Opinião

Direitos Fundamentais e Direitos do homem

Esta problemática põe-se, necessariamente, quando se relaciona o homem, as pessoas, os indivíduos com o Estado. Portanto, não se invoca direitos fundamentais ou direitos do homem sem que isso implique a existência de Estado e a sua relação com as pessoas, os cidadãos.

Disse o Professor Dr. Jorge Miranda: “Não há direitos fundamentais sem reconhecimento duma esfera própria das pessoas, mais ou menos ampla, frente ao poder politico; não há direitos fundamentais em Estado totalitário ou, pelo menos, em totalitarismo integral. Em contrapartida, não há verdadeiros direitos fundamentais sem que as pessoas estejam em relação imediata com o poder, beneficiando de um estatuto comum e não separadas em razão dos grupos ou das condições a que pertençam; não há direitos fundamentais sem Estado ou, pelo menos sem comunidade politica integrada” (meu sublinhado). Manual de Direito Constitucional, pág. 8 – TOMO IV – DIREITOS FUNDAMENTAIS.

Esses dois conceitos são semelhantes, pois são concepções criadas para a defesa e o reconhecimento do direito das pessoas enquanto elementos de uma sociedade politica; são o elemento essencial dessa sociedade que se dá pelo nome de Estado.

São ideias surgidas no sec. XVII e XVIII com o liberalismo em Inglaterra e  França e que em Portugal se designou de movimento oitocentista (1820) que derrubou a  monarquia absoluta, dando lugar  a monarquia constitucional. Monarquia absoluta era a forma de governo em que o Rei era o todo poderoso, o dono de um Estado e as pessoas não eram cidadão, mas sim súbditos ou seja eram pessoas que não tinham direitos; só existiam para servir o Rei cuja vontade era lei e essa forma monárquica de governo existiu até 1789 em França e 1820 em Portugal.

A monarquia constitucional é uma forma de governo que seguiu à absoluta. Ainda é monarquia como hoje a Inglaterra, a Espanha, a Bélgica, a Holanda, Suécia, Dinamarca e muitos outros em que as pessoas passaram a ser tratadas como cidadãos, centro de toda a vida de uma comunidade, elemento essencial em torno do qual gira toda a vida do Estado. Daí os conceitos direitos do homem e direitos fundamentais que faz inverter a situação passando o Estado a atender, reconhecer obrigados a respeitar todos esses direitos.

Havemos de ver a seguir que, não se deve confundir direitos fundamentais com outros direitos. Direitos fundamentais são mesmo os fundamentais para o homem na sociedade; são os essenciais para a sua sobrevivência com dignidade, daí o conceito a dignidade da pessoa humana como fundamento de qualquer Estado que preze como verdadeiramente democráticos e não algumas pseudo-democracias que conhecemos em Africa e na América Latina em que os direitos do homem não tem expressão senão nas Constituições; e até tem-nos consagrados tal como existem nos países verdadeiramente democráticos, tais como EUA, França, Alemanha, Espanha, Portugal e muitos outros que desde o sec. XVII e Sec. XVIII definitivamente instituíram direitos fundamentais como condição de existência do Estado.

Sabemos que mesmo em muitos desses países houve situações de retrocessos em que os “diabos políticos” chegaram mesmo a revertera situação de democracia e direitos humanos para ditaduras, fascismos etc. como foram os casos de França, Espanha e próprio Portugal (Salazarismo).

O liberalismo correspondeu a um movimento em que a burguesia pôs fim ao “desumanismo” da monarquia absoluta. Obviamente, que na sua fase embrionária a existência desse movimento humanista e mesmo a sua sobrevivência, não correspondeu a plenitude da justiça social, pois, foram os burgueses que, sendo os grandes proprietários, dominavam toda a economia com a consequente debilidade da implementação dos direitos que eles próprios quiseram implantar.

Curiosamente, os regimes comunistas e socialistas do leste não foram os promotores, nem os fundadores da ideia do respeito pela pessoa humana, pelos direitos humanos, nem muito menos os fundamentais. Ergueram a bandeira contra a burguesia (revolução socialista) que detinha tudo, fomentaram o movimento da classe operária, e instaurando os seus Estados, fizeram do homem instrumento para servir a sociedade, “todo o Povo”, “o colectivismo”, desprezando o direito que as pessoas adquiram com o derrube da monarquia absoluta. E é bom frisar que, obviamente, esses movimentos marxistas e marxistas-leninistas só surgiram, como já disse, depois do derrube da monarquia absoluta pela burguesia (aliás só apareceram no Séc. XX, pós a II guerra mundial) que procuraram retirar o poder ao rei, passando o essencial para o parlamento, chagando ao ponto em que ele já nem governava, só “reinava”; apenas gozava das prerrogativas do chefe máximo mas que tinha que respeitar o direito das pessoas.

Como já afirmei, as monarquias são formas de governo. A absoluta lidava com o homem como sendo o instrumento de que o Estado se servia para se manter e funcionar; as pessoas existiam para servir o Estado e tinham o estatuto de súbditos porque eram uma espécie de propriedade do rei e só existiam para servir os seus desígnios. Só tinham deveres e obrigações e não direitos. Não havia constituições, pelo menos com pujança que passou a existir. O que havia eram os “Estamentos”, daí o conceito de “Estado Estamental” versus “Estado Constitucional”; e os conceitos “absolutismos” e “constitucionalismo”.

Esse movimento de mudança que passou a consagrar o homem como ente com dignidade humana teve diversas manifestações nos então chamados países ocidentais, sendo a Alemanha um dos grandes percussores da consagração dos direitos do homem, vindo a verter para a sua Constituição (a famosa Constituição de Waimer) os direitos do homem já na dimensão de direitos fundamentais.

É muito vulgar ou comum falar-se de “direitos do homem” porque este conceito antecede ao chamado “direitos fundamentais” que passaram a ser contemplados nos textos constitucionais a partir do Séc. XVI em alguns países pioneiros nessa matéria, tendo em conta os antecedentes “históricos e filosóficos”.

Daí a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 proclamada pela França e a Declaração Universal dos Direitos do Homem proclamada pelas Nações Unidas de 1945. Estes dois textos conduziram “o percurso decisivo na aquisição jurídica dos direitos fundamentais” porque essa expressão direitos do homem “traduz bem a ideia de direitos do homem, só por ser homem, e direitos que, por isso mesmo, são comuns a todos os homens” (J. Miranda).

A expressão “direitos fundamentais” correspondeu a fase em que os Estados verdadeiramente democráticos ocidentais, de onde partiram essas ideias, como ficou explanado acima, fizeram consagrar com maior expressão e maior elevação desiderato do homem nas suas Constituições, vincando com toda a precisão e uma dignificação quanto a sistematização em que a preocupação com os direitos fundamentais surgem na Parte I e uns desses direitos têm uma consagração sagrada que foi elevado para o moderno conceito DIREITOS LIBERDADES E GARANTIAS, sendo esses os núcleos essenciais dos direitos fundamentais.

Na nossa Constituição, como já referi criticamente, esses direitos estão consagrados de forma pouco precisa e dispersa e confusamente distribuídos, confundindo alguns direitos liberdades e garantias com outros direitos fundamentais, que são direitos fundamentais sociais, aqueles cujo exercício depende necessariamente da acção do Estado na sua concretização, como direito à saúde, educação, segurança social e outros ainda. São direitos fundamentais não exequíveis por si próprias, carecem da actuação concreta do Estado em políticas públicas.

Mas temos consagrados na Constituição todos ou quase todos os direitos fundamentais que já intitulei de primeiro grau que são os “Direitos Liberdade e Garantias”. Estes são os inerentes a pessoa humana, a sua existência e ligados às necessidades básicas da vida. Exemplo, direito a vida, liberdade, liberdade de expressão e de imprensa, direito à integridade física, intimidade da vida privada, de reunião e de manifestação, associação, protecção em processo penal etc. (artigos 22.º a 41.º).

Alguns autores dizem que esses direitos porque correspondem às aspirações naturais do homem, eles pertencem ao Direito Natural, como sendo um conjunto de bens e valores que existem independentemente da vontade dos Estados. Estes só se limitam a reconhecê-los. Estou a falar de Estados verdadeiramente democráticos, e não dos que se limitam a contemplar o que querem como direitos das pessoas, nem daqueles que negam esses direitos, ou tem-nos contemplados formalmente nas suas Constituições e leis, sem nenhuma concretização prática.

Há uma distinção que se faz em direitos fundamental em sentido formal e direito fundamental em sentido material, conceitos mais acessíveis aos juristas. Os formais são os que constam expressamente no texto da Constituição; os outros são os que podem constar em leis ordinárias diversas pelo sistema, sendo típicos, os que constam do Código de Processo Penal que é chamado de direito constitucional aplicado. Temos também alguns que constam do Código Civil que são os de personalidade e muitos outros ainda que constam de vararias legislações.

Devo vincar o seguinte: Os “Direitos do Homem” correspondem a tudo aquilo tem a ver com a pessoa humana, o ser humano, o homem só pelo facto de o ser, as suas necessidades existenciais, pois ele é o cerne de tudo na vida de qualquer Estado; daí que Estados que não respeitam direitos do homem são Estados com dias contados, enquanto regimes dessa natureza. É como a roda da história; não pára, como diziam os revolucionários marxistas-leninistas; até eu terei dito isso, no nosso revolucionarismo pós-independência, porque fui um dos activistas da “Jota”.

Direitos Fundamentais é a expressão mais moderna e já numa perspectiva estadual ou nacional em contraponto com os “Direitos do Homem” que, sendo a mesma coisa, na essência, têm uma expressão mais internacional. E esses direitos estão protegidos por tribunais internacionais, sobretudo nas comunidades regionais como União Europeia, onde os cidadãos podem recorrer para o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, defendendo os seus direitos contra os Estados, mesmo das decisões dos seus tribunais superiores.

Hilário Garrido – Juíz de Direito

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