Dr. Odair Baía
A violência doméstica representa um acto de cobardia, uma falta de respeito e de consideração, para com o ser humano.
E não restam dúvidas de que esse acto de cobardia (violência doméstica) deva merecer uma atenção penal e, consequentemente, a punição devida sobre todos os que violam o dispositivo legal previsto no código penal.
Todavia a transformação do crime «violência doméstica», num «crime público», não vai resolver o fenómeno da citada violência doméstica de imediato. É que o legislador, muitas vezes, cai na tentação de pôr o «direito» à frente da vivência em sociedade, como forma de moldar comportamentos, o que nem sempre resulta, pois mais do que legislar é necessário estudar o fenómeno e tentar encontrar os meios eficazes de combate a esse tipo de criminalidade.
Não quero dizer com isto que, ao tomar essa atitude, o legislador santomense aja de forma menos correcta, muito pelo contrário. É mesmo de felicitar e de louvar a iniciativa, porque tal demonstra que os deputados estão atentos e preocupados com a real problemática da «violência doméstica» na nossa República.
E embora esteja de acordo com a não passividade do legislador perante o fenómeno dessa realidade, tenho contudo algumas reservas quanto à transformação dessa violência num crime público.
Porquê? Porque a violência doméstica, ao assumir a natureza
de crime público, mostra que o procedimento criminal não está só dependente da queixa apresentada por parte da vítima (basta uma denúncia ou o conhecimento do crime, para que o Ministério Público promova o processo). Também qualquer pessoa que assista ou tenha a noção da ocorrência de tal violência, poderá e deverá denunciar esse mesmo crime ao Ministério Público, o qual tomará, de imediato, as devidas investigações. Paralelamente, as entidades policiais ao tomarem conhecimento desse mesmo crime, terão a obrigação de o transmitir ao Ministério Público para que promova o respectivo processo.
Será que, desta forma, se possa resolver tal problema? Penso que não, pois alguns obstáculos, do ponto de vista processual, se criarão! Ao receber a notícia do crime, o Ministério Público procederá com a devida investigação, e será ele o senhor de todo o processo. Este modelo inviabiliza a desistência do processo, ainda que a vítima o pretenda.
Sendo a violência doméstica um crime público, pode ou não haver Assistente, e, quando este existe, a acusação que o formular estará subordinada à do Ministério Público. Isto implica uma diminuição substancial nos direitos do Assistente que, em meu entender, deverá ter mais poder de actuação nos crimes de violência doméstica.
Pelas razões acima referenciadas, a solução mais acertada seria a da violência doméstica ser considerada um «crime público», no sentido de Ministério Público promover o processo penal por sua iniciativa, mas ressalvar alguns aspectos como o de poder dar mais relevância às acusações do Assistente, se as houver, e permitir alguma flexibilidade na desistência do processo se essa for a pretensão da vítima, e se o Ministério Publico concluir que, de facto, a vitima esteja a agir livre de coação.
Devo referir que concordo plenamente com o facto da violência doméstica ser considerada um crime público, mas em retrospectiva daquilo que escrevi e reflecti, não parece plausível que esta medida de per si, possa criar a paz social.
É necessário ainda ter em conta as várias formas de violência doméstica, especialmente se o principal alvo de abuso for crianças. Então não restará qualquer dúvida nem qualquer reprovação de que o Ministério Público deva interferir logo que tenha conhecimento do crime, por si ou por outrem.
Contudo, quando se tratar de violência exercida pelos maridos sobre as próprias mulheres, ou das mulheres sobre os maridos, parece excessivo haver um crime público na sua forma pura, devendo-se particularizar, segundo a minha óptica, dando uma maior importância à acusação do Assistente, se a houver, e viabilizar a desistência do processo se a vitima assim o entender. Para isso, o Ministério Público deverá, à cautela, diligenciar no sentido de averiguar se esta desistência é feita livre de coação.
Mas, mais do que as medidas legais, é preciso conhecer o fenómeno do ponto de vista científico, para isso há que elaborar um estudo multifacetado que dê resposta ao problema em si, e aponte qual a melhor forma de o solucionar.
Não basta dizer que o crime é público ou pensar que temos uma solução mágica para resolver o grave problema de «violência doméstica»! É determinante dotar, tanto o Ministério Público como os órgãos Policiais, de meios eficazes para combater e prevenir tal delito!
Mais do que punir é urgente criar uma campanha de prevenção e educar o nosso povo, fazendo crer que, dar maus tratos a alguém seja criança ou adulto, é um crime hediondo que merece ser punido segundo a lei, ou denunciado a tempo, para que não vitime alguém ou perturbe a nossa sociedade!