Análise

Contributo para o desenvolvimento de São Tomé e Príncipe I

No meu último artigo, subordinado ao tema: “Que futuro para São Tomé e Príncipe”, procurei fazer, muito mais que uma radiografia do actual estado do país, até porque os problemas já estão há vários anos, mais do que identificados. Foi por isso, que deixei sugestões sobre o que se podia fazer diferente, desde logo, a ideia da criação de um Plano Director Geral, que nos orientasse enquanto Nação, nos próximos 25, 30 anos.

Coloquei algumas questões que me parecem, devem ser respondidas num tal documento. Alguns dos leitores dessa reflexão, desafiaram-me a dar o meu ponto de vista sobre o caminho a trilhar.

Este, artigo é por isso um contributo para o desenvolvimento. Desde já, apelo a participação de todos no debate que teremos que fazer, para encontrar as soluções mais consentâneas a nossa realidade. O exercício teórico que me proponho fazer pode ser visto apenas como o ponto de partida. Ficarei feliz com a participação de todos quantos possam ajudar na melhoria do mesmo e acima de tudo, com aqueles que discordando desta ou daquela ideia, possam apresentar soluções melhores.

Antes das respostas, importa dizer que um Plano Director Geral, ou Plano Director Estratégico, como também é chamado, é um instrumento básico da política de desenvolvimento. Sua principal finalidade é orientar a atuação do poder público e da iniciativa privada, na oferta dos serviços públicos essenciais, visando assegurar melhores condições de vida para a população. É plano, porque estabelece os objectivos a serem atingidos, o prazo em que estes devem ser alcançados, as actividades a serem executadas e quem deve executá-las. É director, porque fixa as directrizes do desenvolvimento.

Segundo Peter Ferdinand Drucker planeamento estratégico “É o processo contínuo de, sistematicamente e com o maior conhecimento possível do futuro contido, tomar decisões actuais que envolvam riscos; organizar sistematicamente as actividades necessárias à execução destas decisões; e, através de uma retroalimentação organizada e sistemática, medir o resultado destas decisões em confronto com as expectativas alimentadas”.

Agora sim importa dizer em traços gerais o que penso serem as respostas as questões:

1º Que tipo de Estado, queremos construir?

Devemos construir um Estado, seriamente comprometido com a máxima  “Um Governo, um Povo, um Território, ou seja um sistema onde tudo e todos devem trabalhar para um sucesso comum.

Infelizmente ainda vivemos num país em que é frequente o chamado confronto de poderes, que pode ser entendido como instabilidade política e/ou social, o que na minha opinião, é nesta altura um dos principais entraves ao desenvolvimento das ilhas.

Proponho um Estado, efectivamente responsavel pela organização social, ou seja que use da sua autoridade para a promoção do bem – estar das populações.

Um Estado intervencionista, no sentido de canalizar o poder instituido a favor de quem dele realmente precise e contra quem tenha infringido as regras. Não digo com isso que pretendo um Estado gordo, e muito menos um Estado-polícia. Bem pelo contrário, se tivesse que assumir-me ideologicamente, defenderia a social-democracia, pois acredito na supremacia da acção política em contraste à supremacia da acção económica ou determinismo económico ou sócio industrial, como defendem os liberais.

Proponho por outro lado, uma alteração do status-quo, não por via de revoluções, mas de reformas. Temos que imprimir profundas reformas, desde logo na nossa forma de pensar, pois encontro na nossa mentalidade boa parte das razões do nosso atraso. Tal só se consegue formando pessoas (educação escolar, universitária e profissional), mas acima de tudo, trabalharmos no sentido de educar as pessoas para a cidadania. Defendo a reforma do capitalismo democraticamente através de regulação estatal e da criação de programas que diminuem ou eliminem as injustiças sociais inerentes ao capitalismo. De resto a actual crise mundial é consequência da falta de regulação política à actividade do poder económico.

Do ponto de vista económico, existem pelo menos 3 modelos possíveis:

Estado Patrimonial (infelizmente temos um Estado ainda dono de quase tudo e que também se assume como o maior empregador do país.)

Estado Produtor (se tivermos petróleo em quantidade explorável e outras matérias primas ainda não descobertas)

Estado Fiscal – defendo que caminhemos no sentido de nos transformarmos neste último, pois o Estado se retiraria da economia, e a entregava a iniciativa privada, uma vez o Estado, via de regra, ser mau gestor, como já dizia Adam Smith.

2º Que investimentos fazer para colher-mos frutos dentro de 15, 20 anos?

Antes de mais, importa dizer que tal só será conseguido se materializarmos algumas das grandes obras anunciadas e se conseguirmos incentivos fiscais que atraiam grandes grupos económicos que permitam materializar o nosso velho sonho de sermos uma placa giratória do comércio na região do Golfo da Guiné.

Digo isto, uma vez o país não dispor actualmente de recursos próprios para grandes projectos. O Estado pode então lançar mão as parcerias público-privadas, atrair investimento 100% privado através de concessões e/ou até mesmo pela privatização de alguns sectores, de onde o Estado já deveria estar fora há vários anos.

Para que tal aconteça, temos rapidamente que avançar, entre outras coisas com os projectos das zonas francas e das offshore, bem como o do porto em águas profundas, pois a médio prazo vamos conseguir, só em impostos todo o investimento aplicado e o necessário para melhorar o nível de vida das nossas populações.

As ilhas de São Tomé e Príncipe possuem condições geográficas e geológicas, que associadas à rica flora e fauna proporcionam ao País num todo, uma base importante para o estabelecimento de actividades ligadas a sectores como o turismo, a prestação de serviços e o comércio regional.

Devemos aproveitar essas potencialidades, para atrair investimento estrangeiro. De resto, temos um excelente exemplo, a Singapura, que em 40, 50 anos transformou-se numa potência asiática, pois criou condições legislativas, no plano fiscal, laboral que facilitaram o ambiente de negócios e permitiu que multinacionais se implantassem aí e resolveu desde logo o problema do desemprego, e ao longo dos anos permitiu a melhoria das condições de vida das populações.

Não temos necessariamente que seguir, o caminho dos outros. Nesta era tecnológica, importa melhorarmos a qualidade da nossa rede eléctrica, apostando eventualmente em novas formas de energia, como são a eólica, a solar, a hídrica e porque não construir a médio prazo uma central de hidrogénio que permitisse o fornecimento já não só do mercado interno, mas também o abastecimento dos nossos vizinhos. Uma atenção maior tem que ser dada ao abastecimento de água, pois é inadmissível que um país que tem uma série de rios, tenha 37% de sua população sem acesso a água potável.

Vejo positivamente, o investimento feito na rede 4 G que certamente, se bem usado, vai colocar o nosso arquipélago na vanguarda das novas tecnologias e revolucionar uma série de sectores, desde logo os da saúde e da educação, da agricultura e acima de tudo atrair novos investidores, sejam eles nacionais ou internacionais.

Como diz um velho ditado chinês “Se vires um homem com fome não lhe dês um peixe, ensina-o a pescar.” Assim, o próprio país deve envolver seus empresários no lançamento de indústrias e apostar na criação de mercados que permitam diferenciar os nossos produtos, sejam eles agrícolas, piscatórios, ou outros. Por outro lado, criar mecanismos que permitam a inclusão de quadros qualificados das ilhas nas direcções ou conselhos de administração de grandes empresas que queiram implantar-se no país, para que se um dia estas se forem embora, possamos ter gente preparada para tocar o barco.

Temos que transformar a nossa agricultura e pescas, actualmente de subsistência, numa indústria que nos permitirá abrir novas industrias tendo por base estas duas primeiras. Desde logo a dos enlatados, das conservas, frutas cristalizadas, produtos de higiene, etc.

Tudo isso deve assentar em dois pilares, a capacitação das pessoas e o subsequente envolvimento destas nas decisões e por outro lado uma forte aposta na saúde. Temos que melhorar urgentemente o nosso sistema nacional de saúde. Caso o Estado, sinta não ter condições para prestar um serviço de qualidade, então que entregue a gestão do CHST e outros polos de saúde a gestão dos privados e comparticipe as consultas e os medicamentos. Podemos sempre fazer parcerias com privados para a construção de centros de saúde ou hospitais noutras zonas do país que não apenas o distrito de Água Grande.

Por fim, mas não menos importante, temos que começar a construir uma sociedade civil forte, participativa no debate e na condução da “res pública”. Para tal, é preciso por um lado investirmos forte na formação das pessoas e por outro lado termos um comunicação social, menos partidarizada, mais imparcial e comprometida com a verdade, isenção e rigor.

Temos que fazer 3 grandes reformas para que tudo o resto seja uma realidade:

1º Legislativa: temos que imprimir uma nova dinâmica na arrecadação de impostos, como de resto tem sido feito. Mas para incentivar o pagamento de impostos, urge rever a lei do trabalho, a legislação aduaneira e fiscal e a lei da segurança social, adaptando-as aos tempos que vivemos, pois estes mecanismos legais são ainda muito arcaicos no nosso São Tomé e Príncipe.

2º Administrativa: Refiro-me a reforma da Administração Pública. Provavelmente têm funcionários a mais, para trabalho a menos. É preciso dotar os servidores públicos desde logo de formação para que saibam fazer as coisas, mas também é imperioso dar-lhes as ferramentas necessárias para que estes exerçam seu papel de forma competente. Para tal é preciso criar incentivos. Por outro lado, é preciso abolir a actual pesada burocracia que facilita a corrupção. Podemos aproveitar a experiência portuguesa nesse domínio com o famoso Simplex, simplificação administrativa e de procedimentos.

3º Judicial: Este é provavelmente o nosso principal calcanhar de Aquiles. Enquanto não tivermos uma justiça cega, dificilmente conseguiremos o que quer que seja. Por outro lado, a lentidão nas decisões judiciais é um constrangimento. Para os negócios temos que agilizar os processos executivos. A reforma do código penal e de processo penal devem conduzir a uma situação em que haja proporcionalidade, pois é inaceitável que um ladrão de bananas ou de galinhas seja condenado em tempo recorde ou até mesmo linchado pelas populações e alguns políticos possam estar sucessivamente associados a escândalos financeiros e nada lhes aconteça.

Brany Cunha Lisboa

10 Comments

10 Comments

  1. cidadão preocupado

    24 de Julho de 2012 at 17:32

    Um texto muito rico. Proponho uma continuação, por áreas de actividade. Na verdade, um debate nacional sobre estes e outros assuntos, impossíveis de aflorar num único texto. Parabéns Cunha Lisboa, um excelente artigo

    • Antonio

      25 de Julho de 2012 at 2:29

      olhe caro Cunha; gostei imenso do seu artigo é mesmo um artigo muito rico abarcando os parametros necessarios para a base do desenvolvimento de STeP; meus parabens pelo esforço e contributo que este mesmo artigo fale por te…quem sabe o STeP conhencera o seu dia.

  2. Leopaldo

    25 de Julho de 2012 at 12:03

    Realmente a sua reflexão é de louvar…. mas na prática as coisas não são tão linear assim….As vezes falamos muito bonito, mas colocar na pratica é um bicho de 7 cabeças. As teorias apresentadas apreendi na escola … o problema é implementa-lá para um País que não tem recursos financeiros e cheio de problemas sócias, sobretudo problemas políticos…
    Acredito que apenas com a implementação de dois projectos, sendo Porto de Aguas Profundas, um Aeroporto Moderno e abertura das fronteiras os problemas de S.Tomé estariam resolvido.
    Quando falo de projectos, falo em projectos sério, algo com cabeça, tronco e membro e não aquilo que a Sonangol anda a fazer com o nosso aeroporto…. andam a brincar em construir um Aeroporto Internacional …. porque essa construção é uma palhaçada total….ST merece algo melhor

  3. Arnaldo

    25 de Julho de 2012 at 13:28

    Um texto muito bem elaborado parabéns! É disto mesmo que precisamos, refletir, procurar os erros e encontrar a saida.
    Força STP.

  4. Fernando Castanheira

    25 de Julho de 2012 at 14:06

    congratulations. I am very greatful to you.

  5. Anca

    25 de Julho de 2012 at 14:30

    Não obstante a públicação acima, carlos leitores/comentádores e cidadãos Sãotomenses, bem como as autoridades competentes pela area da saúde, bem como a sociedade civil, no seu todo.

    A vossa atenção à notícias avançada hoje pelo “Jornal de Notícias” (PT), cujo o título;

    “Hepatite mata um milhão de pessoas por ano”

    “Um milhão de pessoas morre todos os anos de hepatites virais, alerta a Organização Mundial de Saúde, apelando aos governos que “reforcem os seus esforços” na luta contra uma doença que afeta uma em cada 12 pessoas.”

    “O alerta da Organização Mundial de Saúde (OMS) surge a propósito do Dia Mundial da Hepatite, que se assinala no sábado sob o lema “Está mais próximo do que se pensa”.” “Segundo a organização, 500 milhões de pessoas sofrem de doenças crónicas devido à infeção com os vírus da hepatite.”

    “O alerta da Organização Mundial de Saúde (OMS) surge a propósito do Dia Mundial da Hepatite, que se assinala no sábado sob o lema “Está mais próximo do que se pensa”.” “Segundo a organização, 500 milhões de pessoas sofrem de doenças crónicas devido à infeção com os vírus da hepatite.”

    “”A grande maioria das pessoas infetadas com hepatite são desconhecedoras e não estão diagnosticadas nem tratadas” diz Sylvie Briand, do departamento da OMS para as doenças pandémicas e epidémicas, citada num comunicado da organização.”

    “Para a médica, “só aumentando o conhecimento sobre as diferentes formas de hepatite e a forma como podem ser prevenidas e tratadas se pode dar os primeiros passos no sentido do controlo total da doença e de salvar milhares de vidas”.”

    “A organização quer, por isso, trabalhar com os Estados para sensibilizar os decisores, os profissionais de saúde e o público em geral para a doença, a sua prevenção e controlo, combatendo também a discriminação dos infetados.”

    “Quer ainda promover políticas baseadas na evidência, apostar na prevenção da transmissão, bem como aumentar o diagnóstico e o tratamento.”

    “Inflamação do fígado”

    “Segundo a OMS, a hepatite viral é uma inflamação do fígado causada por um de cinco vírus, referidos como tipos A, B, C, D e E.” “Embora todos eles provoquem doenças do fígado, variam bastante na sua epidemiologia, prevenção, diagnóstico e tratamento.”

    “Os tipos B e C são aqueles que mais preocupam porque uma grande percentagem das pessoas infetadas só começa a sentir os sintomas quando já se encontram cronicamente doentes.”

    “Isto pode acontecer décadas depois da infeção.” “Além disso, estes dois vírus são a principal causa de cirrose hepática e provocam 80% de todos os casos de cancro do fígado.”

    “Estima-se em 2000 milhões o número de pessoas infetadas com o vírus da hepatite B, o mais comum, e que 500 a 700 mil pessoas morram anualmente de doenças causadas por este vírus.”

    “As estimativas apontam para 150 milhões de pessoas afetadas com o tipo C e 1,4 milhões com o tipo A.”

    “A infeção pode ocorrer através de fluidos corporais infetados ou alimentos e água contaminados, dependendo do tipo de hepatite.”

    “Atualmente existem vacinas eficazes para todos os tipos de vírus, exceto o da hepatite C, mas pela primeira vez na história, a hepatite C é curável, sublinha a OMS.”

    In Jornal de Noticias

    Torna-se necessário, as autoridades competentes, implementar no Páis,(Território/População), medidas de prevenção, diagnóstico e tratamento da Hepatite, nos seus derivados tipos.

    Estejamos alertas

    Pratiquemos o bem

    Pois o bem

    Fica-nos bem

    Deus abençoe São Tomé e Príncipe

  6. Voz do povo

    25 de Julho de 2012 at 15:13

    Bem dito…execelente texto.

  7. Nando Vaz(Roça Agostinho Neto)

    25 de Julho de 2012 at 17:29

    Gostei do texto!.. Brany Cunha Lisboa,tens que trabalhar mais!.. força continue nesta linha porque S.T.P precisa de “novo paradigma político”.

  8. Põe boca não tira

    25 de Julho de 2012 at 18:09

    De facto, abordaste com muita franqueza os reais problemas do país mas com o actual sistema politico é muito difícil implementá-los por causa de intereces obscuros. Mas acredito como disse acima o Leopoldo, que com um aeroporto em condições e um porto de água profundas sairemos desse fosso. Sefa como for meus parabens pelo artigo………

  9. Ze Fofoqueiro

    25 de Julho de 2012 at 18:32

    Caro Brany,
    Espero que o seu artigo permaneça em destaque durante muito tempo, que seja muito debatido neste fórum, pois, aborda um assunto bastante interessante, e no meu entender é melhor contributo que já vi escrito neste jornal. De fato, a ideia da criação de um plano Director Geral, ou Plano Director Estratégico para São Tomé e Príncipe é algo que se ainda não foi feito nem pensado, por aqueles que têm passado pelo poder, é motivo de grande preocupação, pois indicia que o pais tem sido governado sem um objetivo definido. Sinceramente espero que não seja este o caso, pois a ser verdade e se nada for feito a curto prazo, estamos condenados a tarde ou cedo entrar em falência. Não podemos continuar a sobreviver a contar com a ajuda externa. A ter um orçamento de estado aonde o contributo das nossas receitas esta muito perto dos 10%, o restante é tudo doações.

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