O recente desaparecimento físico do músico São-tomense e Cabo-verdiano, Jorge Neto, fez despoletar uma onda de consternação e comoção nunca antes observada e bastante significativa nas redes socias para com aquele que foi e continuará a ser um dos grandes nomes da música Lusófona e Africana. Contudo, essa mesma onda de consternação (justa e merecida) deve ser motivo de alguma reflexão pois, infelizmente, nos últimos anos a sensação que se tem é de que só nos lembramos da “dimensão e grandeza” dos nossos artistas após o desaparecimento físico dos mesmos.
Infelizmente, por um conjunto de circunstâncias envolvendo o “modo mediático” de como passamos a viver nas últimas décadas e a captura das nossas instituições pelo fenómeno da pessoalização da gestão da coisa pública, levou a que cada vez menos tenhamos em conta os verdadeiros valores éticos e culturais que nos identificam enquanto povo. O nosso património cultural tem sido aos poucos substituído por valores que muitas vezes desconhecemos em profundidade ou que em nada tem a ver com a nossa matriz cultural enquanto São-tomenses.
Aos poucos, os artistas/músicos que marcaram várias gerações, alegraram corações e fizeram-nos vibrar em vários momentos das nossas vidas, têm sido relegados ao esquecimento e ao passado sem o devido reconhecimento que lhes é merecido pela nossa sociedade e, em particular, pelo próprio Estado. Alguns porque não souberam integrar-se à luz das novas regras musicais e artísticas ditadas pelo mainstream, outros porque se mantiveram fiéis aos seus princípios, estilos musicais e culturais.
Costuma-se dizer que um povo que não valoriza a sua cultura é um povo que está permanentemente de joelhos. Isto porque, a cultura é um património incomensurável para qualquer tipo de sociedade que pretenda ver-se como tal, uma vez que através da cultura e da sua promoção é possível formar bons cidadãos. Por isso, a nossa música e os nossos músicos fazem e devem fazer parte do nosso património cultural – é imperativo serem mais valorizados e respeitados em vida e depois dela.
Jorge Neto, Pepê Lima, Camilo Domingos, Vava Pina, e muitos outros grandes nomes da música São-tomense partiram deste mundo sem nunca terem sido “devida e verdadeiramente” homenageados e valorizados pelo riquíssimo património cultural com que nos brindaram e, consequentemente, pelo legado que nos deixaram. Todos eles mereciam mais e melhor de nós. Mereciam mais das nossas instituições porque o legado deixado perdurará no tempo para as futuras gerações.
Sem querer individualizar os grandes nomes da nova geração de artistas São-tomenses que tratarei em momento oportuno, os nomes dos artistas mais antigos (salvo erro) como: Felício Mendes, Kalú Mendes, Juka Castro, General João Seria, Garrido, Gapa, Sebastiana, Xinha, João Aparício, Aylton Dias, Filipe Santos, Tonecas Prazeres, Grupo Tempo, entre muitos outros, acabam por ser esquecidos (injustamente) muitas vezes por todos nós e pelas nossas instituições.
É tempo de implementação e efetivação de uma nova abordagem e valorização da nossa cultura, dos nossos artistas e dos nossos músicos em particular. É tempo de valorizarmos mais e melhor o legado daqueles que trabalharam e trabalham todos os dias na promoção da identidade (singular) de São Tomé e Príncipe.
Os nossos costumes, a nossa música, a nossa arte e, principalmente, o valor que atribuímos ao que é nosso nos caracterizam enquanto povo e nos permite conservar a nossa identidade para que nunca percamos a nossa singularidade e a São-tomensidade que vive em cada um de nós.
Enfim, as pessoas devem ser homenageadas em vida!
Belo Horizonte, aos 27/02/2020
Gelson Baía.
Colega
27 de Fevereiro de 2020 at 22:12
Parabéns mano Gelson. Bem dito. Abraço
Seabra
28 de Fevereiro de 2020 at 0:00
Muitos foram esquecidos…Entre eles o célebre conhecido Gilberto Gil Umbelina. Os citados na lista, lamento dizer, mas há uns que são medíocres…porque não têm Talento. De todos eles quem brilha e o João SERIA, o Calu, o Tonecas….
Eusébio Pinto
28 de Fevereiro de 2020 at 10:20
Cinco Estrelas!
Gostei e dou os meus parabéns ao autor!
Eusébio Pinto
Luanda, Angola
Zé de Neves
28 de Fevereiro de 2020 at 16:20
Perfeito!
Acrescentaria apenas que bastaria uma rádio nacional que prestasse verdadeiro serviço público e que emitisse esses clássicos e contemporâneos de forma consistente para que a situação mudasse.
Infelizmente a onda aberta é dominada por seitas religiosas cuja mensagem está a substituír-se à cultura, informação e conhecimento.
Quanto custa esta situação? A alma de uma nação.