O futebol no nosso país deveria ser uma atividade de entretenimento e de exercício e prática desportiva, para alem da “produção de espetáculos de lazer”, mas “evoluiu” para uma fonte de alienação e onde muita coisa é permitida, num “vale tudo para atingir fins”, mesmo que pouco lícitos. O futebol distrital (amador) é uma “escola” não de virtudes e de má educação e fomentador de rivalidades e bairrismos doentios e no qual as ofensas e agressões a árbitros (o elo mais fraco destes comportamentos que nos deveriam envergonhar e sobre os quais se descarregam a má educação e as frustrações) sucedem-se e, normalmente, os prevaricadores ficam impunes. Há dias, a imprensa deu relevo a um vídeo que mostrava uma “cena” de agressões entre adeptos (parece que essencialmente os familiares dos jovens) de duas equipas de jovens (Sub-14 anos).
Enquanto estes disputavam o jogo, os seus “educadores” agrediam-se mutuamente na bancada, mas este episódio é mais frequente do que se julga. E curioso, neste tipo de “lutas” é que elas ocorrem em torno de jogos entre equipas de crianças, isto é, Sub-10 até Sub-17 anos, porque é nestes jogos onde vão mais familiares assistir aos jogos dos seus meninos. O alvo pode ser o árbitro, o jogador da equipa adversária ou até o treinador e jogadores da própria equipa. Que tristes exemplos dão aqueles “educadores” aos seus educandos e, no meio destas atitudes, a maioria dos dirigentes desses clubes “fecham os olhos”, porque também alguns não têm moral para agir, porque também muitos deles fazem o mesmo ou pior.
A Federação Portuguesa de Futebol (FPF), organismo máximo no futebol português tem ganho muito dinheiro, através da performance desportiva e económica da seleção principal, leia-se, Ronaldo e companhia, porque tem sido, nestes últimos anos, uma “galinha de ovos de ouro” com a presença regular nas principais competições mundiais. Depois, pode distribuir esse dinheiro pelos clubes e associações distritais, permitindo assim que se organizem cerca de um milhar de jogos em cada fim de semana desportivo, nos vários escalões etários e vários níveis competitivos (divisões) e também suportar os custos inerentes com seleções nacionais de vários escalões etários, incluindo futebol feminino e futsal. Mas, infelizmente, o retorno desses encargos acaba por ser baixo, porque o clube, como célula básica do futebol, ainda é gerido por pessoas pouco habilitadas a esse importante papel formativo de cidadão e desportistas.
Se na política, temos receios do aparecimento dos populismos, então no futebol eles sempre existiram e, salvo honrosas exceções, ali quase que vale tudo para ganhar jogos e campeonatos, mesmo que seja o “campeonato do seu bairro” e a rivalidade que deveria assentar no “fair play” acaba por ser fomentadora de autênticas batalhas e guerrilhas, algumas de triste memória que me dispenso de citar. Para alguns dirigentes, pressionados por adeptos “irracionais”, porque infelizmente a paixão clubística é algo que é de difícil explicação pela Psicologia e Sociologia, não olha a meios para atingir os fins. E são muitos, desde “utilização” das claques, jogos de influência, acusações aos adversários, tentativas de corrupção, contratações de jogadores e treinadores pagos a “peso de ouro”, criação de SADs que depois perdem o controlo para “investidores” terceiros ou declaram falência, etc.
Apesar do muito dinheiro distribuído ao futebol, este é um autêntico “flop” em termos económicos e desportivos, porque a maioria dos jogos das competições profissionais têm “meia dúzia” de espectadores, salvo aqueles em que intervêm os três clubes grandes (FCP, SLB e SCP). O resto é paisagem, mas os dirigentes defendem a sua capelinha com olhos e dentes e não querem ver a realidade. Como é possível que um país como o nosso, tenha trinta e seis equipas nos campeonatos profissionais, estes organizados pela Liga Portuguesa do Futebol Profissional (LPFP), por delegação da FPF e nos quais a maioria dos jogos têm poucas centenas de espectadores e cujas receitas nem chegam para pagar à equipa de arbitragem, composta por mais de quatro elementos que se deslocam, por vezes de muito longe…. E o paradoxo ainda é maior porque nessas equipas profissionais a maioria dos planteies, em média de 28 jogadores, é composta por jogadores estrangeiros! No último jogo entre o Sporting e Porto, dos 28 jogadores que participaram nele apenas 5 eram portugueses (3 do SCP e 2 do FCP). E se olharmos para os planteis dos dois clubes, verificamos que os jogadores portugueses representam apenas 23%.
Triste realidade que deveria encher de vergonha os dirigentes desses clubes e de todos mais ligados ao futebol português. Porquê? E as respostas serão variadas, mas de acordo como cada um quer ver a sociologia do futebol português. Os adeptos não olham à nacionalidade dum golo da sua equipa e tanto pode ser espanhol, francês, brasileiro, mexicano, holandês, uruguaio, argelino, maliano, sérvio, macedónio, etc, estas as nacionalidades dos 23 jogadores estrangeiros que atuaram no estádio Alvalade, num jogo de fraco nível competitivo e de pobre espetáculo. Mas também nas camadas jovens, dos Su-23 para baixo, já existem muitos jovens estrangeiros nos principais clubes e também em equipas das distritais, onde o SEF tem detetado muitos em situação ilegal de permanência no país e, muitas vezes a viverem em condições indignas. Pelos vistos com prenuncio de tráfico de pessoas, conforme relatórios das entidades fiscalizadoras.
Há falta de jovens portugueses com nível futebolístico? Então reduzam-se as equipas profissionais e ou invista-se mais na formação. Contudo, para os dirigentes e treinadores é mais fácil ir à loja do chinês…Aos nossos jovens, aqueles que ainda sonham ou se divertem com o genuíno prazer de jogar futebol, resta depender dos “favores” de toda uma camada de (ir)responsáveis que continuam a gerir a sua quintinha. Os políticos saberão aparecer nas festas, muitas vezes com convites “irrecusáveis” até porque lhes permitem aparecer nos holofotes das vitórias. Assim, o futebol português é mesmo um equívoco, nos seus diversos níveis de competição, mas permite a muita gente descarregar as suas frustrações e dar largas a uma agressividade contida noutro contexto. Mas acaba por ser uma péssima escola de educação.
Serafim Marques
Economista