A metáfora da verdade!
A metáfora é uma figura de linguagem muito utilizada para fazer comparações por semelhança. A utilização dessa linguagem ajuda, por vezes, a desmistificar procedimentos linguísticos, levando o indivíduo a quebrar sentimentos de impotência perante interlocutores que se escondem atrás das palavras.
A Sóya(estórias contadas geralmente num contexto de Nózadu) é um exemplo vivo de metáforas, pois ela é narrada pelos anciãos são-tomenses na esteira da tradição oral.
Assim, no quotidiano das ilhas é muito frequente a utilização de metáforas no linguarejar dos populares como forma de fintar as agruras da vida.
Contudo, nota-se que alguns detentores do Poder em São Tomé e Príncipe aparentam utilizar um discurso metafórico para debelar o desconhecimento que cultivam à volta de episódios cronológicos da história e da cultura.
Uma parte significativa sustenta nas suas intervenções públicas e privadas uma visão estreita, labiríntica e obscurantista, acerca dos pilares que compõem a organizaçãode um país. Entendem, provavelmente, que os sustentáculos de um país deverão assentar somente na trilogia: um território, uma bandeira e um hino. São tão híbridos que aparentam fugir dos parâmetros da língua oficial e das línguas nacionais, desprezam o rico e diversificado acervo cultural– nomeadamente, a Puíta, o Danço Congo, o Txilôli, o São Lourenço, o Djambi, a Ússua, entre outros– herdado de povos que quotizaram para o desenvolvimento económico, social e cultural do arquipélago.
Escamoteiam, de forma deliberada, todos esses ingredientes e põem em causa tudo aquilo que aprendemos no seio da família com inem ngê támen (os anciãos), nos kintés(nos quintais), ku inem Mése(com os mestres-escola) na «Escola de Mato» e kuinem Sun Sôr(com os professores e professoras) nas Escolas Oficiais.
A metáfora da verdade provoca silêncios, principalmente quando o discurso é dirigido aos cidadãos pouco atentos, e que acreditam que as palavras ditas por um qualquer governante vai provocar uma melhoria significativa no seu rendimento mensal e, consequentemente, para o bem-estar no seio da sua família.
Este introito remete-nos para a celebração de mais um aniversário do fatídico massacre, inscrito nas páginas da história contemporânea da República Democrática de São Tomé e Príncipe, ocorrido no sítio de Batepá, em Fevereiro de 1953.
«Batepá», o sítio do massacre!
Massacre pressupõe, em princípio, a prática de actos contra-natura, ou seja, actos bárbaros, perpectuados por terceiros, sobre um determinado número indefeso de cidadãos, sobre um grupo de aldeões, ou simplesmente, sobre um grupo de indivíduos considerados subversivos pelo poder vigente.
O massacre é, por assim dizer, uma arma poderosíssima utilizada sobretudo pelo poder político ou, por um grupo afecto a uma organização criminosa, com o objectivo de intimidar, estropiar e assassinar um número significativo de pessoas de um determinado sítio ou de uma localidade, e que, tendencialmente, utiliza argumentos estapafúrdios para justificar uma barbárie que não convence a ninguém.
Historicamente em períodos concretos, o continente africano foi assaltado pelas potências europeias que instituíram, a seu bel-prazer, impérios coloniais, que foram palco de demasiados massacres.
O império colonial português, que foi o último reduto europeu a descolonizar os territórios sob a sua alçada, não fugiu à regra, tendo perpetuado massacres hediondos como forma de intimidar as populações indígenas.
Assistiu-se, assim, na década de 50 e 60, do século XX, massacres eternizados pelas autoridades coloniais portuguesas desencadeados, em Batepá (São Tomé e Príncipe, 1953), em Pindjiguiti (Guiné Portuguesa, 1959), em Mueda (Moçambique, 1960) e na Baixa de Cassanje (Angola, 1961). Alguns estudiosos associam esses massacres ao eclodir das lutas de libertação das colónias.
Ao completar-se o 71.º aniversário do massacre de Batepá, cometido sobre as populações indígenas, um político e governante que ocupa o mais alto cargo da nação são-tomense teceu comentários arbitrários pouco abonatórios acerca do assunto, mais parecendo a tentativa de branquear a figura do governador, coronel Carlos Gorgulho (1898-1972), autor e mentor da carnificina. Esse discurso desconexado terá causado calafrios aos presentes na cerimónia realizada no Memorial de Fernão Dias e aos que assistiam na televisão e escutavam o relato através da rádio.
Seria de todo recomendável os governantes do país contratassem assessores nas áreas que indubitavelmente não dominam para evitar constrangimentos dessa natureza.
“«Mentiras» e «intrigas»teriam sido as causas do massacre de 1953”?
“«Mentiras» e «intrigas» foram as causas do massacre de 1953”. Este é o título inserto no jornal on-line, Téla Nón, publicado no dia 5 de Fevereiro de 2024, que cita o discurso proferido pelo mais alto representante da República que não se coibiu de proferir palavras que deixaram atónitos uma parte significativa da população.
Rodeado de órgãos de comunicação social, o governante afirmouperemptoriamente que “gostaria deapelar a todos de que tudo que começa com intrigas e mentiras acabará mal. O 3 de Fevereiro desencadeou-se um bocado extemporaneamente por causa de intrigas e mentiras” (in jornalTéla Nónde 5 de Fevereirode 2024).
Ufano e seguro da sua inesgotável «sapiência» rematou, “porque o objectivo do governador de então não era este. Tanto é que ele foi reconduzido para mais um mandato, através de um abaixo-assinado de mais de 2 mil naturais de São Tomé. Quer dizer que o seu percurso não foi exactamente este, mas terminou tristemente”.(idem, jornal Téla Nón).
Ignora-se em que fontes se terá baseado esse governante, nem quais foram as suas motivações trazendo para a praça pública um assunto cujo melindre requer uma abordagem fora da leviandade discursiva.
Contudo, o governante em questão, que aparenta ser um cidadão sereno e ponderado, deveria ver a esclarecedora narrativa (reposição) sobre o massacre de 1953, apresentada no canal televiso de Portugal, RTP-África, por um historiador e professor catedrático português, Fernando Rosas (n. 1946), e uma outra narrativa (reposição) feita na TVS (Televisão de São Tomé e Príncipe) por um historiador e professor universitário São-tomense, Fernando D’Alva (1958-2021).
Outro testemunho oficial do massacre refere que no dia “3 de Fevereiro, no ano de 1953, tinha lugar em São Tomé e Príncipe o «massacre de Batepá», um episódio de terror e violência colonial que resultaram na morte de centenas de são-tomenses, na sequência de protestos e da recusa do trabalho compelido nas roças”. (in texto do Museu do Aljube, Resistência e Liberdade, Portugal.)
Pode-se entender que todos nós, sem excepção, deveríamos parar para repensarmos o nosso país, para definir os parâmetros que deverão orientar a política cultural, educacional, de saúde e de conduta social. Não se encontra justificação plausível para a ausência sistemática da presença de autoridades governamentais tais como, o presidente da república, o presidente da assembleia e o primeiro-ministro, como que a ignorar, a cerimónia solene do dia 4 de Janeiro, feriado nacional, atribuído ao Rei Amador, primeiro escravo a sublevar-se nas ilhas contra a tirania.
A ideia com que se fica, resulta da sensação de impotência perante repetidas acções que ocorrem no dia-a-dia, semana-a-semana…
Dá a sensação de estarmos, quase todos manietados numa camisa de forças, perante a incontinência de concidadãos que procuram o bem-estar, para poderem usufruir de uma vida, sem sobressaltos. É que o cenário actual em nada nos beneficia a sair da pobreza a que está remetida grande parte dos nossos compatriotas, pois vivemos, aparentemente, asfixiados por ressentimentos, cercados por ruídos que corroem a nossa existência, carregados de preconceitos e recalcamentos, empenhados em exorcizar temas tabus, que absorvem a nossa vida passada e presente, como comunidade.
O que se pode esperar é que sinceramente a perniciosa partidarização da sociedade a que os políticos fizeram questão de impor ao país, ainda dê lugar a momentos de lucidez e o discernimento suficiente para poderem escolher os melhores, dentro de um quadro onde impere a meritocracia, o bom senso, o sentido de responsabilidade e a capacidade de poder projectar São Tomé e Príncipe para o futuro.
E que os discursos não venham a envergonhar os que ainda são pela dignidade, pela honra e por um São Tomé e Príncipe de todos os são-tomenses.
Lúcio Neto Amado
Nota: O autor do texto não subscreve o Acordo Ortográfico de 1990
Sem assunto
14 de Fevereiro de 2024 at 5:13
Foi mau, muito mau, a pronúncia do senhor Presidente da República. Só serviu para desunir e confundir como sempre, também não poderia ser diferente, afinal este sujeito que não sabe,na verdade, a real função de uma alto magistrado da república sempre ” viu/vê tudo com muita normalidade – que pudor!
A incumbência de contrariar a história e narrativa institucionalizada não é de políticos, ainda mais sem formação, noção e trabalho de pesquisa na área, mas sim de académicos e pesquisadores de renome e respeitado na comunidade científica.
Caso pretendia lançar farpas ao Pigmeu, Patrice Trovoada, e aos seus apaniguados, o homem afinal tem uma legião de bufos e conspiradores, deveria ter lo feito num fórum próprio sem profanar os nossos mártires e heróis, e passar vergonha.
santomé cu plinxipe
14 de Fevereiro de 2024 at 7:24
è tudo uma mentira….nós somos falsos…
Fernando Simão
15 de Fevereiro de 2024 at 8:26
Mais uma vez o professor Lúcio Amado nos brindou com um texto didático e esclarecedor. Os pronunciamentos históricos devem ser feitos por quem sabe, ou seja, pelos estudiosos na matéria, de modo a se evitar a passagem para a nova geração, de factos deturpados. Temos uma história e ela deve ser contada com verdade.
Terno abraço professor!!!
Jorge Semedo
15 de Fevereiro de 2024 at 10:26
Estudiosos que não conseguem tirar STP do marasmo em que se encontra, um STP sustentado pela comunidade internacional. Estudiosos e historiadores que se a.comunidade internacional não financiar indirectamente os seus estômagos, morrerão todos de fome. Estudiosos e historiadores do “matuge”. Os sobreviventes (ainda vivos) do massacre brutal estão na indigência, outros doentes e acamados sem apoios destes estudiosos e historiadores de barrigas fartas, que nao deixam passar nenhuma oportunidade para aparecerem. Vão lá pesquisar e localizar os poucos sobreviventes e doem 5 porcento dos vossos fartos rendimentos aos mesmos, uma vez que o Estado ainda e incompetente para os apoiar. Cabo Verde, competentemente, atribui subsídios mensais a sua diáspora residente em STP. Mentira? O estado Santomense não consegue atribuir um subsídio de sobrevivência aos ainda poucos sobreviventes. Tudo que sabem fazer e vir discursar e publicar artigos sobre a história. A história e importantíssima, mas pratiquem os o velho ditado: cuidar dos vivos e enterrar os mortos. Todos de barrigas cheias e os sobreviventes que sofreram na carne e na alma estão atirados a sua sorte. Hipócritas.