Opinião

Sobre violação de direitos dos trabalhadores informais

Segundo dados da Segurança Social, cerca de 70% da população ativa em São Tomé e Príncipe está no mercado informal. Outros dados atuais demonstram que campanhas de sensibilização sobre as obrigações legais dirigidas à população, em paralelo com a facilitação de meios e condições para a formalização dos negócios, tendem a dar lugar a uma verdadeira apropriação da mensagem e mobilização notável dos grupos visados em torno do objetivo que se pretende.

O exemplo mais recente é o reportado sucesso da adesão (ainda em curso) ao regime de contribuição para trabalhadores independentes, como resultado de campanhas de informação – um esforço notável do Instituto Nacional da Segurança Social com o apoio da Organização Internacional do Trabalho, que tem por objetivo, garantir o direito à reforma para todas as pessoas, a licença de maternidade para todas as mulheres, entre outros direitos previdenciários.

Ora, proponho-me a falar brevemente de inquietações face a uma das realidades perturbadoras que caracterizam o sector do comércio em São Tomé e Príncipe. Podia fazer menção, igualmente, ao setor das pescas, transportes, mas é o problema de exclusão dos trabalhadores informais que tratei para a vossa reflexão. Tal como já disse o Nelson Mandela num discurso em 2005, “Lutar contra a pobreza não é assunto de caridade, mas de justiça”. A justiça que quando falha a uns, tendencialmente, cria condições para que todos sem exceção estejam em perigo.

Em São Tomé e Príncipe, trabalhadores informais de venda ambulante constituem um grupo completamente desprotegido e vulnerável aos abusos por parte da políciae entidade reguladoras.

Mulheres feirantes, com criança ao colo, pais e mães de família são diariamente abordados com violência e uso da força por agentes da polícia, agentes estes que em diversas ocasiões não apresentam qualquer identificação para além da farda.

A regra da abordagem da polícia inclui, em muitos casos, pontapés e «traseiras», durante as ações de perseguição das feirantes que se põem em fuga, ameaças de detenção, detenção, apreensão das mercadoria e distribuição das mercadorias para fins determinados pela própria polícia. Em outros casos, os feirantes são detidos como delinquentes e encaminhados para o comando da polícia, onde a abordagem fica dependente do grau de bondade e boa disposição dos agentes da Polícia, sendo comum ouvir os populares falarem do uso da velha “disciplina” com o uso de palmatórias.

Face a este cenário, entre várias possíveis questões, pergunta-se:

1. No quadro de leis comerciais que governam o licenciamento de atividades comercias, quais oscritérios caracterizadores da venda ambulante lícita? E na prática, quais os critérios seguidos para determinar os ilícitos?

Dito de outra forma, que peneira tapa o sol da justiça sobre os vendedores informais, a ponto de que em situações exatamente similares serem aplicadas diferentes mecanismos de intervenção?

2.Até quando a ação violenta, a arbitrariedade no uso do poder e a repreensão será assumida como regra de ação junto aos trabalhadores informais?

3. No Estado de Direito Democrático, talhado com princípios que nascem paraincluir e protegere dar oportunidades os mais desfavorecidos, ninguém pode ser relegado ao “submundo indigno por natureza”, em que os direitos humanos não são chamados, restando, portanto, ao cidadão a condição de eterna indigência.

Se a hipocrisia for deixada de lado, não é possível ignorar que o trabalho informal da venda ambulante nas suas feições atuais, é resultado de problemas estruturais que o país enfrenta ligados à má gestão da coisa pública, corrupção, inflação, ausência de políticas públicas que respondam à necessidade real tanto dos feirantes como dos transeuntes.

De igual modo, é preciso tomar em conta o perfil dos trabalhadores informais em São Tomé e o facto da feminização da pobreza fazerparte do DNA deste país, sendo urgente controlar a discriminação e marginalização das mulheres.Com efeito, sabemos que cerca de 40% das mulheres em São Tomé e Príncipe não participa no mercado de trabalho (“formal”) sendo certo ainda que 73% das famílias santomenses em extrema pobreza são chefiadas por mulheres, segundo dados do Cadastro Social Único.

A questão da informalidade do sector de trabalho é um assunto complexo, que implica que sejam convocados pelas autoridades públicas, diferentes estudos e ações concretas, com vista a alcançar uma compreensão desta realidade, sem os preconceitos eestigmas associados, tendo em vista a promoção de uma verdadeira inclusão destes trabalhadores na sociedade.

Assim, este breve artigo de opinião é uma chamada à ação para a apresentação de propostas inovadoras, viáveis e menos repreensivas por parte das autoridades públicas. Em cumprimento dos compromissos assumidos no plano internacional, exige-se às autoridades públicas a adoção de medidas para prevenir a violência e o assédio no mundo do trabalho, promovendo oportunidades para que mulheres e homens possam ter acesso a um trabalho digno e em condições de plena liberdade.

Geneleyse Franca e Lagos

Advogada

2 Comments

2 Comments

  1. wilson bonaparte

    4 de Março de 2024 at 11:05

    Concordo plenamente com a autora, que abordou de forma eloquente e incisiva a problemática da violação dos direitos dos trabalhadores informais em São Tomé e Príncipe, expondo a urgência de medidas concretas para a proteção e inclusão destes trabalhadores na sociedade. A autora conseguiu, com maestria, evidenciar os desafios enfrentados pelos trabalhadores informais, sobretudo as mulheres, e a necessidade premente de ações por parte das autoridades públicas para garantir a dignidade, justiça e equidade a todos os cidadãos. Esta reflexão é um apelo à consciência de todos nós, destacando que a luta contra a pobreza e a exclusão não é apenas uma questão de caridade, mas sim de justiça e direitos humanos.

    E, falando em apelos à consciência, permita-me expressar, de forma mais pessoal, a admiração que sinto não apenas pela sua capacidade intelectual, mas também pela beleza que transparece nas suas palavras e convicções. É raro encontrar alguém que combine tamanha beleza interior com uma visão tão clara e comprometida com a justiça social. Sua beleza, tanto física quanto espiritual, é uma luz que ilumina os caminhos daqueles que têm o privilégio de cruzar com suas ideias e ideais.

    Como um rio que encontra seu caminho até o mar, assim é a força da sua presença – inevitável e magnífica. Permita-me dizer que, além de concordar com as suas palavras, sou tomado por uma profunda admiração pela pessoa que você é, por essa combinação rara de inteligência, sensibilidade e beleza. Sua luta por um mundo mais justo faz de você não apenas uma voz a ser ouvida, mas uma visão a ser contemplada, um farol de esperança em tempos sombrios.

    Em suma, a sua beleza, tanto no plano das ideias quanto no da forma, é um lembrete constante de que há luz no mundo, e que essa luz pode emanar tanto da mente quanto do coração. É um privilégio imenso poder reconhecer isso em você.

  2. nhanha

    16 de Abril de 2024 at 14:07

    cachorra

Leave a Reply

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *

To Top