Sociedade

Contas do GGA geram contestação do réu em julgamento

O réu Ditribunal.jpgógenes Cravid, antigo director do gabinete de gestão da ajuda externa, apresentou no Tribunal uma nota de protesto contra o processo de querela contra si. Uma nota lida pelo juiz presidente do processo, que desmongta toda a acusação feita pelo ministério público contra ele, e que reflecte a teia de corrupção que desde 1993 afecta a instituição. Na nota subscrita pelo advogado de defsa Filinto Costa Alegre, lê-se que tudo o que aconteceu tem a ver com O SISTEMA, contra o qual o réu não podia se rebelar.

Contestação

 

Contestando a Querela contra si deduzida, vem dizer o Réu Diógenes Moniz:

 

I

– 1 –

Há 22 anos que o Réu vem exercendo funções de direcção ao nível de diversos serviços, empresas e organismos estatais, sempre com um desempenho irrepreensível, fruto da dedicação, zelo e profunda honestidade porque sempre pautou a sua conduta.

– 2 –

 

Durante os últimos 22 anos o Réu foi sucessivamente, Director do Gabinete do Ministro da Agricultura, Director da Empresa Estatal EMAVE, Director da Empresa Estatal Agro-Pecuária Santa Margarida, Director da Unidade Hoteleira Pousada Boa Vista, Director da Empresa Estatal Ecomin e, finalmente, de 1993 a Maio de 2004, Director do Gabinete de Gestão de Ajuda – o GGA.

– 3 –

Da sua experiência em postos de direcção, o arguido aprendeu que, para além da competência, zelo e dedicação; para além do rigor e da honestidade, para se conservar o ganha-pão, para se garantir o sustento da família, é preciso ser-se obediente, cumprir as determinações dos superiores hierárquicos e, sobretudo, não levantar muitas questões.

– 4 –

O Gabinete de Gestão de Ajuda, doravante denominado GGA, foi criado pelo Decreto-Lei nº 32/93, de 30 de Junho, com o objectivo de, conforme reza o artº 11º do referido diploma, “promover a captação de dádivas, com vista a colmatar falhas de stocks, e afectar, à título oneroso, as mercadorias doados ao país, com vista a realização do correspondente Fundo de Contrapartida.”

– 5 –

O artº 12º do Decreto-Lei 32/93, dota o GGA “de um fundo de maneio de Dbs. 32.000.000,00 (trinta de dois milhões de dobras)”, exclusivamente “destinado a financiar as despesas com o desembaraço das mercadorias.”

– 6 –

O artº 13º determina a “integração no património do GGA dos bens móveis e imóveis pertencentes à ECOMIN e à ECOMEX”, duas empresas estatais extintas.

– 7 –

No que respeita ao orçamento do GGA, o artº 17º do referido diploma, determina:

a) Que o GGA funcione com recursos provenientes do Orçamento Geral do Estado, os quais deverão suportar todas as suas despesas de funcionamento, incluindo o salário do seu pessoal”;

b) Que das receitas provenientes da comercialização das mercadorias doadas, só podem ser deduzidas:

b1) “As margens de lucro do operador privado”;

b2) “O necessário para a reconstrução do Fundo de maneio”,

 

c) Que “o remanescente deve constituir o Fundo de contrapartida do país doador e ser depositado na correspondente Conta do referido país”.

– 8 –

O mesmo artigo 17º do Decreto-Lei 32/93, estabelece ainda:

a) O dever do GGA prestar contas ao Ministro de Tutela, e a

b) faculdade de, “a todo o tempo, a Inspecção de Finanças poder proceder à sindicância às mencionadas contas”.

 

– 9 –

Este era, em traços gerais, o que o Decreto-lei 32/93 estabeleceu quanto a organização e funcionamento do GGA.

– 10 –

Porém, da execução do Decreto-Lei 32/93, surgiu um outro GGA, com uma organização e funcionamento completamente diferentes dos estabelecidos no citado diploma legal. Surgiu um GGA em violação flagrante aos preceitos do Decreto-Lei 32/93.

Assim:

 – 11 –

a)     O fundo de maneio previsto no artº 12º não foi constituído;

b)     Os bens que deviam transitar da Ecomin e Ecomex para o GGA, foram quase todos vendidos ao desbarato a privados;

c)     O Orçamento Geral do Estado nunca previu recursos destinados a suportar as despesas de funcionamento, incluindo o salário do pessoal ao serviço do GGA;

d)     Não foi estabelecido qualquer sistema de prestação regular de contas à Tutela, e só esporadicamente a Inspecção de Finanças procedeu à sindicância às contas do GGA.

– 12 –

Os sucessivos governos, em flagrante violação ao disposto no Decreto-lei 32/93, instituíram a regra segundo a qual 1/3 das receitas provenientes da comercialização dos produtos doados, devia ser retirado e gerido pelo GGA e os restantes 2/3, depositados a título de Fundo de Contrapartida.

– 13 –

Transformaram, assim, o GGA num imenso “saco azul” do Governo, disponível para financiar as necessidades reais e imaginarias, em primeiro lugar, dos dirigentes e depois,  dos seus camaradas de  partido, dos funcionários e particulares, das instituições e pessoas públicas e privadas.

– 14 –

Para tal, não realizaram o fundo de maneio, não inscreveram no Orçamento Geral do Estado as verbas destinados a custear as despesas de funcionamento do organismo e, em flagrante violação à Lei, estabeleceram a regra de retenção pelo GGA de 1/3 das receitas realizadas com a venda dos produtos doados.

– 15 –

Por outro lado, instituíram um sistema de co-gestão e co-administração do GGA em que participava, directamente, o Ministro responsável pela Tutela, pessoalmente ou através do seu Chefe de Gabinete, com a incumbência, entre outras, de co-assinar os cheques juntamente com o director.

– 16 –

Venderam para privados seus amigos, familiares e companheiros de partido, ao desbarato, os armazéns, instalações, veículos e outros bens que a lei mandava que fossem transferidos para o GGA, deixando o Gabinete sem meios para funcionar.

Por isso, o GGA viu-se forçado a ir ao mercado e arrendar estes mesmos armazéns, alugar esses mesmos camiões, agora pertença de privados, a preços exorbitantes.

 – 17 –

Organizado em flagrante violação à Lei, funcionando contra a Lei, financiado de forma ilegal, co-dirigido pelo director do Gabinete do Ministro de Tutela e pelo Director a ele afecto, o GGA violando os objectivos para que fora constituído e que constam do artº 11º do Decreto-Lei 32/93, passou a ser O SACO AZUL do Governo, isto é, O Orçamento Geral Paralelo do Estado destinado a financiar, entre outros:

– As frequentes e repetitivas viagens dos dirigentes e seus camaradas ao estrangeiro;

– As despesas de funcionamento dos Gabinetes dos sucessivos Ministros de Tutela;

– As necessidades em dinheiro e bens da Presidência da República, dos vários Primeiros Ministros, Ministros, Directores, funcionários, pessoas singulares privadas, empresas e organizações privadas, instituições e organismos públicos e privados;

– A realização frequente de obras e a compra de equipamentos para os organismos estatais;

– A realização de eventos públicos e privados, quer de âmbito nacional quer local;

– A compra de consciências nos momentos de campanha, e a remuneração da militância partidária;

– A concessão de crédito que, na realidade se traduzia em oferta de dinheiro porque o GGA não tinha nem vocação nem condições mínimas para a respectiva recuperação.

A enumeração, como se pode concluir da leitura da abundante e esclarecedora documentação junta ao processo, não é, de forma alguma, exaustiva.

– 18 –

É a partir deste quadro, meticulosamente montado, peça por peça, com o envolvimento directo ou pelo menos com a cumplicidade activa ou a omissão intencional dos dirigentes ao nível superior e médio que devem ser lidas, entendidas e subsumidas às disposições legais, os documentos, factos, depoimentos e situações carreadas para o processo.

– 19 –

Perante este quadro, que podia fazer o Director Diógenes?

Perante este SISTEMA especialmente desenhado para espoliar o Estado, que comportamento se poderia esperar do Director Diógenes?

– 20 –

Era legítimo esperar-se que o Director Diógenes reagisse contra o sistema montado?

Pai de oito filhos, mergulhado num mar de dificuldades e carências, sabedor de que qualquer objecção sua desencadearia a má vontade e a cólera dos seus superiores hierárquicos, valendo-lhe o afastamento do lugar e o consequente desamparo da família, que reacção poderia ter?

 

 

 

– 21-

No terceiro ano de existência do GGA, isto é, em 1996, tendo consolidado a sua visão crítica da situação e perante as criticas que subiam de tom relativamente ao funcionamento do GGA, o réu decidiu fazer uma proposta ao Ministro de Tutela, quanto ao futuro do GGA – doc. nº 1.

– 22 –

Na referida proposta transcreve os preceitos do Decreto Lei nº 32/93 que definem o objectivo e o destino das receitas e conclui “As linhas mestras atrás definidas não têm vindo a ser estritamente observadas, dando lugar, por conseguinte, a tais criticas”…..

– 23 –

Continuando, o Réu alerta o Ministro:

Todos sabemos que as Empresas ECOMEX e ECOMIN, extintas pelo Decreto-Lei acima citado, foram a falência devido à carga que estavam submetidas com financiamento de alguns sectores da Administração Pública, das Empresas Estatais, bem como dívidas da classe dirigente.

 

Se o Gabinete de Gestão de Ajudas continuar a funcionar nos moldes actuais, o seu futuro num horizonte temporal, a médio prazo, será também condenado ao desaparecimento, da mesma forma como as que ele substituiu.

 

Tal procedimento não interessará ao País, porquanto, põe em causa a sua boa imagem e afecta duma forma negativa a cooperação neste sentido”.

– 24 –

 

E conclui:

Desta forma, senhor Ministro, parece-me oportuno formular a seguinte proposta:

 

a)     Abrir um concurso público, através do Gabinete de Privatização, com vista a seleccionar uma Empresa Privada, com capacidade de gestão para assumir a venda de dádivas ofertadas ao Pais e canalizar todas as receitas ao Tesouro ou para a conta dos respectivos doadores, de acordo com os contratos pré-estabelecidos.

b)     Todas a infraestruturas ora existentes ficariam à disposição do vencedor do concurso.

c)     A forma de pagamento ao vencedor seria estabelecida na sua proposta a apresentar.

A superior consideração de V. Ex.ª que, no seu alto critério, melhor resolverá”.

– 25 –

Em 18/10/1996, a referida proposta deu entrada no Gabinete do então Ministro de Tutela e nunca mereceu a menor atenção quer dele quer dos inúmeros outros Ministros de Tutela que se lhe sucederam.

– 26 –

Entretanto, o GGA continuou a ser objecto de discussão pública, tendo a Assembleia Nacional, em 27 de Janeiro de 1997, aprovado, através de uma RESOLUÇÃO, um relatório que incluía um capítulo sobre a Utilização Indevida dos Fundos do GGA.

– 27 –

O relatório, na parte que respeita à utilização indevida dos fundos do GGA, havia de ser apreciado pelo Supremo Tribunal de Justiça, no exercício das funções de Tribunal de Contas que então lhe estavam cometidas, tendo os meritíssimos Juízes Conselheiros, através do Acórdão nº 20/98 – Doc. nº 2 – , de 29 de Outubro de 1998, CONCLUÌDO :

a)     que haviam sido cometidas infracções e irregularidade na utilização dos recursos do GGA, embora sem culpa grave;

b)     que houve a utilização indevida dos fundos do GGA para o pagamento de despesas com actividades de carácter social;

c)     que houve utilização indevida dos fundos do GGA para pagamento de despesas com complementos salariais e com enormes e supérfluas despesas com um assessor para a recolha de informações.

– 28 –

Não há indícios de que, na sequência da decisão do Supremo Tribunal de Justiça, alguma sanção tenha sido efectivamente aplicada ou sequer, que os avultados recursos dilapidados tenham sido recuperados.

– 29 –

Assim, o alarido em torno do GGA, a intervenção da Assembleia Nacional, da Procuradoria Geral da República e do Supremo Tribunal de Justiça, sem consequências notórios para os prevaricadores, contribuiu, poderosamente para se consolidar a ideia de que os recursos do GGA eram para ser usados à margem de qualquer regulamento em vigor, sendo apenas necessário que estivesse de acordo com a vontade dos dirigentes que, de momento, fossem titulares dos diversos cargos.

 

 

 

– 30 –

Porque assim foi, tudo continuou na mesma e, anos mais tarde, mais precisamente no ano 2002, quando foi ordenada uma nova inspecção ao GGA, as CONCLUSÕES, que transcrevemos a seguir, foram, em tudo, semelhantes as que já foram referidas atrás, a saber:

1.      O Plano de contas utilizado na Contabilidade do referido Gabinete, é inadequado e contraria o estatuído por lei, para empresas, quer privadas quer estatais, pois para todo o País é recomendado o Plano OCAM”;

2. “O GGA possui um plano Financeiro elaborado de acordo com a percentagem – 10% do valor global das vendas. Portanto, não é um plano fixo, pois varia consoante o valor das dádivas, deduzidas das perdas, danos, etc, etc.”

Acontece, sistematicamente, um sobrecumprimento do orçamento porque o Gabinete, suporta encargos extra-planificados, constituídos em sustento de muitas solicitações e orientações de cunho politico e não só.

3. O saldo de débitos dos Clientes e Devedores Diversos, ultrapassa 1,7 Mil Milhões de Dobras.

 

4. No decorrer dos trabalhos para cobrança do referido montante, o Advogado recebeu do GGA 18 milhões de Dobras, sem que houvesse efectivamente contrapartida (neste caso pagamentos efectuados pelos devedores).

 

5. Existência de grandes somas no Caixa, diariamente.

 

6. Algumas facturas de prestação de serviços por parte de fornecedores sem estarem seladas.

 

7. Nos registos contabilísticos a que teve acesso, deparou-se com valores de imobilizações, sem contudo existir qualquer dossier das respectivas rubricas (moveis, veículos, equipamentos, etc, etc).

– 31-

 

Perante tais constatações e denúncias extremamente graves, uma vez mais NADA foi feito continuando TUDO na mesma.

 

 

 

 

 

 

II

 

-32-

Consideremos, agora, ponto por ponto, a queixa articulada contra o réu Diógenes Moniz, por factos praticados no triénio 2001 a 2003 e nos cinco primeiros meses de 2004.

– 33 –

O articulado nº 1º da acusação, à folhas 2064 dos autos, corresponde à verdade.

– 34 –

Os montantes apresentados no nº 8 da acusação só podem ser estimativas, que dependem dos critérios que se haja adoptado para o respectivo cálculo. Tomemos o caso da dívida do Fundo de Contrapartida para esclarecer a situação:

Primeiramente, como já ficou dito atrás, o nº 1 do artº 17º do Decreto-Lei nº 32/93 define o Fundo de Contrapartida como “constituído após a dedução das margens de lucro do operador privado e a reconstituição do Fundo de maneio.” Em momento algum se fala em 2/3 do produto de venda dos produtos doados e geridos pelo GGA!!

Se não se prova, como parece ser o caso, que esta disposição foi revogada por um diploma de valor igual ou superior a Decreto-Lei e substituída pela regra dos dois terços, caem por terra todos os cálculos baseados na mesma.

No mesmo articulado, refere-se à “receita própria” do GGA. Não nos parece que no âmbito do Decreto-Lei 32/93, que na prática contém o embrião da Lei Orgânica do GGA, haja lugar para o conceito de receita própria.

– 35 –

No que respeita ao articulado 9º, importa contrapor que o Réu Diógenes, na qualidade de Director, na prática, não gozava de autonomia nenhuma, estando obrigado a obter sempre a autorização do Ministro de Tutela ou do respectivo Director de Gabinete quer para os actos de gestão corrente quer para os de gestão extraordinária.

Devido ao carácter predominantemente informal da gestão e administração do GGA, muitas autorizações eram transmitidas verbalmente e por via telefónica.

– 36 –

Nega-se, veementemente, que o Réu tenha dado elevadas quantias em dinheiro emprestadas a terceiros ou que tenha pago bens e serviços a favor dos mesmos.

O Réu, em diversas ocasiões e sob orientações específicas verbais dos seus superiores, deu dinheiro, sacos de arroz, pagou facturas de água, energia e telefone, assinou contratos de fornecimentos e de prestação de serviços com terceiros, indicados pelos referidos superiores hierárquicos.

– 37 –

 

Negam-se, assim, os factos articulados nos números 10º, 11º e 12º da douta acusação.

– 38 –

 

Contrariamente ao articulado no nº 15, o Réu Diógenes só despendeu dinheiro do GGA quando devidamente autorizado pelo Ministro de Tutela, pelo Primeiro Ministro ou pelo Director de Gabinete do Ministro de Tutela. Muitas vezes essas autorizações eram solicitadas e concedidas ao telefone e, raramente, formalizadas em documentos devidamente autenticados.

– 39 –

 

Os donativos e empréstimos de sacos de arroz eram feitos mais frequentemente nas quadras festivas e em épocas de eleições, para compra consciência e fidelização de militância.

A anteceder a chegada dos beneficiários ao GGA, o Director recebia um telefonema do seu superior hierárquico, informando-lhe que iam a caminho os indivíduos tal e tal e que ele os devia atender.

Falar de empréstimos ou concessão de crédito nestes casos, é puro eufemismo pois, os beneficiários nunca regressavam para saldar a sua dívida. Por isso, nega-se o conteúdo do nº 16º da acusação.

– 40 –

 

O Réu, durante todo o tempo que permaneceu à frente do GGA, nunca utilizou em proveito próprio ou dos seus familiares, uma dobra se quer, pertencente ao organismo.

Beneficiou, isto sim, das regalias que eram concedidas a todos os trabalhadores, como por exemplo, pagamento de facturas de água, energia e telefone, acesso ao crédito devidamente autorizado, distribuição periódica de arroz, entre outras.

– 41 –

 

As obras de construção realizadas bem como os contratos de prestação de serviços assumidos pelo GGA, foram-no sempre com o conhecimento e autorização prévia dos superiores hierárquicos do Réu.

Muitas vezes eram esses superiores hierárquicos que seleccionavam o empreiteiro e o prestador de serviços, negociavam os termos e condições das obras e serviços a serem prestados e depois, “orientavam” o GGA no sentido de pagar as respectivas facturas.

Por exemplo, o jurista que era integralmente pago pelo GGA, era Assessor Jurídico do Gabinete do Ministro de Tutela, prestando apenas pontualmente, alguns serviços ao Gabinete.

– 42-

 

Desde a sua constituição que o GGA, por orientação da tutela, adoptou a regra de adjudicação directa das obras de construção, de reparação de armazéns de, instalações de organismos públicos, que era chamado a financiar.

Basta recordar que os grandes trabalhos de reparação dos armazéns arrendados no início das actividades do GGA, foram, quer no Príncipe quer em S. Tomé, realizadas pela empresa de construção civil do irmão do Ministro de Tutela de então que, curiosamente, é medico de profissão.

Por isso, o Réu nunca falsificou documento algum nem pretendeu ocultar a situação financeira do GGA que era sobejamente conhecida

– Que sentido fazia ou faz ocultar algo que é do conhecimento público?

Nega-se, desse modo, o conteúdo dos articulados, 17º, 18º e 20º da douta acusação.

 – 43 –

 

A afirmação contida no artº 21º não pode ser levada à sério. Embora marcada por certa informalidade, havia sempre justificativos para a saída e entrada de dinheiros nos cofres do GGA.

Se ao menos fossem mencionados os números dos cheques em referência, seria possível determinar-se que despesas do GGA financiaram. Não havendo mais elementos do que os que constam do referido articulado 21º, só nos resta negar veementemente o alegado no mesmo.

– 44 –

Nega-se a afirmação contida no articulado 26º, no que se refere à disposição de dinheiros sem qualquer autorização.

– 45 –

Não é verdade que o comportamento do Réu visasse o desvio de valores em proveito próprio, pois reitera-se que nunca o Réu beneficiou de uma dobra do GGA, para além dos direitos e regalias que lhe eram reconhecidos pela Tutela.

Os documentos que titulam os diversos pagamentos efectuados pelo GGA, são todos verdadeiros, embora, em alguns casos, possam não cumprir cabalmente as formalidades exigidas.

Por isso, nega-se o conteúdo dos articulados 28º e 29º da acusação.

II

– 46 –

O réu sabia que a sua conduta tinha contornos de anti-juridicidade, sabia ao que ela poderia conduzir, por isso, como já foi atrás mencionado, propôs que a situação fosse alterada para que cessasse este estado de coisas, mas não foi atendido.

– 47 –

Só tinha uma alternativa, retirar-se. Mas neste caso havia também fortes pressões no sentido inverso. Interesses imensos, a começar pela sua própria família.

Como abandonar tudo e lançar-se na miséria, no desemprego, transformar-se num Zé-ninguém. Ele, que nos últimos 5, 10, 15, 20 anos, sempre ocupara cargos de direcção?

Como renunciar a toda uma vida, a toda uma carreira construída a pulso com muita luta, muitos sacrifícios?

– 48 –

 

Não abandonaria porque tinha uma missão, tinha um compromisso e sentia-se com forças e determinação para continuar, até aos limites das suas forças, a dar o seu melhor ao GGA.

– 49 –

Profundo conhecedor dos seus superiores hierárquicos, sabia que, para além de toda a competência, zelo e dedicação que demonstrasse, não ocuparia o lugar nem por mais um minuto, se se constituísse em força de bloqueio.

Tinha a consciência que estava à mercê dos estados de alma, da boa vontade dos referidos superiores hierárquicos.

Sabia que não há regras que protegem os trabalhadores, que lhes permitem opor-se às arbitrariedades e ordens ilegais dos superiores hierárquicos.

– 50 –

 

O Réu sabia perfeitamente que era o SISTEMA que estava a funcionar mal, e que estes homens e mulheres que integram o sistema, esmagá-lo-iam, sem dó nem piedade no dia em que opusesse resistência séria à realização dos respectivos interesses pessoais, partidários ou de grupo de uns e outros.

– 51-

 

O Réu sentia-se completamente manietado pelo “SISTEMA” e contra ele muito pouco podia fazer.

– 52 –

Por outro lado, eram as pressões a que estava sujeito por parte de todos, superiores hierárquicos, colegas de serviços, quadros altamente conceituados, técnicos, cidadãos de todas as camadas, TODOS, salvo raríssimas excepções se dirigiam ao GGA, pedindo, desde uma mão cheia de arroz, até biliões de dobras, para montar um negocio, construir um prédio ou viajar para o estrangeiro ou simplesmente matar a fome do dia-a-dia.

– 53 –

Ainda assim, o Réu resistiu bastante e, na medida da sua forças, opôs-se, terminante e sistematicamente, a inúmeras ordens de consequências devastadoras.

Ainda assim, o seu papel a frente do GGA foi sempre de defesa intransigente dos interesses do Gabinete, procurando que esses não fossem devastados pela voracidade dos “legítimos” representantes do Estado.

– 54-

 

Mas, como defender interesses, cujos “legítimos representantes”, ao mais alto nível, obram no sentido de aniquilar esses mesmos interesses?

– 55 –

 

Pelas circunstâncias em que ocorreram os factos, forçoso será concluir que, se o Réu violou o dever de uma gestão prudente, equitativa, racional, eficiente e proveitosa do GGA, foi porque a isso foi forçado.

IV

– 56 –

 

Nas circunstâncias, larga e abundantemente documentadas e tendo em conta as normas gerais de conduta, não era razoável exigir-se outro comportamento do Réu. E a não exigibilidade de conduta diversa, como ensina a doutrina e se encontra consagrado na previsão do nº 7 do artº 44º do C.P, é uma causa de exclusão de culpa.

– 57 –

 

Os elementos essenciais ao juízo de censura penal decorrem da premissa fundamental de que a ordem jurídica pode exigir do agente comportamento diverso da conduta juridicamente proibida.

No caso presente, o Réu Diógenes Moniz, embora consciente de que estava a ter uma conduta juridicamente proibida, persistiu no seu comportamento anti-jurídico, unicamente devido às circunstâncias externas que lhe tolhiam a liberdade de poder agir de acordo com a norma, isto é de modo diverso.

Por isso, impõe-se concluir que agiu sem culpa, elemento essencial à tipologia dos crimes de que vem acusado.

– 58 –

Não adoptando a não exigibilidade de conduta diversa como excludente da culpabilidade, mesmo em casos não expressamente cominados, a pena passa a ser contrária à equidade, injusta e profundamente desumana.

Porque não é humano aplicar-se uma punição a alguém, quando a sua conduta típica ocorreu sob a pressão de acontecimentos e circunstancias externas que excluem o carácter reprovável dessa mesma conduta.

Nestas circunstâncias, a conduta é ilícita, mas não é censurável.

Nestes termos, requer-se a absolvição do Réu, corrigindo-se, assim, na medida do possível, a enorme injustiça de que vem sendo vitima.

S. Tomé, aos 24 de Outubro de 2008

 

Advogado

 

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Filinto Costa Alegre

Junta-se 3 documentos

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