Queda na demanda por petróleo pode fechar um quarto da capacidade global de refino se mundo mantiver aquecimento global limitado em 2⁰C.
Estudo inédito sobre a exposição do setor ao risco climático conclui que o valor das refinarias e o total de seus ganhos pode cair para a metade já em 2035
Um quarto da capacidade global de refino de petróleo pode se inviabilizar e ser forçada a parar com suas atividades até 2035, como consequência de uma esperada onda de regulamentação climática e, também, de avanços rápidos em tecnologias limpas que devem reduzir a demanda de petróleo. É o que concluiu um relatório lançado hoje pela Carbon Tracker Initiative (CTI). O relatório destaca os riscos do setor para investidores.
A queda da demanda por petróleo em um mundo com restrições às emissões de carbono deve espremer as margens de lucro em toda a indústria, o que deve expulsar do mercado as refinarias menos lucrativas. Menor processamento de petróleo com margens mais baixas significa que os ganhos das refinarias e, portanto, seus valores de mercado podem cair para a metade até 2035, concluiu o estudo Margin Call: Refining Capacity in a 2°C World. Os ganhos da indústria global totalizaram US$ 147 bilhões em 2015.
Andrew Grant, analista sênior da CTI e co-autor do relatório disse que “a trajetória econômica para a manutenção do aquecimento global abaixo de 2°C forçará um pico na demanda por petróleo seguido de uma grande racionalização da indústria global de refino. Muitos atores sairão do mercado para não se descapitalizarem. Os investidores devem ter cuidado com o risco de perda de capital se estender a todos os novos investimentos, incluindo expansões ou melhorias nas plantas existentes”.
A CTI analisou 492 refinarias que, somadas, representam 94% da capacidade global de refino, no que se acredita ser a primeira análise sobre como a indústria se acomodará à situação criada para buscarmos alcançar o objetivo de 2°C do Acordo de Paris, em um cenário que terá a emergência de tecnologias limpas e revolucionárias. A análise se baseia no cenário 450 da Agência internacional de Energia[1], o qual prevê que o pico da demanda por petróleo acontecerá em 2020 e que, a partir deste momento, esta declinará 23% ao longo dos 15 anos seguintes. O relatório foi produzido com apoio da consultoriaWood Mackenzie, a qual forneceu os dados e ajudou no desenvolvimento da metodologia.
Alan Gelder, vice-presidente de pesquisa da Wood Mackenzie, disse que “as consequências dos esforços para a manutenção do aquecimento global abaixo de 2˚C são muito mais prejudiciais para o setor de refino de petróleo do que para as atividades a montante na cadeia do combustível; isto é resultado da associação entre uma sobre capacidade estrutural com as baixas margens existentes na atividade, situação que só poderá ser abordada por meio de uma racionalização sustentada da capacidade instalada”.
A indústria, por seu lado, espera que a que a demanda cresça constantemente até 2035, em contraste com o cenário analisado de 2˚C. Entretanto, os combustíveis usados no transporte (diesel, gasolina e querosene de aviação) são responsáveis por 70% dos lucros das refinarias, e também pela porção mais vulnerável à destruição da demanda. Um estudo anterior da Carbon Tracker[2] concluiu que as empresas petrolíferas podem estar subestimando seriamente o impacto, por exemplo, do crescimento acelerado da participação dos veículos elétricos no mercado, os quais podem abocanhar um terço do transporte rodoviário até 2035.
Em alguns casos, as refinarias representam um quarto dos balanços financeiros das grandes petrolíferas, superando dezenas de bilhões de dólares em ganho e gerando lucros-chave para o setor. O cenário 2˚C modelado pela CTI concluiu que as petrolíferas Total e a Eni são as mais expostas ao risco. As duas empresas podem vir a ter uma queda entre 70% a 80% nos ganhos auferidos por suas refinarias em 2035. A Shell e a Chevron têm um risco de queda nestes ganhos entre 60% e 70%; a ExxonMobil e a BP entre 40% e 50%; a Saudi Aramco, estatal por enquanto, pode ver seus ganhos se transformarem em perdas.
O grupo de trabalho Climate-related Financial Disclosures criado pelo Conselho de Estabilidade Financeira do G20, chamou as empresas a avaliar e publicar seus riscos climáticos no cenário de 2°C impulsionado pelo Acordo de Paris pelo clima. A recomendação foi apoiada até agora por mais de 100 empresas com ativos da ordem de US$11 trilhões.
O relatório diz que a queda na demanda de petróleo dos anos 1980 oferece um insight das consequências de uma queda persistente na demanda. A forte subida de preços ocorrida em 1979 disparou uma queda na demanda nos países da OCDE e uma dolorosa racionalização que fecho 18% da capacidade de refino. Em todo o mundo, a queda de 10% na demanda provocou um corte de 8% na capacidade de refino.
Já existe capacidade suficiente para suprir a demanda futura no cenário 2˚C, de maneira que é importante que os investidores reconheçam que, em termos globais, nenhuma nova capacidade de refino precisa ser adicionada, apesar de existirem ainda alguns investimentos para suprir tendências regionais de consumo de derivados ou interesses estratégicos.
O estudo Margin Call: Refining Capacity in a 2°C World foi produzido em colaboração com o fundo de pensão dinamarquês PKA e com o fundo de pensão sueco AP7. O relatório segue a publicação feita em junho de 2017 do estudo 2 Degrees of Separation, focado nas atividades a montante da cadeia de valor do petróleo e do gás.
Pelle Pedersen, chefe de investimentos responsáveis do PKA, disse que “investidores institucionais que visam retorno em longo prazo e administram US$22 trilhões em ativos apoiam o Acordo de Paris e, para estes, os cenários de 2˚C são ferramentas importantes para ajudá-los a identificar se as companhias nas quais investem estão alinhadas aos objetivos do Acordo. A pesquisa da CTI mostra que muitas empresas da indústria de refino precisam reconsiderar suas estratégias de negócio à luz da evidência de que políticas públicas e tecnologias vão reduzir a demanda por petróleo, o que deve levar os investidores a precificar estes riscos financeiros”.
A CTI usou o modelo de avaliação de refinarias desenvolvido pela Wood Mackenzie, e seus dados de fluxos marginais de caixa, para identificar aquelas refinarias que são mais vulneráveis e as empresas mais expostas à queda projetada nos preços. Baseando-se em precedentes históricos, o estudo assumiu que fechamentos de refinarias começam uma vez que a utilização destas cai a 75%.
O modelo usado mostrou margens caindo em US$ 3,50 por barril em 2035, levando a uma redução na capacidade global de 25% da capacidade atual. Margens compostas globais foram estimadas em US$ 5 por barril em 2016.
O estudo observou que 21% das refinarias hoje existentes já não são lucrativas, e alerta que aquelas refinarias que geram prejuízos, mas são mantidas em operação por razões estratégicas, exacerbarão o declínio nas margens e colocarão ainda maior pressão sobre o conjunto global de refinarias.
Vulnerabilidade das empresas, classificada pela média ponderada da capacidade 2013-15 margem ($ / bbl)—
Uma vez liberado o embargo o relatório estará disponível em: https://www.carbontracker.org/reports/margin-call-refining-capacity-2-degree-world/
Para entrevistas com os autores, favor contatar Stefano Ambrogi pelo email sambrogi@carbontracker.org, telefone +44 7557 916940
Ou com David Mason pelo email david.mason@greenhousepr.co.uk ou telefone +44 7799 072320
A Iniciativa Carbon Tracker é um think-tank financeiro não lucrativo que busca promover um mercado de energia seguro para o clima alinhando os mercados de capitais com a realidade climática (www.carbontracker.org).
Ralph
20 de Novembro de 2017 at 1:24
Tudo isto faz sentido. O mundo está a mudar-se pouco a pouco para um futuro maioritariamente sem energia de fonts fósseis. Alguns dinossauros estão a tentar afrouxar a velocidade da mudança, mas todavia está a acontecer. É semelhante à transição dos cavalos para os carros. Enquanto algumas empresas podem tentar resistir ao futuro por algum tempo, enfim será o mercado que toma a decisão, rendendo os dinassauros sem poder. Algumas companhias de energia têm visto a transição a realizar-se e estão a adaptar-se. Outras vão perder a oportunidade e falir.