Ellyzé – Autópsia da Alma, é uma viagem lusófona de partida num ponto excecional, meio do mundo, São Tomé e Príncipe, as ilhas invadidas pelo silêncio sorridente do leve-leve e invisíveis, por vezes e muitas, na carta geográfica, faz volta ao mundo com a existência familiar, explorando de forma literária as várias temáticas do dia a dia da humanidade.
Deus, Homem e Natureza, são os pontos fulcrais com que os pais, em França, na base da realidade e com o apoio científico da polícia forense e científica britânica, tentam decifrar o código da morte de uma jovem, vinte e seis anos de idade, encontrada sem vida, num quarto residencial, em Londres.
No extravagante papel circunstancial, difícil, proposto às palavras, são nas páginas mais profundas que o escritor, sem meditar no cronómetro da vida, explora horizontes e desbrava preconceitos políticos, sociais e até religiosos, sempre na perspetiva de identificar espaços de debate com a finalista universitária londrina que, apesar de anos, mantém atualidade na relação África com o mundo.
– Ninguém dá nada grátis à África. Convive-se com as falsas promessas, da qual não compreendo o consentimento afável dos cidadãos e dirigentes africanos, sem terem sequer subsídio à pesca e agricultura, quer faça enxurrada, quer o sol queime os pés descalços.
Deus! Qualquer um deles abaixo do Supremo, quando vir em jogo o seu interesse, não mede meios para atingir fins. Repare no drama da mobilidade humana forçada ao desafio mortífero mediterrânico. Já não há distinção entre uns e outros que tentam atravessar a Líbia em desespero pela liberdade de circulação entre países europeus, extrapolando os acordos de Schengen. Se os refugiados fogem de guerras, perseguições políticas, religiosas e outras, os migrantes não são apenas sonhos em busca de melhores alternativas de vida, como multidões fogem dos efeitos de alteração climática.
– Sei que os factos reportados pelos sobreviventes da Líbia deitam você abaixo: homens chicoteados e vendidos feitos escravos; mulheres violadas, crianças assassinadas a tiro e ao vivo, em frente aos progenitores. Os números falam pela desumanidade. Desde 2010, são mais de trinta mil vidas afogadas apenas no Mediterrâneo.
Com o regresso à África, despertei a atenção da minha interlocutora. Não havia mais ouvidos para perturbar a nossa conversa.
– Não é menos verdade que as fronteiras da Austrália e dos Estados Unidos da América estimulam o desespero humano a arriscar a única vida; mas o drama africano está debaixo do holofote civilizacional europeu. Incomoda-me ver os europeus a assobiar ao lado e a esfregar as mãos como se a Líbia, em específico, não fosse mais um propósito arquitetado pelo ocidente. Os bombardeamentos de destruição do país, da sociedade e o assassinato do afro-árabe, o presidente Muammar al-Qaddafi, sob o comando do “amigo” ex-presidente francês, Sarkozy, foi uma clara demonstração de detestação e acerto de contas.
Naquele dia, decorria o ano de 2017, abastecido de energia para fazer correr tinta nos ouvidos da filha, eu tentava esvaziar as palavras de discórdia para com a realidade imposta aos africanos.
– É ridículo como o meu pai insiste em apontar o dedo indicador no ocidente. O que acha de dirigentes africanos a assistirem tudo isso, num silêncio constrangedor? Não havia como evitar a guerra na Líbia.
– Minha filha. Nem sei como a China caiu na ratoeira sem usar, preventivamente, o poder de veto no caso singular da Líbia. Apunhalada pela cegueira, a China não acautelou os milhares de milhões de investimento que florescia no deserto líbio. Ao contrário das potências ocidentais, até ao surgimento do cancro de 2011, a supremacia chinesa lançava quantias avultadas em África, distraindo-se da defesa e segurança das regiões onde fez os seus investimentos.
– Esse raciocínio vem mesmo a calhar. Namíbia, é um exemplo do novo colonialismo chinês com mão de obra, negócios e materiais, desde simples parafuso a maquinarias, nas construções de infraestruturas. Repare, o mandarim já é ensinado nas escolas construídas e apetrechadas pelos chineses, enquanto delapidam o continente.
Não me precipitei no ziguezague em que a Ellyzé, ao que pareceu, pretendia baloiçar o meu juízo. Suspirei e dei continuidade à palestra.
– O secretismo da China, uma terceira via entre o Ocidente e o Leste, apanhou o mundo de calças na mão; daí que os ocidentais sem moral, em gritos sufocantes, receosos do espaço de delapidação secular, insurgem em defesa da África.
Ellyzé! A fila para retirar melhor proveito das oportunidades é extensa. Fomos atirados lá para o fim. Mas há que ter crença na boa vontade de Deus. Investimento e segurança, não devem estar divorciados, mas é a vez da China invadir e retirar os ricos recursos dos africanos, sem sequer disparar uma só bala.
07.09.2024
Autor: Dias Cardoso
Editora: Pena Real | Editorial
