, abrangendo o de 1986 também os países lusófonos de África, importa reflectir seriamente sobre as razões de tal malogro.

Analisando sucintamente o conteúdo dos Acordos de 1945 e de 1986, a conclusão que se colhe é a de que visavam impor uma unificação ortográfica absoluta.

Em termos quantitativos e com base em estudos desenvolvidos pela Academia das Ciências de Lisboa, conclui-se que o Acordo de 1986 conseguia a unificação ortográfica em cerca de 99,5% do vocabulário geral da língua. Mas conseguia-a, sobretudo, à custa da simplificação drástica do sistema de acentuação gráfica, pela supressão dos acentos nas palavras proparoxítonas e paroxítonas, o que não foi bem aceite por uma parte substancial da opinião pública portuguesa.

    Quanto ao Acordo de 1945 propunha uma unificação ortográfica absoluta que rondava os 100% do vocabulário geral da língua. Mas tal unificação assentava em dois princípios que se revelaram inaceitáveis para os brasileiros:

    a) Conservação das chamadas consoantes mudas ou não articuladas, o que correspondia a uma verdadeira restauração destas consoantes no Brasil, uma vez que elas tinham há muito sido abolidas;

    b) Resolução das divergências de acentuação das vogais tónicas e e o, seguidas das consoantes nasais m e n, das palavras proparoxítonas (ou esdrúxulas), no sentido da prática portuguesa, que consistia em as grafar com acento agudo e não circunflexo, conforme era prática no Brasil. (António e Antônio, cómodo e cômodo, género e gênero, oxigénio e oxigênio, etc.), em favor da generalização da acentuação com o acento agudo.

Foi, pois, tendo presentes estes objectivos que se fixou o novo texto de unificação ortográfica.

O TEXTO DO ACORDO ORTOGRÁFICO DE 1990

As principais alterações introduzidas no texto do Acordo Ortográfico relacionam-se com três aspectos fundamentais:

  • Conservação ou supressão das consoantes c, p, b, g, m e f em determinadas sequências consonânticas;
  • Sistema de acentuação gráfica;
  • Emprego do hífen.

A – PRIMEIRA SITUAÇÃO: conservação ou supressão das consoantes c, p, b, g, m e f .

Um importante aspecto a considerar: entre os princípios em que assenta a ortografia portuguesa privilegiou-se o critério fonético, ou seja, a pronúncia, em certo detrimento do critério etimológico, ou seja, da origem latina da palavra.

1. Nuns casos, estas consoantes são pronunciadas em todo o espaço geográfico da língua, como acontece em compacto, ficção, pacto, adepto, aptidão, núpcias, etc.

    Nestes casos, não existe qualquer problema ortográfico e tais consoantes devem manter-se na escrita.

2. Noutros casos, acontece o contrário: tais consoantes não são pronunciadas em nenhum espaço geográfico da língua, tal como ocorre em acção, direcção, adopção, óptimo, factura, electricidade, factor, correcção, colecção, colectivo, objecto, projecto, inspector, etc.

A solução que agora se adopta é a da supressão dessas consoantes mudas.

3. Noutros casos ainda, verifica-se que a pronúncia das referidas consoantes oscila sobretudo entre normas cultas distintas (facto, recepção, súbdito, subtil, amígdala, amnistia, aritmética, omnisciente, sumptuoso, em Portugal e nos países africanos, mas fato, receção, súdito, sutil, amídala, anistia, arimética, onisciente, suntuoso, no Brasil).

Nestes últimos casos, a solução que se adopta no acordo ortográfico consagra o princípio da dupla grafia, mantendo assim cada norma culta a sua forma de escrita.

B – SEGUNDA SITUAÇÃO: sistema de acentuação gráfica

Um dos pontos mais controversos do Acordo de 1986 consistiu no facto de se ter proposto a abolição completa dos acentos gráficos em todas as palavras proparoxítonas (ou esdrúxulas) e paroxítonas (ou graves), como forma de resolução das divergências de acentuação das vogais tónicas e e o, seguidas das consoantes nasais m e n.

E isso porque em Portugal e nos países africanos palavras proparoxítonas (esdrúxulas) como António, género, cómodo, académico, efémero, génio, fenómeno, tónico ou paroxítonas (graves) como fémur, Fénix, bónus, sémen, ónus, pónei, ténis, etc são pronunciadas com timbre aberto e, daí, grafadas com acento agudo., enquanto no Brasil tais palavras têm timbre fechado e são grafadas com acento circunflexo (Antônio, gênero, cômodo, acadêmico, efêmero, gênio, fenômeno, tônico, Fênix, bônus, sêmen, ônus, pônei, tênis, etc.

De igual modo, nas oxítonas (agudas) existem alguns casos de divergência de timbre nas palavras (sobretudo provenientes do francês) terminadas em e tónico, como ocorre em bebé, bebê, caraté, caratê, croché, crochê, guiché, guichê, puré, purê, etc.  

              Esse problema é resolvido no novo texto através do princípio da dupla acentuação gráfica.

              Ainda relativamente à acentuação gráfica, registam-se mudanças na acentuação de algumas palavras, tal como se estabelece no quadro que se segue:

a) Passam a ser escritos sem acento gráfico:

              – Os substantivos terminados em óia: boia, claraboia,     paranoia, Troia, jiboia, lambisgoia, tramoia;

              – Os adjectivos terminados em óica: estoica, heroica, benzoica, dipnoica;

              -As palavras terminadas em óide: acaroide, albuminoide, alcaloide, celuloide, dermatoide, elipsoide, metaloide, negroide, pinacoide, romboide;

              As palavras terminadas em óico, óio, óis e óito: paranoico, comboio, Gois, intróito.

b) Deixam de levar acento circunflexo as formas verbais paroxítonas (graves) contendo um e tónico oral fechado seguido da terminação em da 3ª pessoa do plural do presente do indicativo ou do conjuntivo, conforme os casos: creem, deem, descreem, leem, preveem, veem, releem, tresleem

    c) Deixam de se distinguir pelo acento gráfico (agudo ou circunflexo) as palavras paroxítonas (graves) pára(flexão do verbo parar) e para, preposição; péla, substantivo e flexão do verbo pelar e pela, combinação de per e la; pélo, flexão do verbo pelar e pelo, substantivo ou combinação de per e lo.

C – TERCEIRA SITUAÇÃO: o emprego do hífen

1. – Emprega-se o hífen:

    a) quando o segundo elemento da formação da palavra composta começa por h ou pela mesma vogal ou consoante com que termina o prefixo: anti-higiénico, contra-almirante, hiper-resistente); anti-ibérico, contra-almirante, auto-observação, micro-onda, semi- interno;

Excepção: o prefixo co aglutina-se com o segundo elemento, mesmo quando este inicia por o: cooperação, cooptar, coocupante, coobrigar, coordenar, etc.

b) quando o prefixo termina em m ou o segundo elemento começa por vogal, m ou n: circum-murado, pan-africano).

2. – Não se emprega o hífen:

        a ) Nas formações em que o prefixo termina em vogal e o segundo elemento começa por r ou s, devendo estas consoantes duplicar-se: antirreligioso, antissemita, contrarrega, contrassenha, cosseno, extrarregular, antirracial, minissaia, antissocial, microssistema, microrradiografia, antissético, contrarrevolução, extrarregimental, biorritmo, infrassom, etc.

  •  Nas formações em que o prefixo termina em vogal e o segundo elemento começa por vogal diferente: antiaéreo, coeducação, extraescolar, aeroespacial, autoestrada, autoaprendizagem, agroindustrial, hidroelétrico, plurianual, agridoce, agropecuária, autoadmiração, autossugestão, extraurbano, extrauterino, etc.
  •  Nas ligações da preposição de às formas monossilábicas do presente do indicativo do verbo haver: hei de, hás de, há de, hão de.

NOTA FINAL: Tendo sido submetido à apreciação da Assembleia Nacional, o Acordo Ortográfico de Língua Portuguesa foi aprovado, em 29 de Junho de 2006, ratificado em 20 de Novembro de 2006 e publicado no Diário da República em 29 de Dezembro do mesmo ano, não tendo, contudo, entrado em vigor.

                                                                                                     Albertino Bragança

2 Comments

2 Comments

  1. Ralph

    12 de Janeiro de 2023 at 2:03

    Achei muito interessante ler este artigo. Como um falante nativo do inglês, tenho muita admiração do feito de se ter realizado um projeto tão ambicioso e pratical como um acordo ortográfico. No inglês, ainda há muitas divergências ortográficas que não mais fazem sentido. Por exemplo, nos EUA soletram-se palavras tais como “color”, “flavor”, “honor” sem um u. Porém, se as mesmas palavras fossem escritas por alguem no Reino Unido, na Austrália ou na Nova Zelándia, continuariam a incluir um u (ex. colour, flavour, honour). O mesmo se aplica em relação à substuição de s por z nos EUA em palavras tais como “realise”, “organise”, “specialise”, etc.

    Em todos estas situações, a pronunciação é exatamente a mesma, quer com uma soletração americana quer uma británica. E há muito outros exemplos de diferenças em soletração que há muito se têm deixado de fazer nenhum sentido nos dias que correm. Há, sim, razões culturais para continuar com soletrações diferentes dependendo do lugar em que se está inserido, mas há poucas razões boas em termo de praticalidade. Para mim, faria todo o sentido realizar-se um acordo ortográfico para atingir uma sincronização e acabar com estas diferenças inúteis.

    Por isso, o desfecho de se ter estabelecido um acordo ortográfico em português é algo pelo que se deveria ter muito orgulho e também é algo a que os falantes da língua inglesa deveria visar.

  2. wilson bonaparte

    12 de Janeiro de 2023 at 11:18

    As razões do fracasso dos acordos ortográficos anteriores, como o de 1945 e 1986, podem incluir a tentativa de impor uma unificação ortográfica absoluta e a falta de consenso entre os países envolvidos. Além disso, pode haver resistência à mudança devido à tradição e ao apego às variações regionais e históricas da língua portuguesa.

    Também pode haver desafios práticos na implementação e aplicação dos acordos. O Acordo Ortográfico de 1990 foi modificado para permitir a adesão de Timor-Leste e para que três membros da CPLP ratificassem o acordo para que ele entrasse em vigor nesses países.

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