«Esta coleção irá certamente ser de interesse para os leitores de Conceição Lima, para especialistas e estudantes da poesia lusófona e africana – sem mencionar a poesia lusófona africana – e a todos os interessados em despender algum tempo com uma extraordinária poetisa contemporânea.»
Professor Robert Patrick Newcomb* – Revista Portuguese Studies, Volume 40, Número 2, 2024, pp. 236-238.
(A antologia, que tem merecido outras recensões elogiosas, foi incluída entre os ‘’60 livros notáveis’’ publicados nos EUA em 2024 e nas ‘’75 traduções notáveis’’ do mesmo ano. A tradução é de Shook e a publicação da Editora Deep Vellum, do Texas.)
NO GODS LIVE HERE
No Gods Live Here (Aqui Não Moram Deuses) apresenta uma seleção bilíngue de trabalhos que abrangem toda a carreira da poeta são-tomense Conceição Lima (n. 1961), na qual os textos originais em português aparecem ao lado de traduções em inglês. Lima publicou a primeira das suas quatro coletâneas de poesia, O Útero da Casa (The Womb ofthe House) em 2oo4, e desde então, surgiu como uma voz fundamental nas letras são-tomenses, seguindo a tradição de Caetano da Costa Alegre, Francisco José Tenreiro e Alda do Espírito Santo. Ela é também uma figura-chave no campo mais amplo da poesia lusófona contemporânea e deve ser considerada uma grande poetisa africana contemporânea; esperançosamente, a publicação de No Gods Live Here, que torna acessível grande parte da sua obra na língua inglesa, irá elevar o seu perfil para além do mundo de língua portuguesa.
Entre os seus vários méritos como poeta, Lima é notável pelo seu exame sofisticado de como culturas e indivíduos são formados através da interação de forças dialeticamente opostas, como enraizamento e exílio, presença e ausência e generosidade e crueldade. As observações de Lima são largamente aplicáveis: que pessoa ou grupo não é produto de contradição? No entanto, elas estão também fundadas na história específica da sua pátria. São Tomé e Príncipe é, como situa Lima, um país ‘Afroinsular’, constituído por duas ilhas e vários ilhéus, localizado a norte do Equador, ao largo da costa africana. É o mais pequeno dos cinco países que antes de 1974-1975 constituíam as colónias africanas de Portugal. Quando os portugueses chegaram em finais do século XV, as ilhas eram desabitadas.
A população de São Tomé e Príncipe descende, esmagadoramente, de escravizados e, mais tarde, africanos coercitivamente trazidos pelos portugueses do continente e de Cabo Verde ao longo de séculos para trabalharem, em brutais condições, primeiro nas plantações de cana-de-açúcar e, depois, do cacau.
A história das ilhas de deslocamento, exploração e privação de direitos, mas também de etnogêneses, formação cultural e construção da nação, leva Lima a ponderar várias questões difíceis para ela e para os seus compatriotas são-tomenses.
Como pode alguém estar ‘’enraizado’’ numa ilha quando também se é ‘deslocado’ num sentido ancestral, da África continental? Ilhas que foram lugar de exílio também podem ser ‘lar’? E finalmente, como pode uma cultura ser construída a partir de um sofrimento inimaginável, isto é, ‘’quando impassível marchou a infernal engrenagem/ e o mundo emergiu’’, como escreve ela em ‘Espanto/Astonishment’(pp. 72-73)? Lima emprega várias técnicas para extrair essas complexidades.
Primeiro, ele descreve frequentemente contradição através de oximoro,como acontece na sua referência a ‘ambíguas claridades’, no poema ’Afroinsularidade’, bem como como paradoxo, quando, sobre um africano escravizado no São Tomé colonial, ela diz, ‘terá sofrido no Equador o frio da Gronelândia’, no impressionante poema ‘Canto Obscuro às Raízes. Faz também várias referências à transmutação, como em ‘Espanto’, onde descreve a história das suas ilhas da seguinte forma: ‘A Ocidente se abriu uma vanguarda de tumbas/ que expande do desterro a metamorfose/ em novos hinos, outros abismos chamados ilhas’.(pp. 38 – 39, 58-59, 72-73).
Em segundo lugar, ela recorre frequentemente aos termos raiz e raízes e opõe imagens e ideias de enraizamento ao desenraizamento, deslocamento ou morte. Em ‘Roça’, o sujeito poético pergunta: ‘Perguntam os mortos: Porque brotam raízes dos nossos pés (…) Que reino foi esse que plantámos?’ (pp.32-33). Numa outra passagem, ela refere-se a ‘outras cargas sem sonhos nem raizes’, em ‘Afroinsularidade’.(pp.36-37), e a ‘esta raiz enxertada de epitáfios’ em ‘A Mão’ (pp.82-83).
Finalmente, Lima rotineiramente invoca ausentes ou deslocados deuses, referindo-se à sua ausência de São Tomé e Príncipe, como quando declara em ‘Arquipélago’ que ‘aqui não moram deuses’ (pp.84-85), e à ideia de que os deuses africanos – e porventura as culturas e cosmovisões africanas de um modo geral – estão exilados das ilhas, por exemplo quando se refere (à) ‘indelével lembrança dos deuses/desterrados’, em ‘Santana’(pp.42-43). Lima parece, frequentes vezes, parece relutante em resolver estas reconhecidamente produtivas contradições, embora, ocasionalmente, apresente a linguagem e a poesia como algo que transcende as violentas oposições da vida mundana e como veículos privilegiados para clara expressão, tal como na sua recente prosa poema ‘A Lição dos Pássaros’, que conclui da seguinte forma:
‘Qualquer ambiguidade é um sóbrio chamamento: não há desterro para a palavra’(pp. 26- 37). Acho que as tradições de Shook para a língua inglesa, em colaboração com Lima, são habilidosas e seguras. Em termos de estilo, Shook é particularmente bem-sucedido em transmitir o frequente uso da aliteração e da assonância, mesmo quando o português e o inglês fornecem diferentes oportunidades para tal, como é o caso em ‘Mostra-me o Sangue da Lua’. Aqui, Lima refere ‘a náusea do mar/ e o nojo das rochas’, que Shook traduz como ‘the sea’snáusea/ and therocks’ revulsion’ (pp. 30- 31; ênfase minha). Em termos de precisão, tendo lido a maioria destes poemas no original antes de ler No Gods Live Here. concordo em larga medida com as escolhas de Shook.
Por exemplo, no poema ‘Arquipélago’ eles convertem a declaração ‘aqui não moram deuses’ ‘no gods live here’. Sendo certo que ‘gods don’t live here/ deuses não moram aqui’ seria também acertado, é mais prosaico e não tem o impacto de ‘aqui não moram deuses’ que, além disso, fornece a Lima e a Shook um título memorável para a coleção. As traduções de Shook estão povoadas de escolhas inteligentes como esta. Em resumo, recomendo de todo o coração No Gods Live Here. Esta coleção irá certamente ser de interesse para os leitores de Conceição Lima, para especialistas e estudantes da poesia lusófona e africana – sem mencionar a poesia lusófona africana – e a todos os interessados em despender algum tempo com uma extraordinária poetisa contemporânea.
Robert Patrick Newcomb é Professor Associado de Estudos Luso-Brasileiros na Universidade da Califórnia, Davis, Estados Unidos. Foi fundador e é codiretor do Grupo de Trabalho de Estudos Ibéricos Comparativos da Universidade da Califórnia.
Téla Nón
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ANCA
10 de Junho de 2025 at 14:08
Caso para dizer precisamos de conhecer as nossas as centralidades, mais do que conhecer é aceitar, reformular o que podemos ser hoje para o futuro, numa herança psicológica, nas entranhas comportamental difícil, que desemboca nas instituições fracas, encontra causa nos processos pelos que passaram o território, as pessoas, os povos, do atlântico sul, abertura ao aceitar do outro, na procura e aceitar o dialogo as ideias, a diferença, para se poder vir a ouvir o “glorioso canto do povo”.
Pratiquemos o bem
Pois o bem
Fica-nos bem
Deus abençoe São Tomé e Príncipe
Ama a tua terra, ama as tuas gentes, a tua cultura, a tua culinária, as danças e os dialetos
Respeita e protege o teu território, as tua família, a tua esposa, o teu marido, os teu filhos