‘’Afroinsularidade’’, o poema de Conceição Lima que venceu ex aequo concurso de tradução nos EUA, entre mais de 600 poemas e 327 poetas.
Um dos poemas do seu primeiro livro, O Útero da Casa, ‘’Afroinsularidade’’ individualizou-se de forma particular no conjunto da obra poética de Conceição Lima ao ter vencido recentemente, ex aequo, com o poema ‘’0’’ da salvadorenha Lauri García Duenas, o concurso de tradução Poems in Translation 2021 promovido, nos Estados Unidos da América, pela revista Words Without Borders e a Academia Americana de Poetas. A tradução foi do norte-americano David Shook. Concorreram 606 poemas em 61 línguas e 327 poetas de 79 países. Correspondendo ao pedido de leitores, o Téla Non publica aqui o poema, na íntegra.
AFROINSULARIDADE
Deixaram nas ilhas um legado
de híbridas palavras e tétricas plantações
engenhos enferrujados proas sem alento
nomes sonoros aristocráticos
e a lenda de um naufrágio nas Sete Pedras
Aqui aportaram vindos do Norte
por mandato ou acaso ao serviço do seu rei:
navegadores e piratas
negreiros ladrões contrabandistas
simples homens
rebeldes proscritos também
e infantes judeus
tão tenros que feneceram
como espigas queimadas
Nas naus trouxeram
bússolas quinquilharias sementes
plantas experimentais amarguras atrozes
um padrão de pedra pálido como o trigo
e outras cargas sem sonhos nem raízes
porque toda a ilha era um porto e uma estrada
sem regresso
todas as mãos eram negras forquilhas e enxadas
E nas roças ficaram pegadas vivas
como cicatrizes – cada cafeeiro respira agora um
escravo morto
E nas ilhas ficaram
incisivas arrogantes estátuas nas esquinas
cento e tal igrejas e capelas
para mil quilómetros quadrados
e o insurrecto sincretismo dos paços natalícios.
E ficou a cadência palaciana da ússua
o aroma do alho e do zêtê dóchi
no témpi e na ubaga tela
e no calulú o louro misturado ao óleo de palma
e o perfume do alecrim
e do mlajincon nos quintais dos luchans
E aos relógios insulares se fundiram
os espectros –ferramentas do império
num estrutura de ambíguas claridades
e seculares condimentos
santos padroeiros e fortalezas derrubadas
vinhos baratos e auroras partilhadas
Às vezes penso em suas lívidas ossadas
seus cabelos podres na orla do mar
Aqui, neste fragmento de África
onde, virado para o Sul,
um verbo amanhece alto
como uma dolorosa bandeira.
In o Útero da Casa (Editorial Caminho, Lisboa, 2004)
Sem assunto
28 de Setembro de 2021 at 15:49
Levando o nome deste desgraçado país além fronteira.
Pessoas assim, devem ser devidamente acolhida e reconhecida.
Ainda estamos a espera do pronunciamento do nosso homem de letra, Jorge Bom Jesus, que só tem falatório barato e prosa na ponta da língua, e do ministro da cultura que da cultura não sabe nada.
Coitado deste povo, para estar nas mãos desta gente ignóbil, alguma, de muito grave, devem ter feito no passado.
Bem de São Tomé e Príncipe
29 de Setembro de 2021 at 17:12
Acho que “Sem assunto” não é santomense, ou se é, demonstra ser falso patriota. Verdadeiro santomense não apelida este país de desgraçado. Se quer chamar alguns santomenses dirigentes de desgraçados, aceito.
Sem+assunto
30 de Setembro de 2021 at 3:35
Santomense de gema, forro gikiti, o que não me impede de dar nomes as coisas e chamar as coisas pelo seu propio nome.
O que é,é, o que não é, não é.
Albertino+Bragança
30 de Setembro de 2021 at 8:29
PARA SÃO LIMA
Para quem é do conhecimento o inusitado lugar que São Lima ocupa no rol dos que vêm persistentemente assumindo a divulgação do património cultural santomense, não espanta o prémio ora outorgado à conceituada autora, pelo facto do poema “Afroinsularidade”, de sua autoria, ter vencido, nos EUA, um concurso de tradução.
A aquisição de prémio internacional tão valioso para a poetisa santomense, escritora de reconhecido mérito, apela, uma vez mais, à consciência e atenção do poder político e demais entidades nacionais para o facto de que o património só sobrevive se for valorizado e não alvo de quase abismal indiferença como infelizmente ocorre, salvo raríssimas excepções, em S. Tomé e Príncipe.
Aludindo ao passado, diz São Lima no poema que “Nas roças ficaram pegadas vivas como cicatrizes – cada cafeeiro respira agora um escravo morto/ e ficou a cadência palaciana da ússua/o aroma do alho e do zêtê no tempi e na ubaga tela/e no calulú o louro misturado ao óleo de palma/ e o perfume do alecrim”.
Mas fica agora também claramente expressa a hábil e prestigiosa criação de uma poesia que sintetiza o belo, privilegiando tanto a estética como o patriotismo e a ética, numa consonância que faz dela um inquestionável incentivo à leitura e à paz do espírito de que tanto carecemos.
Esperemos que a ressonância e a luz fulgurante dos teus versos possam contribuir para contrariar a asserção segundo a qual “é fácil ter um filho, plantar uma árvore e escrever um livro; o difícil é criar um filho, regar uma árvore e encontrar quem leia um livro.”
Folgo ansiosamente por isso.